Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Pesquisa em Etnobotânica no SUS: Contribuição para o Uso de Espécies Nativas da Amazônia na Atenção Primária em Oriximiná, Pará, Brasil.
PAULO HENRIQUE OLIVEIRA LEDA, Silvia Regina Nunes Baptista, Silvia Regina Nunes Baptista, Itana Suzart Scher, Itana Suzart Scher, Jessica Oliveira Pires, Jessica Oliveira Pires, Lhourivana Dardara Oliveira Tavares, Lhourivana Dardara Oliveira Tavares, Dávia Talgatti, Dávia Talgatti, Danilo Ribeiro Oliveira, Danilo Ribeiro Oliveira, Marlia Regina Coelho-Ferreira, Marlia Regina Coelho-Ferreira

Última alteração: 2017-12-22

Resumo


A presente investigação é realizada em Oriximiná, no Baixo Amazonas, na temática “plantas medicinais”. Desde a fundação, Oriximiná encontra-se em constante transformações socioespaciais, iniciadas durante a colonização com a ocupação das terras indígenas com fazendas mantidas com o trabalho dos negros africanos escravizados, tendo as missões religiosas como estratégia de repressão e dominação. A partir de 1970, intensifica-se a ocupação e os conflitos no território com a instalação da Mineradora Rio do Norte e a criação das Unidades de Conservação. Em decorrência desse histórico, Oriximiná hoje conta com associações de indígenas e quilombolas, protagonistas no reconhecimento das terras quilombolas no Brasil. Apresenta também o maior mosaico de terras protegidas do mundo. Em virtude dessas características, o município foi escolhido como alvo dessa pesquisa que se propõe a trabalhar o tema “plantas medicinais” a partir da ótica dos profissionais da atenção básica com ênfase nos Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) para analisar a tradicionalidade de uso de espécies nativas do bioma Amazônia. O tema encontra-se inserido no campo da saúde coletiva institucionalizada do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) e da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). As referidas políticas preconizam a interface entre as práticas populares em saúde com plantas medicinais e os pressupostos estabelecidos para o SUS. Para contextualizar o uso dos remédios caseiros, foram selecionados os ACSs como grupo social alvo e interlocutores, por exercem o papel tanto de profissionais de saúde junto às equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), quanto de moradores das comunidades, indicando os especialistas locais de suas respectivas áreas de atuação. A amostra é constituída pelos ACSs das zonas rural (n=63) e urbana (n =60). Os da zona urbana estão vinculados a seis Unidades Básicas de Saúde (UBS) e os da zona rural atendem a aproximadamente 170 comunidades. A metodologia de campo é baseada na etnobotânica (grupos focais, entrevistas, turnê guiada). Como método inicial para a coleta de dados, realizou-se grupos focais, sendo um grupo focal para cada UBS da zona urbana e três grupos focais para a zona rural. Esse conjunto de dados foi transcrito, criando um volume descritivo de todo o processo. A superação da mera superposição ou dicotomia entre aspectos quantitativos ou qualitativos é um dos desafios metodológicos desta pesquisa etnobotânica, na qual utilizaremos a triangulação de métodos, compreendida como um processo interdisciplinar de observação sistemática do objeto de pesquisa por diferentes pontos de vista. Para auxiliar na análise destes dados, utilizaremos um software profissional usado em análises qualitativa - MaxQda® -em saúde coletiva. Durante os grupos focais houve a problematização com a livre citação das espécies, bem como a observação, quanto ao uso de plantas medicinais/remédios caseiros. As espécies reconhecidas como importantes eram citadas e anotadas, de modo a identificar quem a citou. Esse conjunto de espécies resultou na lista livre. Essa abordagem também permitiu identificar os ACSs com maior vínculo ao tema e dispostos a colaborar através da indicação dos especialistas reconhecidos por eles. Estes especialistas serão entrevistados e realizadas as “turnês guiadas” nos quintais e arredores das casas dos especialistas indicados por eles. Esse método visa a coleta do material botânico com a associação dos nomes populares mencionados às amostras coletadas para identificação, realizadas por comparação com as coleções dos Herbários da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e do Museu Paraense Emilio Goeldi. As espécies e suas respectivas indicações serão organizadas em um banco de dados para determinar o consenso de uso. Aquelas que apresentarem o maior consenso serão analisadas e categorizadas quanto a tradicionalidade de uso e quanto a origem. Essa medida visa selecionar as espécies nativas da Amazônia que atendem os critérios de efetividade e segurança. A pesquisa conta com a contribuição dos acadêmicos da UFOPA do curso de Biologia e Conservação Ambiental de Oriximiná.

Todas as UBS tiveram participação acima de 70% dos ACSs nos grupos focais, exceto para a Unidade Antonio Mileo (47%), em virtude da presença de somente uma das duas equipes. Os ACSs da área urbana apresentam uma idade média de 32 anos com predominância do gênero feminino (89%), onde a maior parte (43; 68%) tem, em média, 7 anos de trabalho (maio/2017). Há um grupo de ACS mais recentes (15; 24%) com apenas um ano de atividade. Somente 5 (8%) tem mais de 13 anos de trabalho como ACS, as quais apresentam idade média mais avançada (42 anos). Quanto a escolaridade, 70% (44) possuem ensino médio e 30% (19) ensino superior. Cada ACS atende, em média, 132 famílias, devendo realizar cerca de oito visitas domiciliares por dia. No total, os ACS fizeram 239 citações para 95 espécies. Cada ACSs citou, em média, 6 espécies, onde 22 ACSs (46%) foram responsáveis por 199 citações (83%), sendo a equipe da UBS Nossa Senhora das Graças foi a que mais citou (57; 28,6%). Das 95 espécies, treze foram mais citadas, a saber: hortelãzinho, capim santo, cidreira, quebra-pedra, sucuuba, alho, copaíba, boldo, cana-mansa, crajiru, diabinho, pata-de-vaca e sara-tudo. Observa-se várias posturas que podem ser classificadas em três principais categorias: uma certa indiferença por não saber que atitude adotar; receio quanto a recomendar por não ter experiencia e/ou abertura para tomar essa iniciativa no âmbito do SUS local e uma visão crítica quanto a ausência de consenso sobre o uso de plantas medicinais entre os prescritores.

No que se refere à zona rural, estiveram presentes 34 ACSs, representando 63% dos integrantes desse grupo. Observamos que alguns presentes (3 – 9%) são oriundos da época da criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde, exercendo a profissão há mais de 20 anos. Possuem idade média (39 anos) superior aos da zona urbana, porém ambos os grupos possuem tempo médio de trabalho semelhante (7,8 anos). Quanto ao gênero, a distribuição nesse grupo é mais equilibrada que na urbana: 47% masculino e 53% feminino. Em relação a escolaridade, 26% possuem o ensino fundamental e 56% ensino médio e o 18% não informou. A média de famílias atendida é menor (55) em relação à urbana devido a maior dispersão da população no interior. Os ACSs fizeram 169 citações para 96 espécies, sendo que a maior parte (60%) fez apenas uma citação. A maior quantidade de citações concentrou-se em seis ACSs (18%) que fizeram 126 citações (75%), sendo que dois se destacaram (51 e 31). Oito espécies foram mais citadas: hortelã grande, manaiara e sucuuba (5), cumarú, diabinho, elixir paregórico, mangarataia e sara-tudo (4). Esse resultado preliminar demonstra um perfil diferente tanto em relação a composição dos grupos urbano e rural, quanto em relação ao conhecimento etnobotânico. Foi relatada perda na importância do uso de plantas medicinais frente aos procedimentos medicalizantes do SUS, bem como o desinteresse no aprendizado intergeracional das práticas relacionadas ao uso de remédios caseiros. Diante disso, essa pesquisa contribui na valorização das práticas da medicina tradicional, na perspectiva de fortalecer a atenção primária com ações de promoção da saúde.


Palavras-chave


Plantas medicinais, atenção básica, Sistema Único de Saúde