Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Intercâmbio em Saúde Mental com ênfase na Reabilitação Psicossocial em Barbacena/MG: Refletindo sobre a experiência a partir de uma leitura etnográfica.
Nayandra Stéphanie Souza Barbosa

Última alteração: 2017-12-21

Resumo


Apresentação: Atendendo ao edital do Ministério da Saúde que tinha como intuito apoiar financeiramente municípios que desenvolvem projetos de Educação Permanente para profissionais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), a Gerência de Atenção Psicossocial do Amazonas elaborou um projeto estruturando uma ação de intercâmbio para profissionais da RAPS como proposta de trocas de experiências e ampliação das possibilidades de intervenção a partir da convivência com outras realidades. No Amazonas (AM), o projeto foi contemplado a participar do “Percurso Formativo” na linha de ação em Reabilitação Psicossocial, visto que ainda se encontra em processo de implantação de novos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico. Por outro lado, Barbacena (MG), campo em que se desenvolveu a experiência de intercâmbio, tem empreendido iniciativas de ordens técnicas e políticas traduzidas no desenvolvimento de uma nova realidade em torno da “loucura”. Essas mudanças referem-se à política, aos paradigmas, aos serviços, à capacitação de pessoas, aos modos de atenção à saúde mental e à relação da sociedade com o “louco”. Ressalta-se ainda que os serviços residenciais, que são 32 em Barbacena, delineiam-se como um projeto avançado no processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil, sobretudo por ser um dispositivo em saúde mental situado entre a assistência e a moradia. Assim, tendo em vista que o relato etnográfico toma forma de narrativa, a qual se caracteriza como uma longa história onde a meta principal é reproduzir para o leitor a experiência de interação e vivência em uma determinada comunidade, o presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a experiência do Intercâmbio em Saúde Mental com ênfase em Reabilitação Psicossocial realizado no período de 22/02 a 22/03/2015 no município de Barbacena (MG), buscando articular tal experiência com os conhecimentos adquiridos durante o curso de Antropologia Aplicada e Etnografia da Intervenção, como forma de identificar as contribuições do campo etnográfico na reflexão desta narrativa específica.

Desenvolvimento do trabalho: O “Percurso Formativo” organizou-se em 10 módulos de formação na rede receptora (Barbacena-MG) com a participação mensal de 10 profissionais diferentes em cada um destes módulos, vindos de 5 redes visitantes (2 de cada estado contemplado pelo edital do Ministério da Saúde). Quanto à metodologia, o projeto propôs uma prática profissional de 160 horas no território da rede receptora e posterior realização de oficinas de integração no território das redes visitantes. Ressalta-se que a narrativa da experiência que proponho refletir neste trabalho foi vivenciada na 6ª turma do intercâmbio. As atividades desenvolvidas foram diversificadas, proporcionando um olhar ampliado da rede de saúde mental do município de Barbacena. Primeiramente conhecemos a história da cidade e o trabalho realizado pela FHEMIG e Hospital-Dia AD, já nas semanas seguintes nos foi oportunizado acompanhar de forma prática o cotidiano dos seguintes serviços: CAPS III, CAPS AD III, Consultório na rua e Centro de convivência Bom Pastor. Além destas atividades, visitamos as residências terapêuticas e conhecemos o processo de planejamento e funcionamento da dinâmica das casas. A imersão gradativa no campo proporcionou uma vivência ativa devido à natureza do próprio intercâmbio, sobretudo por possibilitar esse encontro entre profissionais, usuários, família e suas demandas, histórias de vida e projetos terapêuticos. Por fim, tivemos riquíssimos momentos de discussões teórico-práticas, apresentação de trabalhos científicos e a realização de diversas rodas de conversas sobre temáticas afins.

Resultados e/ou impactos: Por se tratar de um relato em que proponho refletir sobre a experiência do intercâmbio, inicio esta narrativa pela percepção em ter adotado condutas de caráter etnográfico durante minha experiência no cotidiano do percurso formativo, as quais foram ganhando sentido a partir do meu contato com o curso supracitado, a exemplo: aspectos de uma intervenção “mínima”, da observação participante e a imersão no campo; a tentativa de compreensão do cotidiano dos serviços, aspectos sócio-histórico-culturais que permeiam as opiniões, representações e práticas daqueles que ali transitam; a percepção de diálogos e não ditos, podendo ainda citar a superação do mito da neutralidade, visto que fui afetada em muitos aspectos, inclusive dando-me a possibilidade de rever conceitos e práticas no meu próprio “fazer”, tudo isso sendo passível de reflexão a partir das anotações de minhas impressões, as quais buscava realizar ao fim de cada dia, podendo fazer uma analogia com as notas de campo que se usam nas pesquisas etnográficas. Nesse sentido, tanto as atividades realizadas, como as compartilhadas pelos colegas do intercâmbio contribuíram de maneira significativa em minha formação profissional, deixando-me uma responsabilidade enorme para com o meu município, o qual vem enfrentando dificuldades no campo da saúde mental. Durante o intercâmbio também tivemos a possibilidade de apresentar a realidade de nossa cidade no que tange aos serviços da rede de atenção psicossocial – RAPS. Na oportunidade, foi apresentada a rede a partir do meu olhar enquanto profissional da saúde mental, ressaltando-se as dificuldades enfrentadas no cotidiano dos serviços, principalmente quanto ao número reduzido de serviços substitutivos em Manaus, a superlotação dos CAPS e a falta de articulação com a rede de maneira efetiva, evidenciando correlações entre estas problemáticas e ocasionando um constante ciclo de não resolutividade da maioria dos casos. No entanto, o intercâmbio proporcionou a vivência real e efetiva de que a saúde mental pode ser diferente! Que é possível reescrevermos nossa história, ainda que em algum momento de nosso percurso histórico carreguemos experiências trágicas, negativas e perversas para com sujeitos que buscaram ajuda e só tiveram suas cidadanias negadas.

Considerações finais: O intercâmbio foi uma experiência incrível, enriquecedora e intensa, pois além de alcançar o objetivo proposto, proporcionou vivências únicas, fazendo-me a continuar acreditando na potencialidade das práticas antimanicomiais, nas possibilidades de mudança, na transformação social, no resgate de subjetividades e de vida. O intercâmbio proporcionou-me o ânimo, motivação, estímulo e força para continuar caminhando em prol de uma saúde mental comprometida e ética, em que o respeito, o afeto e a esperança são nossos combustíveis. Sem dúvida, a maior relevância do intercâmbio para o trabalho que realizo estar nas palavras cheias de autonomia, empoderamento e gratidão daqueles que cresceram dentro dos muros de uma instituição total e hoje são memórias vivas de que com o tempo e “no seu tempo”, aprenderam a viver fora dos muros institucionais e, sobretudo, a tirar a instituição e os muros de dentro de si. Falas e gestos que emanam o maior tesouro de nossas vidas: liberdade. Dentre as principais potencialidades do intercâmbio, destaco o engajamento dos profissionais envolvidos no projeto e na sua prática cotidiana, emanando compromisso, respeito e ética, demonstrando in loco que é possível rescrever uma história de saúde mental que faça a diferença e que resgata subjetividades e cidadania. Outro potencial identificado foi a participação ativa de usuários dos serviços nos dias de encontro coletivos, enriquecendo as discussões com suas próprias vivências e exalando liberdade em suas várias formas, ensinando-nos muito sobre reabilitação, transformação e vida. Por fim, a organização do intercâmbio também pode ser vista como uma potencialidade, uma vez que proporcionou um tempo para cada um dos pontos da rede de serviços, tendo o cuidado de não se tornar desgastante ou repetitivo, disponibilizando desde o primeiro encontro o planejamento das atividades e seus respectivos locais, restaurantes e demais serviços necessários.

Palavras-chave


Saúde Mental; Reabilitação Psicossocial; Educação Permanente; Intercâmbio.