Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Representações Sociais de Estudantes de Medicina a partir das mudanças na formação introduzidas pelo Programa Mais Médicos
Felipe Proenço de Oliveira, Leonor Maria Pacheco Santos

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


Introdução

São recorrentes as análises e relatos de que a formação médica não está voltada para as necessidades sociais e, portanto não consegue corresponder ao que é preconizado para o Sistema Único de Saúde (SUS). Ao observar a atitude do estudante de medicina no Brasil, Feuerwerker critica o modelo pedagógico da graduação e as dificuldades de estabelecer atividades práticas que reflitam a realidade do sistema de saúde, descrevendo que “quase ninguém examina, nem conversa, nem se responsabiliza pelos pacientes, esse é o modelo de prática que tem sido oferecido aos estudantes”.

A necessidade de mudanças na formação em saúde no Brasil foi motivação para uma série de ações governamentais nos últimos anos. A iniciativa de maior abrangência nessa área, contemplando aspectos regulatórios e normativos, foi o Programa Mais Médicos (PMM). Para a mudança da formação médica o PMM propôs reordenar a oferta de cursos de medicina e de vagas de residência médica; estabelecer novos parâmetros para a formação médica no Brasil; e promover aperfeiçoamento de médicos na área da atenção básica através de iniciativas de integração ensino-serviço. Como reflexo dessa orientação foram publicadas novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de medicina.

As novas DCN tem como principal eixo a aproximação do processo de formação com as necessidades de saúde da população e ao modo de organização do SUS. Tradicionalmente, Instituições de Ensino Superior não compatibilizavam os currículos acadêmicos com as DCN, comprometendo a inserção de novos profissionais no sistema público de saúde. Somente a partir da promulgação da Lei do Mais Médicos a adoção das DCN tornou-se obrigatória.

Busca-se neste trabalho analisar como os estudantes de medicina estão percebendo essas modificações e compreendendo a importância na sua formação (vislumbrando a futura prática profissional) da temática sobre o trabalho na atenção básica. Para tanto interessou estudar as representações sociais dos estudantes de medicina, em cursos “tradicionais” que formam médicos há décadas e cursos “novos” criados em iniciativas potencializadas pelo PMM.

 

Desenvolvimento

Trata-se de um estudo exploratório de metodologia qualitativa, na busca de  compreender o significado e a intencionalidade de forma inerente aos atos, às relações e às estruturas sociais. Desse modo, trabalhou-se um universo de significados, aspirações, sentimentos, crenças e valores. Trabalhou-se, portanto, com a compreensão das representações sociais dos estudantes de medicina em determinadas IFES da Região Nordeste.

As representações sociais são elementos simbólicos que os homens expressam mediante o uso das palavras e gestos. Também podem ser definidas como mensagens mediadas pela linguagem, construídas socialmente e, necessariamente, ancoradas no âmbito do contexto do indivíduo que as emite. Enquanto se cria a representação de um objeto, também o sujeito se constitui. Quando o sujeito expressa uma opinião sobre um objeto, supõe-se a contribuição para a elaboração de uma representação.

Com vistas a exequibilidade da  pesquisa, foram estudados quatro cursos de medicina de IFES da Região Nordeste, sendo dois criados antes da década de 60 (grupo “tradicional”) e dois criados no ano de 2014 (grupo “novo”). Foram convidados a participar da pesquisa todos os estudantes do sétimo semestre desses cursos entre os meses de julho e setembro de 2017. Entre os 198 estudantes matriculados no sétimo semestre desses cursos, 159 compareceram na aula no dia da aplicação do instrumento, dos quais 149 aceitaram participar voluntariamente do estudo, sendo 68 dos cursos “tradicionais” e 81 dos cursos “novos”. Em um primeiro momento os participantes responderam um questionário sociodemográfico, baseado em perguntas do ENADE. No segundo momento preencheram um roteiro de evocação livre, onde citavam três palavras que lhe ocorressem imediatamente em relação ao termo “trabalho em atenção básica”. Em seguida, os estudantes enumeraram em ordem de importância as palavras ou expressões escritas para a hierarquização dos itens. O perfil dos participantes foi analisado em Excel e as palavras citadas no roteiro de evocação livre foram analisadas com o auxílio do software Iramuteq. A pesquisa foi aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa.

 

Resultados

Em ambos os grupos, ou seja, tanto no núcleo central dos estudantes dos cursos “tradicionais” como dos cursos “novos”, o termo mais destacado é a prevenção, o que indica o reconhecimento, por parte dos estudantes, da atenção básica como o lócus para essa forma de cuidado. Em estudo realizado nacionalmente no âmbito da Saúde da Família, constatou-se que a maior parte dos profissionais refere desenvolver atividades de prevenção, mas principalmente entre os médicos foi baixa a proporção de quem realizou, o que evidencia a distância entre o que é preconizado e o que é desenvolvido na atenção básica. Além disso, esse resultado sugere a incorporação ao longo da graduação de uma visão baseada no modelo médico-privatista que não considera a capacidade de resolução da atenção básica. Esse olhar tende a ser reforçado ao longo do curso de medicina em que há uma fragmentação da formação pelo olhar das especialidades

Considerando o núcleo central, destaca-se no grupo de escolas “novas” a presença de termos como “vínculo” e “responsabilidade”. Sugere-se que exercitar o vínculo e a responsabilidade seja mais viável em currículos que propiciam um contato maior e mais frequente do estudante com a atenção básica. Muitas vezes nos currículos tradicionais o estudante tem contatos pontuais com as pessoas em que participa do atendimento e geralmente não consegue observar o desfecho das ações propostas para o usuário em virtude da rotina de troca de estágios. Diferentemente de currículos tradicionais, nos currículos novos os estudantes participam do cuidado ao longo do tempo de pessoas e famílias, se co-responsabilizando pelo seu acompanhamento pelo período mínimo de um semestre. Desse modo podem vivenciar intensamente a responsabilização pelas pessoas e elaborar uma representação mais significativa sobre esse tema. É nesse contexto inclusive que pressupõe-se que a inserção dos estudantes nas equipes de saúde da família pode melhorar a qualidade da assistência a saúde das pessoas do território onde estão.

Ademais, na análise da primeira periferia dos cursos “novos” aparecem os termos “comunidade” e “cuidado”. A maior vivência na atenção básica possibilitada pelos currículos “novos” parece ser decisiva para as representações sociais dos estudantes. O cuidado pode ser visto sob a perspectiva emancipatória, explicitando as relações de poder existentes no processo de trabalho em saúde e contribuindo, portanto, para a autonomia das pessoas que procuram os serviços de saúde. Essa perspectiva está em consonância com as competências da dimensão de atenção à saúde dispostas nas DCN de 2014 onde valoriza-se não só os desejos e interesses dos usuários do SUS bem como se estimula a autonomia intelectual do educando.

 

Conclusão

A política regulatória disposta na Lei 12.871 pode trazer novas perspectivas para a formação médica, pelo menos no âmbito das representações sociais sobre o trabalho na atenção básica. Faz-se necessário observar como essas experiências se comportarão nos mecanismos de avaliação, de âmbito institucional ou processual, propostos no Mais Médicos, para que sejam possíveis novas conclusões sobre o tema.

Espera-se que exemplos como os analisados aqui, que apontam o potencial das escolas novas estimularem representações sociais dos estudantes de medicina mais próximas das necessidades do sistema de saúde, possam ser multiplicados e aprofundados na radicalidade necessária para o fortalecimento do SUS. Mesmo em um contexto de retrocessos, fica a percepção de que é possível transformar a formação médica.


Palavras-chave


Programas Mais Médicos, Educação Médica, Atenção Básica, Atenção Primária, Diretrizes Curriculares.