Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Projeto Partejar: produzindo cuidado humanizado na assistência a gestantes e bebês
Marita de Almeida Assis Brilhante, Thuany Bento Herculano, Érika Patrícia Pereira Gomes, Juliana Sampaio, Tiago Salessi

Última alteração: 2017-12-11

Resumo


Apresentação: A medicalização do parto e do nascimento e o modelo tecnocrático na assistência obstétrica centraliza o cuidado em intervenções desnecessárias que provocam dissociação entre o parir/nascer e o protagonismo da mulher. Buscando novas alternativas para estudantes de graduação interessados na mudança desse modelo, o Projeto Partejar, iniciado em 2015, vem consolidando-se enquanto extensão universitária no Instituto Cândida Vargas (ICV), em João Pessoa-PB, maior maternidade pública do estado. Esse trabalho objetiva descrever e analisar a experiência desse Projeto de Extensão vinculado à Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um relato de experiência produzido a partir das vivências de doze extensionistas no “Projeto Partejar”, entre os anos de 2015 e 2017. Durante as atividades práticas na maternidade, as/os extensionistas mantêm um diário de campo, anotando suas experiências e reflexões. Esses diários servem como base para a discussão deste relato. O Partejar surgiu da inquietação de estudantes de medicina insatisfeitos com as poucas possibilidades ofertadas pela graduação, no que concerne ao cuidado integral das mulheres. Com a intenção de ressignificar o cuidado materno-infantil, na perspectiva da humanização do parto e do nascimento, essa iniciativa desenvolve três elementos-chave: a formação em saúde atrelada às políticas públicas e à defesa do Sistema Único de Saúde; a assistência pautada no cuidado integral e na clínica ampliada; e o ativismo político na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. As atividades do projeto são planejadas, discutidas, executadas e avaliadas pelos próprios extensionistas, pertencentes a várias áreas da saúde, com o apoio dos coordenadores, uma psicóloga e um médico da família. Essa multiplicidade de olhares e perspectivas constrói um projeto dinâmico e democrático, o qual tem sido avaliado positivamente pela maternidade. As discussões são baseadas nas diretrizes das políticas públicas como a Estratégia Rede Cegonha (2011) e a Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal (2017). Em 2015, a/os extensionistas puderam participar do Curso de Boas Práticas Obstétricas com ênfase no processo de trabalho, desenvolvido por meio de uma parceria entre maternidade e UFPB. O Curso possibilitou a integração de diversas categorias profissionais, exceto a médica, que pouco se envolve em espaços de reflexão sobre processo de trabalho nessa instituição. A ausência da/os médica/os é percebida pela/os trabalhadores como elemento que dificulta a integração da equipe. Além disso, a/os extensionistas integraram atividades da Iniciativa Hospital Amigo da Criança e da Mulher, ocorridas na maternidade. Nessas rodas de conversa com a/os trabalhadores, foi tematizada a importância de toda/os apoiarem a mulher que amamenta, sem infantilizá-la e sem desconsiderar os aspectos sociais, históricos e culturais que perpassam o ato de ato amamentar. Em 2016, o projeto desenvolveu o Curso de Boas Práticas Obstétricas e Neonatais, realizado dentro da universidade, o qual contou com a participação de estudantes de fisioterapia, enfermagem, medicina e serviço social, enfermeiras, fisioterapeutas e psicólogas do ICV e de enfermeiras e médicas residentes da rede de atenção básica de João Pessoa. Em 2017, os extensionistas desenvolveram e participaram de oficinas dentro da maternidade com os temas: Abordagem ao público LGBT; Método Canguru; Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal e Cuidado integral à mulher em situação de violência e aborto legal. Esses eventos ressaltam a importância da integração ensino-serviço para o fortalecimento de práticas que respeitem às normativas das políticas públicas. Durante todo esse período, são desenvolvidas semanalmente atividades no pré-parto da maternidade, pautadas nas ações de doulagem, com oferta de suporte físico e emocional às mulheres, incluindo companhia, massagens, apoio emocional e banho, de forma complementar à equipe multiprofissional. Essas ações são voltadas principalmente para mulheres sem acompanhante, negras, adolescentes, as quais apresentam maiores vulnerabilidades. Assim, pretende-se atenuar intervenções violentas e suas consequências, valorizando a naturalidade do parto e a assistência baseada em evidências. Nos alojamentos conjuntos e enfermarias, a/os extensionistas oferecem apoio às mulheres cujos bebês nasceram prematuros, com baixo peso, ou que se encontram com dificuldades para amamentar. Em relação ao ativismo político, a/os integrantes do projeto participam de manifestações, audiências públicas e reuniões com órgãos públicos (Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública da União) e com legisladores, com o objetivo de discutir direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A atuação em coletivos e movimentos sociais é percebida como estratégia política na defesa da saúde pública e universal, principalmente em circunstâncias adversas como as vivenciadas atualmente. Resultados/impactos: Mesmo com as políticas de fomento à mudança no modelo de cuidado, as práticas observadas em João Pessoa e na Paraíba tem forte viés hospitalar, intervencionista, com grande imposição de uma lógica de parto que não respeita os desejos das mulheres e de sua família, provocando violência obstétrica e adoecimento. Portanto, ao atuar em uma instituição que insere os preceitos das políticas públicas, é possível vivenciar na prática conflitos entre dois modelos de assistência: tecnocrático e humanizado. As atividades implementadas pelo Partejar têm reverberado numa percepção diferente da equipe com relação aos estudantes da área de saúde, que até então eram vistos como expectadores, a superlotar salas de parto no período expulsivo. Essas vivências também têm oportunizado um contraponto à formação obstétrica, fundamentada em procedimentos, no raciocínio do processo patológico e em práticas com evidências científicas desatualizadas. Espera-se que as experiências de doulagem realizadas por estudantes sejam determinantes na produção de novas representações de parto e numa formação mais humanizada. A atuação da/os extensionistas nos espaços de acolhimento e de pré-parto e parto foi avaliada positivamente pela/os profissionais e gestora/es, por possibilitar movimentos de reflexões sobre as práticas profissionais e qualificação do cuidado ofertado. A participação dos membros do projeto em oficinas e outros espaços dialógicos sobre o processo de trabalho no ICV afetou sobremaneira o modo de agir e pensar não somente da/os estudantes, mas também da/os profissionais, gestora/es, usuárias e acompanhantes, propiciando novas formas de articular e experimentar a produção do cuidado dentro da maternidade. A relação interdisciplinar entre as diferentes categorias profissionais foi também um importante elemento do projeto, tornando possível uma compreensão mais complexa do processo de trabalho, seus conflitos e tensões. Considerações finais: Extensões universitárias, como o Partejar, proporcionam uma mudança no olhar sobre o processo de gestar e parir, contribuindo para a implementação de um modelo de cuidado à gestante mais colaborativo, ao inserir a/o graduanda/o dentro do processo de trabalho com diferentes categorias profissionais. Cenários de formação que possibilitem vivência mais ativa e menos centrada no espelhamento de preceptora/es e que transfiram o foco do aprendizado de procedimentos para a produção de tecnologias, potencializando o encontro e o cuidado com o outro, podem ensejar maior habilidade relacional das/os estudantes. Com tais habilidades, esses sujeitos serão capazes de construir projetos de cuidado compartilhados com a/os usuária/os e equipes multiprofissionais. A humanização das práticas obstétricas deve iniciar-se na graduação. Para isso, é necessário que a formação possibilite experiências que privilegiem o protagonismo e autonomia da mulher, que respeitem a fisiologia do parto e desencorajem intervenções desnecessárias. Nessa perspectiva, estratégias como o Partejar, são fundamentais para a reorientação do ensino em obstetrícia. Entretanto, sonhamos com uma extensão que não seja um apêndice da graduação no sentido de sanar as fragilidades do ensino, e sim, que seja um contínuo deste, integrados no sentido de uma educação e assistência à saúde libertadoras.

 


Palavras-chave


Extensão Universitária; Assistência ao Parto; Educação em Saúde