Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Análise do curso de Medicina da Universidade Federal do Vale do São Francisco à luz dos modelos de formação
Giovana Bernardes

Última alteração: 2018-01-06

Resumo


Apresentação

De acordo com Hora (2013), as universidades se estruturam a partir da perspectiva médico-hegemônica, desvalorizando práticas de saúde que prezam pela atenção integral ao indivíduo e ao meio no qual ele está inserido.

Sendo assim, foi realizado estudo do projeto pedagógico do curso (PPC) de Medicina da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), objetivando analisar o curso e avaliar aspectos sobre o modelo de formação empregado. Estes serão feitos baseados nas correntes de modos de cuidado e modelos de formação existentes na história da saúde.



Desenvolvimento do trabalho

Para Minayo (2008), o método qualitativo é adequado ao estudo dos produtos das interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como constroem seus artefatos e a si. Dessa forma, o presente trabalho tem como metodologia a análise qualitativa do projeto pedagógico do curso e de outros documentos elaborados pela instituição. A análise foi qualificada por pesquisas bibliográficas a respeito dos modelos de formação de saúde no decorrer da história e suas implicações no modelo de ensino atual no Brasil, à luz das ideias de Cabanis, Flexner, Sackett e Cochrane.



Resultados e/ou impactos

A UNIVASF surgiu em 2004 a partir da Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que teve como objetivo ampliar inserção e permanência dos jovens brasileiros no ensino superior, reestruturando o ensino e regionalizando as universidades. Entende-se que o contexto do surgimento da universidade é o de busca por uma instituição de ensino superior voltada à pesquisa e extensão, visando o avanço da área em que se encontra. Tem como missão institucional ministrar ensino superior, desenvolver pesquisas e promover a extensão universitária, o que se assemelha às práticas flexnerianas.

A integração Ensino-Serviço acontece por meio de estágios e internato nos três níveis de atenção e por parcerias universidade-gestão municipal, buscando melhorar a qualidade e a quantidade no atendimento, a atualização dos profissionais da rede pública de saúde e a integração do aluno ao SUS, exercendo maior protagonismo. Com isso ficam visíveis as influências flexnerianas.

Nos primeiros anos do curso, os estudantes têm acesso às Unidades Básicas de Saúde (UBS), realizando atividades ao longo da formação com o apoio do Programa de Saúde da Família (PSF) e construindo o conhecimento por meio da pesquisa, o que deixa a universidade entre os modelos flexneriano e sacketteano ao unir currículo científico e modelo biomédico às práticas voltadas para o indivíduo no PSF.

O PPC explicita o tipo de formação esperada de acordo com as necessidades elaboradas na proposta da Terceira Geração de Reforma no Ensino de Saúde, as quais compreendem uma saúde que observe as demandas da população, inovação tecnológica, as transições epidemiológica e demográfica no país e a diferenciação profissional. Atenta-se à multi-interdisciplinaridade como forma de se distanciar da fragmentação do aprendizado e da desconexão entre profissionais apresentado pelo modelo cabanista. Nesta perspectiva, não almeja a ultra-especialização nem a prática hospitalar como foco da aprendizagem médica, como aconteceu depois do modelo biomédico, estruturado a partir de uma visão reducionista do modelo Flexner. O PPC além de focar na importância da relação médico-paciente, amplamente discutida por Sackett, também propõe a integração médico-sociedade.

Pensando a construção histórica da hierarquia médica, o curso corre risco de tornar a interdisciplinaridade uma irrealidade, pois o tema é absorvido pela valorização de componentes especializados da biologia e da saúde como doença. Pois, mesmo que o PPC discorra sobre o oposto, as ementas das disciplinas, seus pré-requisitos e os laboratórios especializados levam para o caminho do tradicionalismo.

O curso trabalha com metodologias ativas que integram o futuro profissional à prática da atenção à saúde nos territórios em que as instituições estão localizadas, pensando a realidade local como ponto de ação de transformação dos estudantes, coerente com a elaboração de Paulo Freire: a ação de problematizar enfatiza a práxis, na qual o sujeito é capaz de transformar a realidade ao mesmo tempo em que se transforma.

A educação como auxiliar da formação de identidade do sujeito, conforme pretende a instituição, está intimamente ligada à participação dele no meio social; entretanto, as disciplinas com maior carga horária de atividades práticas são aquelas que possuem perfil centrado no médico como interventor no campo biológico, evidenciando uma contradição com o proposto pelo PPC.

 

Considerações finais

É perceptível que o mercado de trabalho é reflexo de um movimento intenso de fracionamento do exercício médico, que passa a se diferenciar em práticas ligadas diretamente à prestação do cuidado e a atividades gerenciais. Consequentemente, foram criadas cargas de trabalho, valorização e remuneração diferenciada para as distintas modalidades da prática, levando a uma estratificação técnica e social do trabalho médico. Assim, multiplicaram-se as consultas e diminuiu-se a resolutividade em relação aos problemas de saúde de cada pessoa.

Outra consequência dessa tendência é tornar os problemas de saúde mais dispendiosos, já que o olhar especialista é fragmentado e incompleto, o que sugere falta de compromisso, deixando o paciente insatisfeito.

Para se modificar o processo de formação médica de modo que o resultado seja um profissional com uma sólida formação geral, humanista, crítica, capaz de trabalhar em equipe e consciente da realidade social na qual está inserido, é necessário que as contradições descritas acima sejam enfrentadas pela escola médica. Logo, a criação de novos cenários de ensino-aprendizagem e a modificação da prática dos profissionais responsáveis pelo processo de formação são peças fundamentais do processo relativo ao exercício da carreira.

A concepção de currículo proposta, além de objetivar a formação de um médico generalista, abre espaço através dos núcleos temáticos e de disciplinas optativas, para que os alunos do curso de medicina tenham contato com estudantes e disciplinas de outras áreas da saúde e outras áreas do saber, promovendo a interdisciplinaridade do conhecimento e favorecendo o crescimento profissional e pessoal.




Referências

 

ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e o paradigma pós-disciplinar em saúde. Saúde e Sociedade v.14, n.3, p.30-50, set-dez 2005



FEUERWERKER, 2002: FEUERWERKER, L. Além do discurso das mudanças na educação médica. São Paulo: HUCITEC, 2002



FURTADO, 1986: FURTADO, T. O currículo na formação do médico do médico geral. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 10 (2), p. 75-76, 1986



GELBCK, L. F; MATOS, E; SALLUM, C. N. Desafios para a integração multiprofissional e interdisciplinar. Tempus- Actas de saúde coletiva



HORA, L. D. et al. Propostas inovadoras na formação do profissional para o sistema de saúde, Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro,v. 11 n.3, p.471-486, set./dez 2013



MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 2008.



MITRE, M. S. et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciência e saúde coletiva, 13 (sup 2): 2133-2144, 2008.



SCHRAIBER, 1993: SCHRAIBER, L B. O médico e seu trabalho. São Paulo: HUCITEC, 1993.



SOBRAL, 1994: SOBRAL, D. J. Aprendizagem baseada em problemas: efeitos no aprendizado. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 18 (2), p. 61-64, 1994.



UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO. Projeto pedagógico do curso de medicina, 2008. Disponível em: <http://www.medicina.univasf.edu.br/arquivos/PPC%20-%20Projeto%20Pedagogico%20do%20Curso%20de%20Medicina.pdf>. Acesso em: abril de 2017





Palavras-chave


educação médica; modelos de formação; educação inovadora