Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A arte de partejar na Amazônia: conhecimento e práticas populares de parteiras
Aline Mariana Silva Cândido, JOSE PAULO GUEDES SAINT CLAIR, Bianca Gomes Wanderley, Flávio Souza Melo, Fabiana Mânica Martins

Última alteração: 2018-01-15

Resumo


APRESENTAÇÃO: Por muito tempo, o partejamento foi considerado uma atividade exclusivamente feminina, tradicionalmente realizada pelas parteiras, que cuidavam da mãe e dos recém-nascidos. Apesar de ser uma atividade milenar, ela vem perdendo espaço, com a atual supervalorização médica. Porém é uma atividade de suma e essencial importância em muitos locais, logo o seu estudo é necessário e não deve ser banalizado. No Brasil, ocorrem cerca de um milhão e duzentos mil nascimentos por ano e deste número, cerca de 20%, o que representa duzentos e quarenta mil, nascem com ajuda de parteiras em partos domiciliares. Existe uma grande necessidade de investigação afim de conhecer e descrever quem são essas mulheres que partejam no Amazonas, bem como a relevância e reconhecimento de suas práticas no âmbito do Sistema Único de Saúde/SUS, por meio das publicações que existem acerca do conhecimento tradicional sobre esse universo com vistas ao reconhecimento dos saberes e da promoção da qualidade da assistência obstétrica e neonatal. Sendo assim, o objetivo deste estudo é, primeiramente, analisar o banco de dados existente na Secretaria Estadual de Saúde (SUSAM) acerca das Parteiras do Amazonas levando em conta as Regiões de Saúde, características dessas mulheres, tanto com relação ao ato de partejar, quanto às características pessoais. Além disso, levantar uma produção acadêmica científica sobre as Parteiras Tradicionais na Amazônia. DESENVOLVIMENTO: A pesquisa é de cunho bibliográfico e epidemiológico a partir  de dados secundários sobre as parteiras. Esta pesquisa faz parte de um grande projeto intitulado “Redes Vivas e práticas populares de saúde: conhecimento tradicional das parteiras e a rede cegonha no Estado do Amazonas”, que está sendo desenvolvido em parceria com a SUSAM, Municípios das Regiões de Saúde e o Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia – LAHPSA/FIOCRUZ Amazonas. Possui aprovação do comitê de ética com número do Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos (CAAE) 62081516000000005. Desta forma, foi feito um levantamento bibliográfico sobre as parteiras na Amazônia, no Estado do Amazonas e em específico de Manaus; além de um levantamento mais geral das produções no Brasil. Em um segundo momento, fizemos uma busca ativa no banco de dados físico existente na SUSAM para conhecer quem são as mulheres parteiras do Amazonas e em específico de Manaus. Os dados foram tabulados em planilha Excel e um perfil foi traçado, sendo possível assim, reconhecê-las, identificá-las e torná-las conhecidas através de nossas produções acadêmicas.  A pesquisa engloba os municípios das Regiões de Saúde e os sujeitos da pesquisa foram prioritariamente as parteiras que estão representadas em todos os contextos, sendo as tradicionais, hospitalares ou “de posto”. Os critérios de inclusão são: auto-atribuição com parteira; reconhecimento pela comunidade; e estar cadastrada no banco da SUSAM. Os critérios de exclusão são: ser indígena; menores de 18 anos. RESULTADOS: Neste trabalho alcançamos uma amostra de 1245 parteiras, de 54 municípios amazonenses. Foram analisados diversos aspectos das parteiras, relacionados ou não ao partejamento. Em relação ao apelido, a minoria (43,37%) das parteiras são conhecidas por seus apelidos, o que poderia ser atribuído a uma possível mudança no seu local de atuação, ao serem cada vez mais inseridas no ambiente hospitalar. Sobre a zona de atuação, a maioria corresponde à zona rural (46,02%), o que está de acordo com a literatura, devido a maioria das parteiras estarem presentes nas comunidades onde moram. Quando estratificadas somente nas duas zonas principais, 67,71 % está na zona rural e 32,29% está na urbana. Quanto à distribuição geográfica das parteiras nas Regiões de Saúde do Amazonas, tivemos valores bastante heterogêneo, devido à grande dimensão do estado do Amazonas, foram analisadas as nove regiões, sendo as duas predominantes a Entorno de Manaus (18,80%), e  Baixo Amazonas (20,56%). Em relação à idade, a maioria das parteiras tem entre 40-60 anos (48,35%), dado que se correlaciona ao tempo de atuação, onde a maioria o faz há mais de 10 anos (49,48%). Sobre a escolaridade, predominam as parteiras alfabetizadas (37,99%), seguidas por analfabetas (28,27%), isto pode refletir as novas políticas educacionais, cada vez mais presentes nas cidades e comunidades do interior do Amazonas, mesmo com inúmeras dificuldades. Dentre as parteiras avaliadas quanto ao estado civil, a maioria é casada (51,33%); e quanto à moradia, a grande maioria é própria (94,86%). Sobre a renda que foi estratificada em número de salários mínimos recebidos, a maioria recebe menos que 1 (um) salário mínimo (44,50%), seguido por 1 (um) salário mínimo (40,88%). E em relação ao recebimento de benefício, a maioria (63,37%) informou não receber. Uma variável importante na presente pesquisa é se as parteiras estão frequentando os cursos de partejamento oferecidos, e foram encontrados os seguintes dados: 27,55% informaram que frequentaram cursos de parteira e assuntos correlatos e 72,45% não o fizeram. Este último dado é alarmante e demonstra a necessidade de oficinas de treinamento e capacitação das parteiras. Quando questionadas se exerciam as atividades de parteira atualmente, 77,91% informou que sim. Em relação à inserção no Sistema Único de Saúde (SUS), a maioria também é Enfeirmeiro/a da ESF (45,64%), seguido por ACS (38,63%). Dado importante, uma vez que estão exercendo ativamente papéis dentro do SUS, com destaque ao de ACS, o que representa que além da atividade de parteira, exercem outras ligadas à saúde da comunidade. Quanto à relação da sua atividade, a maioria é parteira tradicional em domicílio (81,29%), seguido por parteira hospitalar (17,27%) e parteira de posto (1,45%), o que demonstra que ainda é predominante o partejamento como antigamente, em que a parteira vai na casa da grávida e dá todo o suporte, mas que também evidencia a evolução dessa prática se adequando aos moldes mais modernos.  Por fim, quanto à profissão exercida, a maioria é trabalhadora rural (31,89%), seguido por apenas parteira (20,24%). CONCLUSÃO: A relevância de se avaliar o perfil sócio demográfico das parteiras tradicionais na Amazônia está no seu papel social e na importância dos serviços por elas prestados, que vão além da realização do parto. E mesmo que atualmente venha ocorrendo uma redução no número de partos atendidos por parteiras tradicionais, o trabalho das mesmas ainda permanece como um recurso fundamental, principalmente dentro do contexto das populações rurais. E esta é uma realidade ainda muito presente em municípios da região Norte, onde as taxas de partos assistidos por parteiras correspondem às maiores do país. Pelos resultados obtidos em nossa pesquisa conseguimos confirmar isto, pois, como pouca gente deve imaginar, são muito numerosas em todo estado do Amazonas. Entretanto, seu trabalho muitas vezes não é reconhecido pelas instâncias governamentais, resultando na ausência de remuneração e de curso de capacitação, dado bastante preocupante quando se concerne à saude materno-infantil. Outro ponto bastante interessante alcançado na pesquisa é de que a maioria das parteiras avaliadas atua tradicionalmente, porém muitas delas estão inseridas também no Sistema Único de Saúde, principalmente com ACS e ESF, o que nos mostra uma transição no ato de partejar, que vêm se ligando cada vez mais à saúde convencional hospitalar. Experiências como essas no ambiente acadêmico nos enriquece no sentido de termos uma visão mais ampla da saúde do Amazonas e do Brasil. Mostra como a promoção de saúde realmente acontece em alguns lugares, muitas vezes esquecidos pelo poder público, onde essas mulheres tem um papel imprescindível.


Palavras-chave


Assistência ao parto, parteira leiga, humanização, traditional midwife, pregnant woman.