Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Doulas: movimento social e luta por políticas públicas sobre direitos sexuais e reprodutivos
Marita de Almeida Assis Brilhante, Thuany Bento Herculano, Juliana Sampaio

Última alteração: 2017-12-30

Resumo


APRESENTAÇÃO: O movimento de doulas ganhou visibilidade nos últimos anos, principalmente com a implementação de políticas públicas no âmbito da Humanização do Parto e do Nascimento (P&N). A inserção da doula é considerada uma das boas práticas incentivadas pela Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, de 2005. O papel de doula é exercido por mulheres ou homens, com curso de formação específico ou conhecimento construído na prática de acompanhar mulheres em seus partos. A palavra doula tem origem grega e é utilizada para definir quem auxilia mulheres no processo gravídico-puerperal, dando suporte físico e emocional, por meio de técnicas não-farmacológicas de alívio da dor. O movimento de doulas atua junto à sociedade civil, tornando-se protagonista na discussão acerca do modelo de atenção obstétrica. Esse resumo objetiva analisar a experiência do movimento de doulas em João Pessoa-PB, e, assim, contribuir para a avaliação do papel das doulas na implementação de políticas públicas e na luta pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Essa escrita baseia-se na produção de conhecimento em que não há cisão paradigmática sujeito-objeto. Assume-se a posição de pesquisadoras in-mundo, abrindo espaço para a experiência, para o exercício de produzir conhecimento interessado, implicado na transformação de práticas e saberes. Assim, em vários momentos, colocamos em análise as sobre-implicações existentes na experiência de doula e militante das pesquisadoras. Os dados analisados foram retirados de anotações de diário de campo das vivências de um projeto de extensão dentro de uma maternidade e dos eventos em que as doulas estavam envolvidas direta ou indiretamente. Foram utilizadas fontes secundárias: legislação, vídeo, documentos da Prefeitura Municipal de João Pessoa, apresentação de palestras, recortes de jornais. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: Embora algumas mulheres já atuassem como doulas no cenário obstétrico particular em João Pessoa, a institucionalização dessa figura dentro do sistema público parece estar no cerne do fortalecimento do movimento de doulas na cidade. A história do movimento confunde-se com a inserção de doulas voluntárias no Instituto Cândida Vargas (ICV), maior maternidade pública da Paraíba. A maioria das doulas atuantes nos serviços público e privado de João Pessoa passou pelo curso de formação do ICV, que, por meio do Programa “Doulas Comunitárias Voluntárias”, já capacitou mais de 120 mulheres desde 2012. A implementação do programa causou resistência por parte dos profissionais, intensificada após a aprovação da lei. A falta de clareza sobre o papel da doula é um dos elementos centrais nessa resistência. A doula acaba sendo confundida com outros profissionais, pois muitas já têm profissão ou se tornam profissionais depois que começam a doular. Em João Pessoa, há doulas técnicas de enfermagem, enfermeiras-obstetras, fisioterapeutas. Geralmente as doulas possuem outras atividades: fotógrafa, acupunturista, naturóloga, professoras de ioga, etc. A organização do movimento de doulas em João Pessoa foi fortemente influenciada pela discussão da Lei Municipal nº 13.080/2015, Lei das Doulas, a qual impulsionou a criação da Associação de Doulas da Paraíba (ADPB). Tal construção se deu na aposta de que a articulação em torno de uma agenda política única aumentaria as chances de inclusão de suas pautas em agendas políticas formais. O processo de aprovação da Lei Municipal das Doulas foi cercado de tensões por parte dos movimentos de doulas e de mulheres e por entidades de classe. Ela garante que a doula, se assim desejar a parturiente, pode acompanhá-la em todo o ciclo gravídico-puerperal, nas maternidades públicas ou privadas. A resistência ao PL foi evidenciada por meio da publicação de nota em jornais de circulação local, assinada pelos conselhos profissionais, liderados pelo Conselho Regional de Medicina (CRM-PB). Alegavam que o cuidado era de responsabilidade técnica de uma equipe multiprofissional e defendiam a participação das doulas apenas como acompanhantes. A disputa pela legalização da atuação das doulas em João Pessoa tem similaridade com outros episódios de participação de movimentos sociais na elaboração de políticas públicas no campo da humanização da saúde. A própria lei do acompanhante foi um amplo processo de advocacy (mobilização) realizado pela Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (Rehuna), a qual conta com o envolvimento de profissionais da saúde e ativistas do movimento de Humanização. O debate trouxe à tona o cenário de disputa entre dois dos principais modelos de assistência obstétrica, o tecnocrático e o humanístico. O envolvimento de diversos atores da sociedade civil demonstrou a efervescência dos conflitos, sendo a presença da doula apenas um dos pontos discordantes entre os modelos, provocando tensões no cenário do parto, bem como na formulação e implementação das políticas públicas. A busca por uma identidade de grupo, na tentativa de se diferenciar das outras categorias já estabelecidas, dispara reflexões sobre a fragilidade do movimento de doulas. Dentro do movimento social, há uma rede complexa de relações nas quais a identidade coletiva não é dada a priori, mas é um produto de trocas, negociações, decisões e conflitos entre os atores em uma determinada arena. A criação da ADPB possibilitou uma participação mais organizada e institucionalizada das doulas em instâncias públicas. Além disso, as doulas costumam manter contato com parlamentares que lidam com a temática dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Participam de eventos nacionais e regionais que pautam questões mais amplas do movimento pela humanização do parto e do nascimento. O ativismo político das doulas é colocado em xeque quando o tema é cercado de tabus. Nas rodas de gestantes, o tema do aborto é completamente negligenciado, entrando em pauta eventualmente quando discutem o atendimento a mulheres em abortamento involuntário, que passam por violência obstétrica. A descriminalização do aborto ou mesmo a discussão sobre aborto legal não são debatidos, uma vez que há diferentes visões de mundo em disputa entre as doulas, uma delas defendendo a romantização da maternidade e a existência de instinto materno. A centralidade no tema “gestação e parto” acaba limitando o debate sobre outras visões de corpo e sexualidade. Não há discussão acerca de formas alternativas de se tornar mãe, como a reprodução assistida ou a adoção, muito menos a presença, em rodas de gestantes, de casais homoafetivos ou trans grávidos. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O fortalecimento da identidade de grupo e a regulamentação da atuação ainda são assuntos pendentes para o movimento de doulas, embora a lei tenha sido um avanço importante. É inegável que as doulas estão transformando-se em importante agente mobilizador de políticas públicas. O movimento de doulas tanto em nível local como nacional constitui peça fundamental dentro do Movimento pela Humanização do P&N. A aproximação das doulas com os temas do feminismo ainda se dá de forma incipiente, tendo em vista centralidade nas questões da maternidade. A institucionalização do movimento, por meio de associações, evidencia o surgimento de um ator que reivindica maior participação nas instâncias políticas, demonstrando que pretende influenciar questões que vão além da assistência obstétrica hospitalar. A experiência em João Pessoa demonstrou a dificuldade de implementar elementos da política pública, como a inserção das doulas nos serviços, os quais acabam dependendo da força dos agentes nos diferentes níveis organizacionais, seja no âmbito legislativo ou diretamente na assistência à saúde. A atuação do movimento de doulas expôs as disputas que interferem na mudança do modelo proposto pela política pública.


Palavras-chave


Doulas; Direitos Sexuais e Reprodutivos; Políticas Públicas