Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Trabalho em equipe na saúde: uma utopia?
SILVIA HELENA MENDONÇA DE MORAES, Adriana Masset Tobal, Débora Dupas Gonçalves do nascimento, Dinaci Vieira Marques Ranzi, Priscila Maria Marcheti Fiorin

Última alteração: 2017-12-21

Resumo


A nossa experiência no Observatório Microvetorial e com o método cartográfico foi iniciada em 2017 com a pesquisa sobre o Programa Mais Médicos no município de Costa Rica, em Mato Grosso do Sul. Este município possui 100% de cobertura de Estratégia de Saúde da Família (ESF), com 6 equipes completas (05 urbanas e 01 rural). As equipes contam ainda com fisioterapeutas, farmacêuticos, recepcionistas, auxiliar administrativo (faturista), além do apoio do NASF, que tem em sua composição 2 terapeutas ocupacionais, 1 psicólogo, 1 educador físico e 1 fonoaudiólogo. Todos os profissionais médicos da ESF fazem parte do Programa Mais Médicos (PMM), 100% com nacionalidade cubana e já estão há mais de 2 anos na cidade.

Nosso grupo (composto por quatro pesquisadoras) realizou, até o momento, quatro visitas à Costa Rica. Essas visitas nos proporcionaram vários encontros com diversas pessoas (motorista, prefeito, médicos cubanos, médicos brasileiros (especialistas da rede), enfermeiros, ACS, usuários...) e produziram em nós (e talvez neles também) diversas afetações, inclusive alguns estranhamentos. Mas o mais intrigante e instigante de tudo isso é que cada um em seu contexto e com “suas vistas do ponto”, tinha uma palavra, uma percepção, uma opinião, uma experiência vivida...agregadora, detalhada, fascinante, ressabiada, limitada... cada qual com seu modo de ver e sentir o cuidado em saúde e a organização do SUS neste município.

Fomos afetadas em relação ao vínculo que os médicos cubanos demonstraram ter com a comunidade e esta com eles. Fomos afetadas ao perceber a diferença entre a relação que os médicos cubanos tinham com os trabalhadores de saúde das unidades e a relação dos médicos brasileiros com esses mesmos trabalhadores. Fomos afetadas quando “descobrimos” que a fila do único hospital da cidade diminuiu, pois, os médicos cubanos faziam pequenos procedimentos cirúrgicos e sutura na própria UBSF. Fomos prazerosamente afetadas quando nos contaram que a forma de realizar o pré-natal mudou drasticamente e os indicadores melhoraram após a vinda dos médicos do PMM. Mas, alguns estranhamentos tomaram conta de nosso corpo vibrátil... estranhamos perceber que nem todos os usuários gostavam e aceitavam o cuidado realizado por um médico cubano. Estranhamos o fato da puericultura não ser realizada de forma integral na ESF, mas apenas no centro de especialidade médica com o pediatra. Por que uma equipe de saúde tão bem estruturada não fazia o acompanhamento da criança segundo o protocolo do Ministério da Saúde?

Essa experiência tem nos levado também a olhar em outras perspectivas para grande parte das coisas que víamos apenas com um único olhar (o olhar pelo qual fomos capturados há muito tempo, o olhar da academia, do instituído). Na verdade, essa experiência tem nos desafiado a sair deste instituído, para nos jogarmos no incerto, no que (ainda) não está construído. Isso tem ampliado nossos olhares, nossas experiências, nossos afetamentos. Não tem sido uma jornada fácil, mas certamente, tem sido muito instigante e desafiadora.

Um exemplo de ampliação deste olhar foi em relação ao trabalho em equipe na saúde. Frequentemente temos ouvido que o trabalho em equipe não acontecia porque os médicos não participavam das reuniões, não ficavam na unidade o tempo todo, não dialogavam com os demais membros da equipe.

Costa Rica nos deslocou e nos provocou a repensar nas questões necessárias para um efetivo trabalho em equipe. O que vivenciamos naquele município nos fez pensar que ali era um ambiente extremamente propício para a sistematização do cuidado integral e em equipe, uma vez que os médicos cubanos estavam presentes e atuantes nas equipes de Saúde da Família, são abertos, atenciosos, amorosos, afetivos, disponíveis tanto com os usuários como com os demais membros da equipe de saúde, utilizavam outros meios de tratamento complementar ao tratamento medicamentoso, faziam visita domiciliar e possuiam vínculo com a comunidade. O que mais seria necessário para que o trabalho em equipe ocorresse?

Incomodamo-nos porque não víamos “aquele” trabalho em equipe acontecendo da forma como havíamos aprendido. Para nós, agora não tinha desculpas: se todos os profissionais ficam na unidade as 8h diárias; se o médico cubano tem um bom relacionamento com todos da equipe (conversa com todo mundo, come junto com os demais na copa, é educado, etc.) porque o trabalho em equipe não acontecia? Por que as ações estavam centradas apenas no médico e não ocorriam reuniões periódicas da equipe para conversarem sobre a melhor forma de abordarem os problemas de saúde dos usuários?

Mas que trabalho em equipe é este que estamos falando? Do “normativo”? Será que o trabalho em equipe ocorre somente num momento determinado, quando todos estão sentados e dialogando/discutindo sobre algum tema/problema/caso? Ou o trabalho em equipe pode (e deve) acontecer também no dia a dia, na conversa do cafezinho, quando 2-3 trabalhadores se encontram e conversam sobre um determinado assunto em comum voltado para as questões do trabalho e combinam a forma como irão enfrentar essa situação? Podemos afirmar que essa “conversa informal” pode-se configurar também como um trabalho em equipe? Mas isso não entra na produção! Mais um barreira a ser transposta...será que esta conversa “informal” não pode ser ou realmente é mais produtiva e geradora de cuidados efetivos e integrais do que a pré determinada às 8h ou com toda equipe na última sexta–feira do mês?

O fato de termos (culturalmente) um processo de trabalho em saúde centrado no médico, na doença e na medicalização seria utópico pensar em um trabalho em equipe de forma como se é proposto nos textos acadêmicos? São essas as indagações resultantes de outros olhares dos quais fomos (e somos) instigados a ter neste processo de pesquisa. Somos desafiados a sair do comum e ir para outros lugares impensáveis.

Toda essa movimentação nos proporciona outros afetos, nos possibilitando descontruir e reconstruir, desmontando a noção da verdade, nós sacudindo a repensar o olhar da gestão e da técnica, rever o estabelecido, questionar as verdades descritas no cotidiano das atividades do cuidado, trabalhar a ousadia e a nossa inquietude de fazer a mudança. Não sabemos para onde isso nos levará, mas, certamente, estamos bem empolgadas com a possibilidade desta “viagem” que ainda não tem prazo para terminar.


Palavras-chave


Atenção Primária em Saúde;