Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Interação comunidade - Instituição: reflexões a partir do Instituto Federal do Rio Grande do Sul no bairro Restinga em Porto Alegre, RS
MAURICIO POLIDORO

Última alteração: 2018-01-21

Resumo


O trabalho tem como principal objetivo expor e debater os resultados oriundos do programa de extensão “Observatório da Comunidade”, vinculado ao Campus Restinga (Porto Alegre) do Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Iniciado em 2015, o programa possui como princípio norteador a execução de estratégias de aproximação da Instituição com a comunidade do bairro Restinga em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Graduação e Pós-Graduação em Saúde Coletiva) e Secretaria Municipal de Saúde. O bairro, construído nos tempos áureos do urbanismo higienista da primeira década do golpe civil militar em Porto Alegre, materializou a cidade na sua divisão dicotômica de centro e periferia. Distante 30km do centro histórico da capital, o bairro Restinga possui, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) 60.729 habitantes sendo que, deste total, aproximadamente 50% se autodeclararam negros, posicionando o bairro como o segundo com o maior contingente de população não-branca da capital. Tal número, entretanto, é incessantemente contestado pelas lideranças locais que criticam a metodologia do IBGE que não enxerga a “cidade invisível”. Tais atores alegam que, segundo suas próprias pesquisas, a população do bairro ultrapassaria 100 mil habitantes. As dinâmicas das ocupações irregulares que se materializam diariamente na paisagem estritamente urbana do bairro, uma ilha no cinturão verde no extremo sul de Porto Alegre, trazem a verificação inequívoca da percepção dos residentes, uma vez que o fluxo populacional tem atingido números cada vez maiores, em especial devido aos territórios de tensão existentes na metrópole, que expelem os habitantes que vivem nos morros mais próximos do centro, a partir da dinâmica de facções criminosas. A Restinga, nome este compreendido à luz da geografia como uma paisagem encontrada tipicamente em regiões litorâneas, de solo arenoso e altamente dependente da vegetação para o escoamento das águas, defronta-se com os impactos da urbanização sem limites, desde o seu surgimento, na década de 1960. A construção do primeiro conjunto habitacional, modelo reproduzido depois em diversas cidades brasileiras pelo Banco Nacional de Habitação, trouxe uma divisão ao bairro: a Restinga Nova e a Restinga Velha. Enquanto a primeira, qualificada pela chancela do planejamento urbano, remete a construções com condições urbanísticas mínimas, a “Velha” se (auto)constrói cotidianamente: através de manifestações de grupos (com modelos de autogestão, parcelamento e distribuição do solo) ou pela ocupação aleatória de novas famílias que chegam e encontram, a disposição no comércio local, kits prontos de até R$ 600,00 para iniciar uma habitação. As recentes e constantes variações climáticas que o sul do Brasil tem enfrentado aliadas ao processo acelerado de redução da presença do Estado em áreas de vulnerabilidade socioeconômica e ambiental, tem agravado o cenário da Restinga. Nessa perspectiva, a atuação do IFRS, UFRGS e SMS/PMPOA tem se direcionado no sentido de debater, refletir e propor ações na garantia dos direitos fundamentais garantidos na Carta Magna. Neste sentido, tem efetuado diversos encontros periódicos ou eventos temáticos ligados a assuntos que transversalizam o cotidiano da comunidade local. Em 2017, destaca-se o lançamento do sítio eletrônico Observatório da Comunidade e duas exposições artísticas. O site (https://observatorio.restinga.ifrs.edu.br/) traz diversas informações e dados relacionados a Restinga, a saber: a produção acadêmica, as notícias, infográficos, fotografias e vídeos. Com o levantamento histórico em base de periódicos e portais de monografias, dissertações e teses em Instituições de Ensino Superior do Rio Grande do Sul foi possível identificar 152 registros de produção acadêmica. Nota-se uma concentração expressiva de obras nas Ciências Humanas (34%) e nas Ciências Exatas e da Terra (24%), enquanto as Engenharias somam apenas um projeto aplicado ao bairro Restinga.  É relevante trazer à baila o fato do bairro Restinga despontar, em Porto Alegre, com os piores indicadores relacionados à saúde: enquanto a média da mortalidade infantil na capital gaúcha é de 10,59 a Restinga atinge 21,11, sendo o mais alto entre todos os bairros. O indicador de pré-natal adequado, considerado aquele em que as mães, ao longo da gestação, realizaram 7 ou mais consultas, tem na Restinga o pior indicador: apenas 59% lograram tal objetivo diante de uma média municipal de 70%. A realidade, interpretada à luz de dados estatísticos do ObservaPoA (2010), reafirma a condição de vulnerabilidade do bairro que, embora o terceiro em número absoluto de população da capital, não possui nenhum equipamento de cultura e lazer (ObservaPoA, 2016). O homicídio juvenil masculino negro desponta como o maior do município (só em 2012, 11 jovens foram mortos) enquanto o feminicídio coloca a Restinga em terceiro lugar no ranking, atrás de outros dois bairros periféricos da metrópole. Outra seção do sítio eletrônico remete ao levantamento sistemático de notícias nos principais meios de comunicação impressos e digital de Porto Alegre. É relevante o fato de apenas um terço das manchetes dos jornais locais não remeterem à assuntos que envolvam a criminalidade, o tráfico de drogas e os homicídios. Tal panorama reafirma a indução de uma periferia estereotipada, associada cotidianamente à violência, o que faz sufocar muitas vezes a possibilidade de fazer emergir ou ter destaque outras produções e relações positivas do bairro, como às iniciativas locais relacionadas à saúde, ao esporte e lazer e a educação. Ainda no sítio eletrônico do Observatório da Comunidade, fotografias e vídeos elaborados no âmbito do projeto, que promovem a disseminação de imagens para além do estereotipo hegemônico da periferia “violenta” foram produzidos. As fotografias, por sua vez, foram utilizadas na realização de duas exposições. A primeira, em maio de 2017, foi dedicada às mulheres da Restinga. Em cada fotografia, solicitou-se às mulheres para que expressassem o que é ser mulher na Restinga. O material foi impresso em papel FOAM fosco, tamanho A3, e, após o final da exposição, os retratos foram doados às mulheres, ação esta que gerou comoção na equipe do projeto, já que muitas mulheres nunca tinham visto o próprio rosto impresso ou outras que nunca haviam tocado em fotografias grandes. A segunda exposição, ocorrida em novembro de 2017, em homenagem aos 50 anos do bairro, propôs uma reorganização do olhar para a paisagem das residências do bairro. Assim, a partir das fotografias, procedeu-se a alterações digitais baseadas na arte fractal, de modo a fazer refletir sobre as dicotomias impostas na sociedade operada pela lógica binária. Os materiais foram impressos em PVC 2mX1m e justapostos nos muros do Campus, próximo a Comunidade Vida Nova, uma invasão de terras iniciada em 2015. A exposição do material e sua qualidade do lado de fora do Campus trouxe importantes significados para o projeto, seja a reação negativa da comunidade acadêmica que criticou o fato das placas não estarem dentro da Instituição ou pelas aproximações dos residentes da Ocupação que, antes da exposição, usualmente utilizavam a calçada mais distante do Campus, passando a caminhar pelas proximidades da Instituição. Os catálogos das exposições foram publicados com registro na Biblioteca Nacional e estão disponíveis na internet. Em suma, espera-se que a exibição dos principais resultados do programa de extensão em tela proporcione um debate sobre as possibilidades de ações das Instituições de Ensino no contexto geográfico que se encontram, vislumbrando a possibilidade de criação de redes e compartilhamento de experiências em outros locais do Brasil.


Palavras-chave


extensão, dialogicidade, interação, comunidade