Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A ATUAÇÃO DAS DOULAS NA ASSISTÊNCIA AO PARTO HOSPITALAR COMO GATILHO PARA DIFERENTES IMPACTOS NO VOLUNTARIADO
Murillo Bruno Braz Barbosa, Marita de Almeida Assis Brilhante, Thuany Bento Herculano, Juliana Sampaio

Última alteração: 2017-12-28

Resumo


APRESENTAÇÃO: A palavra “doula” tem origem grega e significa “mulher que serve”. Hoje refere-se à pessoa que dá suporte emocional à mulher intraparto através de atividades como suporte emocional, encorajando e tranquilizando a gestante; medidas que tragam conforto físico e alívio da dor; instruções e apoio; fortalecendo o vínculo entre a equipe de saúde e a mulher. A inserção da doula no cenário de parto é considerada uma das boas práticas obstétricas incentivadas pela Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, pois contribuem para reduzir a violência obstétrica nos sistemas público e privado. No Brasil, a inserção das doulas dentro das maternidades se deu sem a participação efetiva dos profissionais atuantes no cenário do parto, e muitas vezes, sem seu entendimento do escopo de atuação destas. Tal contexto abriu margem para resistências e possíveis conflitos dentro das equipes de saúde, sobretudo, porque grande parte das orientações oferecidas pelas doulas vão de encontro ao modelo obstétrico tradicional, ainda predominante, transformando o trabalho de parto num cenário de disputa entre os diferentes paradigmas assistenciais, em detrimento do protagonismo da mulher. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Trata-se de estudo descritivo-exploratório, de natureza qualitativa, realizada com doulas voluntárias do Instituto Cândida Vargas (ICV), integrante da rede do SUS. Esta instituição possui o projeto de “Doulas Voluntárias” há 6 anos, sendo, portanto, um ambiente propício para avaliar a percepção das doulas acerca de sua inserção na assistência ao parto hospitalar. O ICV oferece um curso para formação de Doulas, com duração de sete meses, sendo um mês de aulas teóricas e seis meses de estágio obrigatório, no qual as alunas trabalham diretamente com as parturientes e os profissionais da saúde. Para este estudo foi utilizada, como instrumento de coleta de dados, a Tenda do Conto, que consiste numa prática dialógica, em que as pessoas compartilham histórias vividas, construindo aprendizados sobre a vida no encontro com o outro. A sessão durou cerca de 4 horas, sendo gravada e posteriormente transcrita para que, então, as narrativas fossem analisadas. Participaram 6 doulas que tinham concluído o Curso de Doulas do ICV. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CAAE - 56342016.5.0000.5188). Todo o material produzido foi subordinado à análise de conteúdo temática. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: A inserção das doulas dentro do cenário de parto na maternidade parece ter sido uma estratégia político-administrativa de contemplar as boas práticas preconizadas pela humanização do parto e nascimento. Todavia, o contraponto que sua presença produz nas práticas obstétricas hegemônicas funciona como gatilho de tensões entre paradigmas assistenciais antagônicos, na medida em que coloca holofotes sobre uma realidade pouco questionada. Ao se inserirem no hospital, as doulas trazem práticas e saberes diferentes do que é tradicionalmente operado nesse ambiente. A proposta de cuidado exercido por elas se baseia no encontro com as mulheres, ressaltando o lado subjetivo da atenção. Para elas, a maneira como os profissionais da maternidade tratam as gestantes e seus acompanhantes e as práticas que adotam são centradas em procedimentos muitas vezes desnecessários, e por isso, violentas. As doulas expressam grande frustração com a impossibilidade de debater com a equipe de saúde a não necessidade desses procedimentos. Frente às dificuldades vivenciadas no ambiente hospitalar, cada doula da Tenda do Conto encontra um modo particular de agir, nos dando a possibilidade de analisar três estratégias de enfrentamento assumidas por elas. A primeira delas é a atitude de luta diante de cenas de maus tratos físicos ou verbais dos profissionais com as gestantes. Essa oposição direta e objetiva se dá porque elas entendem que o combate da violência obstétrica é inerente ao seu papel. Ademais, também procuram incentivar o protagonismo e a autonomia da mulher durante o parto, divulgar seus direitos e esclarecer as formas de violência obstétrica. O distanciamento entre a doula, com atitude de luta e a equipe da instituição acaba resultando em conflitos. Os profissionais da maternidade ampliam a resistência a sua presença na cena do parto, por considerarem que elas atrapalham os procedimentos. Frente a este cenário conflituoso na maternidade pública, algumas doulas relatam que decidem se desligar do serviço voluntário, para não mais ter que se subordinar aos ditos da equipe de saúde, e trabalhar apenas como doulas particulares. Essa seria uma segunda estratégia de enfrentamento, a fuga. No sistema privado, a doula é contratada pela parturiente, que, por sua vez, busca contratar também equipes que tendem a assumir práticas mais humanizadas e serem mais empáticas à presença das doulas. Este movimento de fuga do setor público traz como consequência a elitização da humanização do parto: a doula passa a ser apropriada pela lógica do capital, passando de um dispositivo emblemático do movimento da humanização, para mais uma forma de mercantilização da saúde em busca de um cuidado respeitoso. Por fim, identificamos algumas doulas que assumem uma terceira estratégia de enfrentamento, a qual denominamos de institucionalização. Nesta forma de agir, a doula permanece no cenário de conflito e se coloca como mediadora entre a equipe médica e a mulher, a fim de amenizar o sofrimento que as gestantes venham a passar durante a assistência. Partem do pressuposto que durante o trabalho de parto, a melhor forma de proteger a mulher da violência obstétrica é tentar fazer com que ela não se perceba violentada, ao tratá-la de forma carinhosa enquanto as intervenções (mesmo que desnecessárias) são feitas. Percebe-se, portanto, uma atuação que dociliza a mulher, afim de que ela não se sinta desrespeitada. Assim, elas se mostram mais permissivas às intervenções desnecessárias, produzindo menos tensionamentos com a equipe. As doulas ‘institucionalizadas’ não naturalizam a violência presenciada, e reconhecem a importância de promover o protagonismo e a autonomia da parturiente durante o trabalho de parto. Contudo, elas se enxergam como membro da equipe de saúde e preferem informá-los e ajudá-los a desenvolver boas práticas, do que repreendê-los por prestarem uma assistência inadequada. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A inserção das doulas no contexto analisado não foi um processo natural resultante de um novo paradigma de assistência obstétrica, e como tal, encontrou resistência e gerou conflitos, pois colocou holofotes em práticas consideradas obsoletas pelo movimento da humanização. Num cenário hostil à sua atuação, as doulas no lugar de funcionarem como dispositivos para melhoria da qualidade da assistência, muitas vezes, são gatilhos de embates e de produção de mais violência, e isso produz sofrimento nelas e nos demais. Assim, a doula voluntária formada para atuar no contexto do SUS é cooptada pelo mercado do parto humanizado no âmbito privado. Certamente, essa mudança de contexto da doulagem trará impactos nesta atuação, sendo importante por em pauta essas possíveis mudanças. O grande desafio será garantir que em tanto no contexto público, quanto privado, a doula possa ser um contraponto ao modelo obstétrico vigente, funcionando como um dispositivo para transformação da assistência, cuja função basilar deve ser o bem-estar da mulher.


Palavras-chave


Doulas; Assistência ao Parto; Trabalho em saúde