Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Profissionais como produtores de redes: tramas e conexões no cuidado em saúde
Viviane Santalucia Maximino, Flavia Liberman, Maria Fernanda Petroli Frutuoso, Rosilda Mendes

Última alteração: 2017-12-21

Resumo


Apresentação: No que tange ao cuidado em saúde, as redes podem ser consideradas decisivas, seja pela organização do sistema de saúde, que implica ações coordenadas de diversos serviços e setores, seja pela constatação empírica de que o cotidiano e a manutenção da vida parecem apoiados em conexões diversas que incluem familiares, vizinhança, trabalho, amizade entre outros. Neste contexto, o conhecimento de quais seriam as redes de sustentação e cuidado que incluem, mas não se reduzem, aos níveis de atenção primário, secundário e terciário, interessa ao sistema de saúde e contribui para o fortalecimento de princípios do Sistema Único de Saúde como a integralidade e a equidade. A pesquisa Atenção básica e a produção do cuidado em rede no município de Santos, realizada de 2014 a 2016 com o intuito de identificar, acompanhar e problematizar processos de cuidado de saúde em rede, revela redes de atenção que são construídas de maneira bastante diversas e que muitos são os fatores que contribuem para potencializá-las e/ou enfraquecê-las. Este resumo busca analisar como os profissionais de saúde tecem e produzem as redes de cuidados. Indaga-se como e quando as redes ficam mais potentes e produzem vida e saúde, ou, ao contrário, apenas reforçam as ofertas instituídas e enfraquecem as tramas e conexões do cuidado em saúde. Métodos: O estudo adotou a pesquisa-intervenção, que pressupõe a participação daqueles que de alguma forma estão envolvidos no ato de pesquisar e seguindo as guias do método cartográfico, o percurso da pesquisa foi produzido com os sujeitos. A opção pela pesquisa-intervenção e pela cartografia parte da orientação de que o trabalho do pesquisador é construído em processo e não se faz de modo prescritivo. Foram realizadas oficinas com as equipes de onze unidades básicas de saúde, nas quais subgrupos de pesquisadores, da universidade e dos serviços, exploraram casos e/ou situações marcantes das quais emergissem o tema das redes, elegendo um para aprofundamento. A seguir, de acordo com a singularidade de cada contexto, os pesquisadores realizaram aproximações e ações com os sujeitos selecionados a fim de conhecer as redes acionadas e como os diversos atores contribuíram ou não para a efetivação das redes de cuidado. A construção coletiva da experiência de cuidado, com pesquisadores da universidade, dos serviços de saúde e sujeitos selecionados, foi registrada em diários de pesquisa. O processo de análise, a partir do conjunto de diários, ocorreu pela busca das palavras-chave “redes”, “articulação” e “relação”, que permitiram um agrupamento inicial dos temas: usuário como produtor de rede, profissionais como produtores de redes e ferramentas produtoras de rede. Resultados: Foram verificadas redes de atenção amplas, operacionalizadas de diversas maneiras e compostas por múltiplos vetores e elementos formais e informais, visíveis e invisíveis, objetivos e subjetivos que contribuem para facilitar ou dificultar a construção de pontos de articulação entre serviços, pessoas e recursos para o cuidado. Dois vetores, intimamente articulados, explicitam a organização das redes investigadas: um deles segue um ordenamento instituído e diz respeito à estrutura piramidal, verticalizada, que pretende organizar o sistema de saúde, e outro, que resulta da tensão permanente com os acontecimentos que “escapam” dessa lógica e que buscam, de diferentes modos, traçar outros trajetos que respondam às necessidades, limites e potências dos próprios usuários e dos trabalhadores que gravitam em cada situação, o que chamamos de uma rede rizoma. Com o recorte dos profissionais como produtores de rede, aponta-se as tensões entre sistemas de ordenação e hierarquização, uma vez que encontramos nas narrativas dos profissionais reclamações e julgamentos dessa ordenação que se processa por meio de encaminhamentos, o que pode “amarrar” as estratégias de cuidado, pois, ao encaminhar o usuário, o profissional pode se desresponsabilizar do cuidado e contribuir para a fragmentação das ações de saúde. A atenção básica ainda é vista como simples, de menor complexidade, por isso é desvalorizada. Nas especialidades estaria o saber e aqueles profissionais mais habilitados para fazerem diagnósticos e tratamentos. Essa concepção espraia-se entre os profissionais e usuários e cria uma cultura competitiva que dificulta a cooperação e a produção de redes, pois desqualifica a capacidade do outro em dar continuidade ou mesmo “compreender” o cuidado que está sendo produzido. Na perspectiva de uma rede de caráter rizomático, encontram-se os fluxos de encaminhamento e os movimentos que os diferentes atores realizam na produção da rede de cuidado. Diante das dificuldades de construção de redes de cuidado, conexões se constroem entre as equipes de uma mesma unidade configurando-se em uma rede de apoio interno entre os profissionais, que se constrói no cotidiano do trabalho, compondo um “corpo mais forte”, que ultrapassa a pessoa, criando um corpo institucional. Surge também o reconhecimento do aprendizado que se dá em equipe, em rede. O desafio parece ser a criação de dispositivos flexíveis, não burocráticos, que possam construir as redes necessárias a cada situação. Percebe-se que isso só é possível se tomarmos a definição de rede como um conjunto de conexões que se fazem por meio de nós, sempre aberta e móvel, sendo que cada ponto desta pode estabelecer uma conexão direta com qualquer outro ponto. Essa definição contrapõe-se a um sistema organizado verticalmente e mesmo cindido em setores e departamentos, configurando a rede rizoma. Considerações finais: Trazendo para o centro os usuários, seus direitos e os limites e as potencialidades de seus lugares sociais, pôde-se perceber fragilidades na produção do cuidado, na composição das redes e na promoção da saúde. Verifica-se também que recursos e conexões são cotidianamente reinventados no encontro entre instituições e sujeitos, que se afetam mutuamente e podem apoiar as práticas de cuidado em rede. A escolha dos serviços de atenção básica como ponto de partida para a investigação problematizou aspectos importantes sobre as redes formais de cuidado indicando questões relativas à comunicação entre os níveis de atenção, o uso dos protocolos, os modos como os diversos profissionais atuam ao se relacionarem com os profissionais de outros serviços e com os usuários, bem como conflitos entre o que é prescrito e o que é vivido no cotidiano dos serviços, entre outros. Os profissionais apontam dificuldades em acionar a rede formal diante das complexas condições de vida e de cuidado e também reconhecem iniciativas individuais e criação de redes de apoio interno que facilitam suas ações. Há de se destacar que as diferentes redes se interconectam e se relacionam. As redes formais coexistem com as informais, algumas vezes não reconhecidas pelos profissionais, apontando a necessidade de se valorizar o usuário e suas redes como protagonistas na busca de apoio que nem sempre tem início nos serviços de atenção básica.


Palavras-chave


cuidado em saúde em rede; atenção básica; pesquisa-intervenção