Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
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A Residência Integrada em Saúde como iniciativa potente de atuação interprofissional no âmbito do Sistema Único de Saúde
Última alteração: 2018-01-26
Resumo
As experiências de interprofissionalidade e interdisciplinaridade são bem-vindas na assistência à saúde, de forma a construir práticas que articulam a promoção, prevenção, cura e reabilitação. A interdisciplinaridade pressupõe o diálogo entre duas ou mais disciplinas que tem como síntese um conhecimento mais abrangente, diversificado e unificado. Para tanto, além do saber de suas áreas, os profissionais necessitam ter a habilidade de reconhecer situações interdisciplinares e uma atitude empática, de respeito às diferenças e de liderança para pactuar com os demais trabalhadores ações e estratégias em determinada situação. No tocante à saúde da criança e do adolescente, a assistência deve ser conformada em uma rede única integrada que produza estratégias sanitárias com o objetivo de reduzir a morbimortalidade, promover e reabilitar a saúde e prevenir agravos. O Hospital Infantil Albert Sabin-HIAS é um hospital infantil terciário de referência no Ceará que acolhe a demanda relacionada a doenças graves, raras e de alta complexidade de todos os municípios do estado e de estados vizinhos da região Nordeste e, excepcionalmente, da região Norte do país. Em 2014, o HIAS aderiu ao programa de Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará-RIS-ESP-CE, iniciando a primeira turma da ênfase em Pediatria, contemplando 18 residentes de 8 categorias profissionais: enfermagem, farmácia, fisioterapia, nutrição, odontologia, psicologia, terapia ocupacional e serviço social. As residências em saúde baseiam-se em uma formação crítica e comprometida com as necessidades da população. A atuação em um programa multiprofissional de Pediatria, desta forma, suscitou questões sobre uma formação que possibilitasse o compartilhamento e a criação de saberes através do contato e atuação com as diversas categorias profissionais da saúde. Deste modo, este trabalho propõe-se a explicitar a experiência de atuação em um programa de residência em saúde, destacando a potencialidade desta na construção de uma atuação interprofisisonal implicada e transformadora. Na inserção dos residentes no referido hospital, foi realizado um processo de territorialização, através da observação dos fatores internos e externos que influenciavam o cotidiano do trabalho, objetivando refletir e construir conhecimento sobre a práxis de cada núcleo profissional e das equipes interdisciplinares. Também foi um momento oportuno para conhecer as potencialidades do HIAS, assim como suas fragilidades e seu papel dentro da rede de assistência pública à saúde da criança e do adolescente. A partir da territorialização, as agendas de trabalho foram construídas objetivando a manutenção de algumas atividades já idealizadas e a criação de novas práticas de acordo com as necessidades de saúde da população. A experiência de ser residente em uma equipe composta por diversas categorias profisisonais exigiu dos residentes uma compreensão do que vem a ser o trabalho interprofissional e de qual o papel de cada profissão nesse contexto. Essa situação demandou dos residentes uma reflexão sobre o modo de formação centrado na profissão, modelo aprendido na maioria das graduações, uma resistência à posição de disputa de forças entre os saberes e fazeres de cada profissão e uma compreensão do que significa trabalhar de forma interdisciplinar. Nesse processo, aconteceram oposições por parte alguns residentes em participar de atividades compartilhadas, como: conduzir um grupo operativo e/ou terapêutico, orientar pacientes e cuidadores durante a realização de uma atividade de sala de espera ou, ainda, orientar e mediar a garantia de direitos da criança e do adolescente hospitalizados, por considerarem que essas atribuições eram especificas de determinada profissão. No entanto, apesar das dificuldades, foram realizadas ações que contemplaram a atuação interprofissional. Dentre as atividades executadas pelos residentes, impulsionando um trabalho interdisciplinar e inovador, o Projeto Terapêutico Singular-PTS foi trazido para ser aplicado nos cenários de atuação da Residência. Além da prática do PTS, o coletivo de residentes realizou atividades em grupo com os pacientes e cuidadores com o objetivo de proporcionar momentos de integração e troca de experiências, além de auxiliar na expressão dos sentimentos como forma de falar de si e da sua relação com seu processo de hospitalização e seus efeitos. A ocorrência de grupos acontecia de maneira frequente e se dava de diversas formas: grupos terapêuticos, grupos explicativos sobre determinada patologia, grupos de preparação pré-cirúrgica e grupos de sala de espera, sendo eles educativos, terapêuticos ou reabilitadores. Tais formatos dependiam do objetivo da intervenção e do público alvo; e buscavam tomar os sujeitos como protagonistas dos seus processos de saúde, além de fomentar a prática interprofissional nos serviços de saúde. Nos encontros dos grupos eram trabalhadas temáticas de educação em saúde e reforçadas práticas de autocuidado e empoderamento dos usuários, bem como propiciado momento de escuta e de criação de uma rede de apoio mútuo, além de fomentar espaços de desospitalização. Nesse sentido, compreende-se que a execução dos grupos trouxe uma mudança na concepção tradicional do hospital, que muitas vezes é concebido como espaço exclusivo de cura e de reabilitação de doenças, não havendo espaço para a promoção da saúde e para cuidados com a saúde mental. As ações realizadas impulsionaram a descentralização do foco curativo e inaugurou uma nova demanda entre os usuários, que passaram a exigir que as atividades fossem incluídas na rotina semanal de cada setor. Outra atividade pensada e construída coletivamente entre os residentes foi a visita multiprofissional ao leito. As unidades realizavam rotineiramente a visita, porém de forma uniprofissional. A visita multiprofissional ao leito foi pensada na perspectiva de conhecer o usuário para além da doença que o levou a procurar o serviço, não de forma a excluir a necessidade de tratamento ao agravo presente e de intervenções específicas e inerentes a uma determinada categoria profissional, os quais foram também devidamente contempladas durante a visita, mas de ampliar as possibilidades de cuidado ao elucidar e investigar os diversos aspectos que permeiam o processo de saúde-doença e que são determinantes na condição do sujeito. A visita, portanto, possibilitou além de um melhor diálogo entre os residentes e os profissionais do próprio serviço, um olhar mais holístico frente às necessidades observadas e o direito de escuta e de coparticipação dos usuários em seu cuidado. Aponta-se, ademais, que o aprendizado dos residentes com o trabalho interprofissional no cotidiano do trabalho do hospital pediátrico deu-se de forma coletiva. Os residentes organizaram um curso em que eles próprios eram os facilitadores da aprendizagem dos demais residentes, abordando temas pertinentes à prática cotidiana. Além disso, o currículo proposto pela residência contemplava momentos para realização de discussões acerca das fragilidades e dificuldades encontradas no trabalho interprofissional e do papel de cada categoria nesse processo. Nesse sentido, a educação permanente foi uma forma de valorizar os diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde e promover o aprendizado no trabalho. Espera-se que a explanação das ações realizadas pelos residentes possa contribuir para a compreensão de que a inserção de profissionais residentes em serviços de saúde extrapola a simples ideia de agregar força de trabalho como benefício para as instituições ou de uma formação de especialista em uma área técnica. Para além disso, a entrada destes nos serviços-escola possibilita a execução de atividades que envolvem o saber científico e o saber dos sujeitos que ali são atendidos, construindo práticas coletivas e interprofissionais no campo da saúde que superam o fazer profissional mecanicista e a rotina engessada e burocratizada das instituições públicas de saúde.
Palavras-chave
Residência; Interdisciplinaridade; Pediatria.