Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
A SAÚDE NA FRONTEIRA AMAZÔNICA: ESTUDO DE CASO DO PROGRAMA MAIS MÉDICOS NA TRÍPLICE FRONTEIRA BRASIL, COLÔMBIA, PERU EM RELAÇÃO AO FLUXO E REGISTRO DE ESTRANGEIROS NA ATENÇÃO BÁSICA
Milene Neves, Rodrigo Tobias, Michele Kadri, Júlio César Schweickardt

Última alteração: 2017-12-28

Resumo


O presente texto tem como objetivo apresentar características do fluxo de estrangeiros e seus registros de atendimento na Atenção Básica em região de fronteira no estado do Amazonas. A saúde na fronteira tem o desenho das políticas de saúde dos países que a compõe, nesse sentido o Sistema único de Saúde (SUS) tem se esforçado para se consolidar e organizar os serviços porém isso pode ser dificultado pela falta de diretrizes específicas para situações de fronteiras. Esta pesquisa integra o projeto de pesquisa realizado pela Organização Pan-Americana de Saúde sobre a atuação do Programa Mais Médicos em regiões de Fronteiras, realizado pelo Laboratório de História e Políticas de Saúde da Amazônia (LAHPSA), vinculado a FIOCRUZ-AM

O município de Tabatinga, no Estado do Amazonas, tem característica diferenciada de fluxo pois, compondo a microrregião do Alto Solimões, faz fronteira com as cidades de Letícia na Colômbia e Santa Rosa no Peru, formando assim a Tríplice Fronteira. Sendo Letícia considerada cidade gêmea de Tabatinga, onde ocorre fluxo livre de pessoas e de bens, formando um conjunto urbano de grande expressão na microrregião.

Foi realizada visita em novembro de 2017 ao município de Tabatinga para a realização de entrevistas através de um roteiro semiestruturados com perguntas abertas, aplicados a equipe de Estratégia de Saúde da Família (ESF), envolvendo Médicos, Enfermeiros e alguns Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que atuam nas Unidades Básicas de Saúde - UBS. Duas UBS tem fluxo maior de estrangeiros por se localizarem na extremidade da fronteira geográfica de Tabatinga.

O discurso dos profissionais mostra que o fluxo de estrangeiros que acessam os serviços pela ESF é intenso, principalmente pelo fato de que na Colômbia, o serviço de saúde só é acessado por meio de aquisição de “seguros de saúde” não gratuitos; e, no Peru, há uma grande distância para a cidade que teria condições de dar suporte para os usuários, na localidade de Iquitos (cerca de 18 horas de barco segundo alguns entrevistados). Os moradores da Comunidade de Santa Rosa, no Peru, acessam os serviços do SUS com maior regularidade porque não tem serviços de saúde à disposição, Quando buscam os serviços no Brasil, segundo os profissionais, estão com algumas patologias em estágios avançados. O que demanda mais cuidados da ESF, tendo que ser encaminhados para o atendimento à Unidade de Pronto Atendimento - UPA ou ao Hospital Militar no município de Tabatinga.

Os profissionais relatam ainda que a maior procura é pela atenção à saúde das gestantes que tem o objetivo de ter seus filhos nascidos no Brasil para obterem, assim, os direitos de cidadão brasileiro. Outra percepção é que alguns programas, como o da Tuberculose e das Infeções Sexualmente Transmissíveis - IST´s funcionam muito bem em parceria com os outros países, principalmente com a Colômbia, tendo ações conjuntas realizadas nos bairros estratégicos próximos a fronteira geográfica. A medicação gratuita também é um atrativo para essa demanda.

Em contrapartida os serviços ofertados aos brasileiros nos outros países todos são privados, sendo que a cidade de Letícia tem mais estrutura para atendimentos de média complexidade e presença de médicos especialistas que não tem em Tabatinga. Alguns usuários procuram os serviços na Colômbia para exames complementares que levam mais tempo para obterem os resultados no Brasil.  Essa demora leva ao atraso no início do tratamento o que poderia aumentar a demanda de casos de maior complexidade para as outras unidades ou deslocadas para capital do Amazonas, Manaus.

Os registros feitos dos atendimento desses pacientes estrangeiros não residentes no Brasil são realizados através de demanda espontânea com abertura de prontuário que é arquivado em ordem alfabética e colocado em uma pasta com o nome “Diversos”, tudo feito manualmente. Se for necessário acompanhamento, o paciente é orientado a tirar o cartão do SUS, e isso implica em ter documentação brasileira, pelo menos o RNE (Registro Nacional de Estrangeiro) emitido pela Secretaria de Segurança. Por relatos nas entrevistas, podemos entender que a maioria dos pacientes tem parentes no Brasil, as famílias são bem miscigenadas, então é comum existirem vários indivíduos com dupla cidadania.

Os estrangeiros adscritos na área de cobertura da ESF são todos cadastrados por número referentes a família em que se encontram. Mesmo que a família toda de uma casa seja de estrangeiros, esta será cadastrada e incluída em todas as ações de saúde promovidas pela ESF. Interessante comentar que, como alguns desses indivíduos tem o “Seguro de Saúde” de seu país e fazem acompanhamento com médicos de Letícia, é registrado para aquele paciente naquela família a observação “faz acompanhamento em Letícia” escrito manualmente nos prontuários, ou seja, mesmo não atendido na Unidade Básica a equipe tem controle de sua população coberta pela ESF.

Quando perguntado sobre a questão da comunicação devido a diferença de idioma, isso não foi apontado como empecilho para realização dos atendimentos, pois além da questão dos estrangeiros, tem também o atendimento à população indígena, alguns chegam na Unidade Básica com intérprete, ou com um parente que compreenda melhor o português, ou alguns ACS´s por serem da região já dominam tanto algumas “gírias” indígenas e o espanhol. A dificuldade relatada nas entrevistas foram em fazer pessoas que tem uma outra cultura, seja estrangeiro, seja indígena, entender que um procedimento, medicamento, cuidado, é necessário para sua condição de saúde mesmo que isso não faça parte do seu costume.

Há uma demanda de fluxo intenso de estrangeiros que acessam o SUS pela ESF em Tabatinga, e por esse motivo seria necessária uma Política Pública que integrasse a especificidade presente na região de fronteira Amazônica. Seria interessante a realização de parceria entre os países que formam esta região para melhor resolução das questões que envolvem a saúde, uma vez que a fronteira existe geograficamente, porém o fluxo de indivíduos de um país a outro ocorre livremente.

Da mesma forma faz-se necessária a compreensão dos procedimentos para aquisição da documentação brasileira por parte dos estrangeiros para terem acesso aos serviços de saúde. Todas essas não são tarefas fáceis e necessitam de ações conjuntas entre os países envolvidos. É necessário somar esforços para garantir não apenas o mercado ou o capital sem fronteira mas a saúde ao indivíduo como um direito universal pertencente ao fenômeno da globalização. Ao analisar os relatos vale destacar que mesmo com tantas dificuldades como a escassez de profissionais e serviços especializados e tantos públicos de diferentes culturas, os integrantes da equipe da ESF não medem esforços para prestar atendimento de saúde a população não importando sua nacionalidade como preconiza o Sistema Único de Saúde. Esta pesquisa teve o intuito de analisar a contribuição do Programa Mais Médicos Brasil nessas especificidades apresentadas na fronteira do estado do Amazonas.


Palavras-chave


saúde, fronteira, estrangeiros, atenção básica.