Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Práticas discursivas no cotidiano e a construção de sentidos sobre o cuidado em saúde mental.
Juliana de Souza Izidio do Prado Prado

Última alteração: 2017-12-29

Resumo


O presente resumo trata de uma pesquisa em andamento, que tem como previsão de finalização o primeiro trimestre de 2018, sendo realizada pela autora, estudante do Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Amazonas, no Laboratório de Intervenção Social e Desenvolvimento Comunitário (LABINS). No texto estão descritos a apresentação e contextualização do tema, os objetivos da investigação e as principais considerações quanto ao percurso metodológico escolhido para o estudo, a saber:

O campo da saúde mental no Brasil passa por um processo de transformação que tem como importantes marcos os movimentos sociais que iniciaram na década de 1970, e ganharam força nos anos de 1980, como o movimento sanitário e o movimento de reforma psiquiátrica, visando a redemocratização do país e a construção de políticas públicas de saúde mais igualitárias.

Este percurso sofreu influências ideológico-políticas e filosófico-conceituais, baseadas especialmente no processo de democratização da psiquiatria italiana, que fundamentaram a reestruturação das políticas, dos programas, dos serviços e das práticas de cuidados em saúde mental, e se efetivaram a partir da legitimação da reforma psiquiátrica brasileira, sustentada pelo paradigma da atenção psicossocial, em suas dimensões clínica, ética e política.

O paradigma da atenção psicossocial se estabelece com a ampliação do modelo biomédico de entendimento sobre os conceitos de saúde e doença, levando a transformações na clínica, que parte da centralidade na doença e no reducionismo dela a fatores biológicos, para a centralidade no sujeito, suas singularidades e pluralidades, incluindo os fatores psicológicos e sociais nas dinâmicas de saúde e adoecimento.

Em saúde mental, o que se propõem é a negação da clínica, construída em instituições manicomiais, e legitimada pelo poder atribuído ao conhecimento científico tradicional, que reduz o complexo fenômeno existencial da loucura à ideia de doença mental, marcando à exclusão da subjetividade e o silenciamento do sujeito, vítima de uma condição de violência institucional, que confere a ele, no espaço social, o lugar da opressão e da negação de direitos. Ao contrário, a clínica psicossocial objetiva a transformação social e política da condição de desvalor, pretendendo a reinserção desse sujeito, a reconstrução e expansão de sua autonomia, ampliando sua capacidade de participação nos processos de trocas sociais e de exercício da cidadania.

Com o objetivo de atender a esse desafio, as políticas públicas de saúde mental brasileiras se estruturam atualmente em uma lógica de rede de atenção psicossocial (RAPS) que inclui práticas de cuidados em saúde mental em todos os níveis assistenciais, tendo como base, para a organização dos programas e serviços, os princípios fundamentais do SUS como a integralidade e a territorialidade das ações de saúde, além da participação popular nos espaços de planejamento, gestão e controle das políticas e instituições de saúde.

Na organização do funcionamento da RAPS, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é o serviço responsável pelo ordenamento da rede. Esse dispositivo é composto por uma equipe interdisciplinar de profissionais que assumem a referência para a gestão do cuidado em saúde mental, partindo da elaboração de um projeto terapêutico singular, que contemple as necessidades de saúde de cada sujeito e a garantia de acesso aos serviços e tecnologias necessários para a resolução das suas demandas.

No ambiente do CAPS, as práticas produzidas diariamente, priorizam uma lógica na qual o cuidado se constrói a partir de uma relação de convivência cotidiana, onde o terapeuta e o sujeito/usuário possam compartilhar experiências, de forma dialógica, sendo coconstrutores do cuidado. O que se propõe é a democratização do poder nas relações entre profissionais, serviços, usuários, familiares e comunidade.

A construção de uma prática que possibilite ao sujeito/usuário o acesso ao lugar de protagonista, promovendo sua autonomia e emancipação, se mostra como um dos principais desafios, a partir da efetivação da reforma psiquiátrica, especialmente para os profissionais que atuam nos serviços da RAPS. Entende-se como necessário, um fazer crítico, evitando a reprodução de ações terapêuticas que visem à normalização do sujeito aos padrões de adaptação prescritos por uma ideologia de exclusão.

Nesse cenário amplo, que representa a política pública de saúde mental no país, se faz necessário analisar contextos locais, como o da cidade de Manaus, com suas especificidades históricas, sociais e culturais. Para tanto, o trabalho de pesquisa apresentado tem o objetivo principal de analisar os sentidos construídos sobre a experiência de sofrimento de sujeitos/usuários e sobre a prática de cuidados de profissionais da RAPS em Manaus, a partir das mudanças na política pública de atenção à saúde mental. Quanto aos objetivos específicos, pretende-se compreender o processo histórico da mudança no modelo das práticas de cuidados em saúde mental na cidade de Manaus, e conhecer, com a utilização de práticas discursivas no cotidiano, os sentidos das mudanças no modelo de atenção em saúde mental para a vida dos sujeitos/usuários e para as práticas dos profissionais atuantes nos serviços da RAPS.

A escolha pela utilização das práticas discursivas do cotidiano como método de investigação, se fundamenta na perspectiva construcionista em psicologia social, que considera que tanto o sujeito quanto o objeto são construções sócio-históricas, ou seja, possuem a mesma natureza, além do que, o processo de objetivação, por meio do qual as pessoas compreendem e lidam com a realidade dos fenômenos que as cercam, tem como elemento central a linguagem, enfatizando que a produção de sentidos, entendida como prática social, dialógica, é essencialmente uma dinâmica sociolinguística.

Sendo assim, para o alcance dos objetivos da investigação, a pesquisadora estará inserida, como observadora participante, nos espaços em que os encontros cotidianos acontecem no ambiente do CAPS e SRT. São nesses microlugares que as práticas discursivas são produzidas, por meio do falado e do ouvido, nas conversas, nos diálogos, debates, entrevistas, que envolvem o campo tema da pesquisa. Neste contexto, a pesquisadora se colocará em uma relação horizontalizada com os participantes, assumindo uma postura atuante como parte do processo contínuo de construção de sentidos coletivos.

Durante a etapa de observação participante, serão escolhidos 03 sujeitos/usuários e 03 profissionais da RAPS de Manaus, convidados a participar como casos exemplares da pesquisa, respondendo a entrevistas semiestruturadas. Como critério para a escolha dos participantes será utilizado o método de amostragem proposital ou intencional, que possibilita a seleção dos sujeitos, levando em conta a abrangência da amplitude do problema, ou seja, os sujeitos selecionados serão aqueles que apresentarem características mais relevantes para o objeto de investigação e para os objetivos do estudo.

Para a análise dos dados será utilizado o recurso de mapa dialógico e do software MAXQDA que possibilita a análise de dados qualitativos para os conteúdos das entrevistas. Os principais resultados e conclusões do estudo serão apresentados durante a exposição da pesquisa no 13º Congresso Internacional Rede Unida.


Palavras-chave


Saúde mental; Rede de Atenção Psicossocial; Práticas Discursivas