Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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TENSÕES ENTRE DIFERENTES MODELOS DE CUIDADO NA OBSTETRÍCIA: O QUE DIZEM OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE AS DOULAS NA ASSISTÊNCIA AO PARTO HOSPITALAR?
Thuany Bento Herculano, Marita de Almeida Assis Brilhante, Murillo Bruno Braz Barbosa, Juliana Sampaio

Última alteração: 2017-12-15

Resumo


APRESENTAÇÃO: Nas últimas décadas, surgiram, em contrapartida ao modelo biomédico tradicional, iniciativas para reorientar a assistência prestada às mulheres no ciclo gravídico puerperal. Essas estratégias são conhecidas genericamente por humanização do parto e nascimento. Dentre elas, o suporte contínuo durante o trabalho de parto, que pode ser realizado por profissionais do serviço, familiares ou acompanhantes leigas treinadas, conhecidas como doulas.  A palavra “doula” tem origem grega e significa “mulher que serve”, e hoje se refere à pessoa com treinamento específico sobre fisiologia do parto normal, métodos não farmacológicos para alívio da dor, cuidados pós-natais e aleitamento materno. No Brasil, a inserção das doulas, remuneradas ou voluntárias, dentro das maternidades, deu-se sem a participação dos profissionais atuantes no cenário do parto, e, muitas vezes, sem o entendimento do escopo de atuação destas. Tal contexto abre margem para resistências e possíveis conflitos dentro das equipes de saúde, sobretudo, porque grande parte das orientações oferecidas pelas doulas vão de encontro à predominante biomedicina intervencionista, o que transforma o trabalho de parto num cenário de disputa entre modelos de assistência. Esse estudo pretende analisar a percepção dos profissionais de saúde atuantes em uma maternidade pública da Paraíba acerca da inserção das doulas na assistência à mulher durante o trabalho de parto e parto, identificando o conhecimento sobre a função das doulas e possíveis benefícios, dificuldades e conflitos na participação destas no contexto obstétrico atual. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, realizado no Instituto Cândida Vargas (ICV), maternidade localizada no município de João Pessoa, que compõe a rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Nela, existe desde 2011, o Projeto de “Doulas Voluntárias”, criado pela Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para Mulheres (SEPPM). O projeto oferece um curso com duração de sete meses, sendo um mês de aulas teóricas e seis meses de atividades práticas no ICV, onde as doulas em formação trabalham diretamente com as mães e os profissionais da saúde. Os sujeitos do estudo foram 24 profissionais das diferentes categorias envolvidas na assistência ao parto no ICV: equipe de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem), médicos, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais, no período de agosto de 2016 a abril de 2017. Como instrumento de coleta foi utilizada a entrevista semiestruturada, cuja distribuição quantitativa entre os profissionais se deu mediante a proporcionalidade numérica de cada categoria dentro da maternidade. Dessa forma, 37,5% (n=9) eram da equipe de enfermagem (3 enfermeiros e 6 técnicos de enfermagem), outros 37,5% (n=9) eram da equipe médica (7 obstetras e 2 pediatras) e 25% (n=6) os demais profissionais da saúde envolvidos na atenção ao parto (3 fisioterapeutas, 2 psicólogas e 1 assistente social). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CAAE - 56342016.5.0000.5188). O material produzido foi submetido à análise de conteúdo temática. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: As idades do grupo entrevistado variaram entre 26 e 65 anos (média = 43,3 anos; dp = 13,8 anos). Todas as profissionais eram do sexo feminino. O tempo médio de formação dessas profissionais foi de 17,6 anos (dp = 14,2 anos). A categoria com maior tempo de formação foi a equipe médica, com 35,1 anos. Segundo as profissionais entrevistadas, podem ser identificadas três dimensões de cuidado na atuação das doulas na maternidade, sendo que cada uma delas dispara tensões com diferentes personagens envolvidas no cenário do parto. A primeira diz respeito ao suporte emocional oferecido pela doula, o que despertou tensões com as psicólogas, que buscam demarcar a diferença de seu papel, apontando que a função da doula não pode ser entendida como apoio psicológico. Para elas, cabe às doulas um cuidado afetuoso, sem uma metodologia específica e cuja intervenção não busca alcançar um objetivo clínico determinado. A segunda dimensão do cuidado atribuída às doulas diz respeito ao suporte físico. Nesta, a doula produz tensionamentos com a fisioterapia, na execução de exercícios, especialmente naqueles com uso da bola suíça e do balanço pélvico para parto (tipo ‘cavalinho’), que, para as fisioterapeutas, seriam atribuições inerentes a sua categoria profissional. A terceira dimensão da assistência seria o suporte de informações para a parturiente através do qual a doula deve orientar como ocorre o trabalho de parto normal, evidenciando a fisiologia dos eventos vividos. Segundo as entrevistadas, essa informação não deveria ser passada no sentido de empoderar a parturiente para tomada de decisão, como aponta a literatura no tocante às funções da doula, mas, sim, no sentido de docilizá-la frente às intervenções biomédicas. Para quem atua constantemente no pré-parto, especialmente para a equipe de enfermagem, há uma carência de profissionais para estar junto às gestantes, justificando a presença de doulas. A equipe de enfermagem reconheceu a importância do suporte dado por elas, inclusive salientaram que essa dimensão do cuidado também é uma função da enfermagem, mas que, por conta da sobrecarga de trabalho em atividades técnicas, elas não podem dedicar-se exclusivamente a uma gestante como as doulas fazem. Em oposição ao que foi apresentado pela enfermagem, para as profissionais, especialmente as médicas obstetras e pediatras, que atuam somente na cena do parto, que via de regra ocorre no bloco cirúrgico ou na sala de parto, a maternidade enfrenta um excesso de pessoas. Tal realidade nos leva a crer que o cerne do problema é que se negligencia o processo (partejar) em detrimento do desfecho (parto), pois, ao passo que se encontram mulheres sozinhas no pré-parto, na hora do nascimento, há um grande contingente de pessoas, o que não representa necessariamente melhoria na assistência. O cuidado não confidencial faz parte do arsenal da violência obstétrica, o que está relacionado com pior satisfação da parturiente à assistência prestada, sobretudo quando os profissionais não agem de forma coesa. Percebeu-se, ainda, uma necessidade de marcar a distinção entre o saber/fazer do profissional de saúde dotado de cientificidade e respaldado por anos de estudo, do saber/fazer da doula, marcado por um caráter subjetivo, intuitivo, não técnico e, portanto, “substituível”, e, por vezes, “dispensável”. Houve, portanto, uma intensa polarização entre cuidado (humanizado) e assistência técnica. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Ao analisarmos a relação das doulas com as diferentes categorias profissionais, percebe-se que a gênese destas tensões vai muito além da presença de um “novo” sujeito na cena do parto. A realidade local reflete a atual conjuntura obstétrica brasileira, permeada por disputas entre diferentes modelos de assistência e por espaço de atuação. Dessa forma, seria aceitável para os profissionais se essa “nova” personagem não colocasse em xeque saberes e práticas consolidadas na obstetrícia tradicional. Ao passo que os profissionais afirmam que elas não têm qualificação técnica para discutir condutas ou questionar práticas, corroboram a necessidade de manterem-se leigas e afastadas do conhecimento científico que os compete. Esse cenário desperta para a necessidade de repensarmos a assistência obstétrica, desde a formação dos profissionais, para que seja possível um cuidado compartilhado e solidário, centrado na mulher, que rompa com os limites de práticas privativas desta ou daquela profissão.


Palavras-chave


Doulas; Assistência ao Parto; Trabalho em saúde