Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-01-25
Resumo
Apresentação
A partir da década de 1990, fortaleceu-se a preocupação com a Educação Permanente em Saúde, gerando discussões e ações do Ministério da Saúde, tendo em vista a necessidade de formar profissionais capazes de atuar na realidade do sistema de saúde público brasileiro. Dentro deste contexto, surgem os programas de Residência Multiprofissional em Saúde. No Ceará, a implementação da Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará de cunho Comunitário é composta pelas residências com ênfase em Saúde da Família e Comunidade, Saúde Mental Coletiva e Saúde Coletiva. As primeiras turmas iniciaram em maio de 2013, sendo que para a ênfase em Saúde Mental Coletiva (RISMC-ESP/CE) foram disponibilizadas 53 vagas. Considerando a necessidade, a importância e a potência da educação para profissões da saúde no contexto da atenção psicossocial, o objetivo do estudo foi compreender os processos históricos, políticos e pedagógicos implicados na implementação da RISMC-ESP/CE nos municípios cearenses de Aracati, Fortaleza, Horizonte e Iguatu.
Desenvolvimento do trabalho
O presente estudo é qualitativo descritivo, exploratório e analítico. Contou com análise documental e entrevistas semiestruturadas como técnicas para a construção das informações e considerações elaboradas. Os municípios cearenses de Aracati, Fortaleza, Horizonte e Iguatu formaram o contexto do estudo. A amostragem intencional foi utilizada, totalizando 34 participantes, a saber: secretários municipais de saúde, coordenadores de saúde mental, articuladores da RISMC-ESP/CE, gerentes dos serviços, preceptores de campo, profissionais dos CAPS que interagiram com os residentes e os residentes. Analisamos as informações através da Análise de Conteúdo Temática, considerando as discussões teóricas e as diretrizes nacionais da atenção psicossocial e da EPS. O estudo seguiu conforme os preceitos éticos da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, contando com o parecer de número 1. 121.574 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará. O estudo é um recorte da dissertação de mestrado “Os reflexos da implementação da Residência Integrada em Saúde Mental Coletiva do Ceará na Atenção Psicossocial” defendida em 22 de fevereiro de 2017.
Resultados
É importe frisar que antes de se tornar programa, a equipe de profissionais da ESP-CE elaborou e submeteu o Projeto das Residências Integradas em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará com uma proposta de estrutura e organização pedagógica das residências integradas em edital publicado pelo Ministério da Saúde no ano de 2011.
Após a aprovação e a garantia de apoio à realização dessa modalidade de educação pelo trabalho, iniciaram-se os processos organizativos de tal iniciativa, culminando na inauguração das primeiras turmas de residentes no ano de 2013, marcando no Estado do Ceará a interiorização das especializações pelo trabalho para profissões de saúde.
Tais processos foram: a seleção dos municípios participantes; a celebração de convênios com os mesmos. Foram 29 convênios firmados entre municípios e hospitais; a criação da Comissão de Residência Multiprofissional (COREMU) responsável pela coordenação e pelo desenvolvimento das residências do programa RIS-ESP/CE; a realização de oficinas de competências profissionais; o planejamento da programação teórico-prática; a seleção e a formação de preceptores; a seleção de profissionais residentes através da publicação de editais.
Chamamos processos, pois a articulação realizada a nível federal, estadual e municipal demandou tempo, lutas, diálogos, mobilização de grupos e constante construção do SUS, afirmando o fato dos processos históricos, políticos e pedagógicos acontecerem dinamicamente, e não isoladamente, dentro do contexto brasileiro.
Consideramos as RMS no Ceará como frutos das iniciativas do Sistema Saúde Escola. Este é um conceito que se configura por uma estratégia para gestão de sistemas públicos de saúde, sendo comprometido com a transformação dos serviços de saúde, integrando os diversos espaços de ensino, pesquisa, educação permanente e desenvolvimento profissional dentro do contexto territorial.
A análise documental do Projeto Político Pedagógico (PPP) demonstra que a instituição a partir das demandas e das necessidades epidemiológicas, sociais e formativas preocupou-se com a formação de profissionais de saúde para atuação no SUS, mais especificamente, no contexto cearense.
O PPP dos programas de residência é organizado por competências do ser, do fazer e do saber dos profissionais que participam dessa experiência. Tais competências foram organizadas através de reuniões e oficinas de planejamento, sendo organizadas em três grupos: ensino-aprendizagem pelo trabalho (prática); ensino-aprendizagem teórico-prática e ensino-aprendizagem teórico-conceitual.
A ênfase estudada foi pensada para formar especialistas nessa área com base nos pressupostos da luta antimanicomial, da Reforma Psiquiátrica brasileira e do SUS, com ênfase na Política Nacional de Saúde Mental, considerando a indissociabilidade entre educação, trabalho e cidadania. A ESP-CE, dentre outras atividades, visitou os municípios para apresentação do programa RIS e elaboração de convênios com os mesmos. A primeira turma funcionou como piloto para desenvolvimento da iniciativa, sendo repensadas e reorganizadas as lacunas para os avanços nas turmas seguintes.
Dentro da inovação da RISMC-ESP/CE temos a focalização na prática, ou seja, no trabalho, mas visando esta em articulação com a teoria, tendo em vista que nesse processo de ensino-aprendizagem-trabalho da EPS a carga horária dentro dos serviços é mais extensa que a carga horária teórica. Esse início e as suas dificuldades por ser algo novo (inovador) apareceram nas falas dos atores sociais entrevistados.
É fato o pioneirismo da RISMC-ESP/CE e as dificuldades iniciais são intrínsecas ao processo de desenvolvimento. Isto aparece de forma compreensiva nos relatos analisados. Diante da possível não compreensão da necessidade de imersão no serviço e da articulação entre teoria e prática, a formação teórica apareceu durante as entrevistas como insuficiente, sendo abordadas fragilidades dentro da mesma pelos atores sociais.
O foco na prática não retira a importância da formação teórica, pelo contrário, teoria e prática são polos distintos, porém interdependentes, não existe essa dissociação, tendo em vista que para uma prática coesa é necessário um embasamento teórico. A ESP-CE organiza módulos específicos e módulos transversais priorizando metodologias ativas para as ênfases que compõem o programa de RIS, módulos estes necessários para o processo formativo dos residentes.
Quanto à formação profissional dos residentes, observamos que as lacunas existentes durante e após a graduação na área de saúde foram preenchidas com a prática adquirida a partir da vivência da Residência. Diante disto, podemos relacionar os depoimentos descontentes sobre a formação teórica a essas lacunas e não à proposta pedagógica da ESP-CE. A referida questão apareceu durante as entrevistas realizadas, mostrando ainda a necessidade de incentivo financeiro e formação pedagógica para os profissionais preceptores envolvidos na realização desse programa de ensino.
Considerações finais
O trabalho em saúde mental com a proposta da RISMC-ESP/CE de fazer com que os residentes conheçam o território de atuação, proporciona uma visão ampla de saúde, uma saúde mental desinstitucionalizada, possibilitando intervenções transformadoras “fora do CAPS”. A partir disto, compreendemos a importância da implementação da RISMC-ESP/CE para o SUS e para a atenção psicossocial, bem como a série de desafios relativos a essa inovação, tendo em vista o início do processo de interiorização da Educação Permanente Interprofissional pelo trabalho em Saúde Mental no Estado do Ceará a partir do ano de 2013, ano da primeira turma de residentes.
Com a implementação da RISMC-ESP/CE os atores sociais da presente pesquisa consideraram esse processo como inovador, mais precisamente, como uma iniciativa capaz de renovar a prática profissional dos profissionais de saúde e a realidade dos serviços da RAPS nos quais os mesmos estiveram imersos.