Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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FILHOS SEPARADOS PELA INJUSTIÇA: a política de saúde como prática de segregação na narrativa de suas vítimas
Luiz Carlos Castello Branco Rena, Thiago Pereira da Silva Flores

Última alteração: 2017-12-27

Resumo


No Brasil, até o ano de 1986, as pessoas com hanseníase eram obrigadas a viverem isoladas em uma das mais de 100 Colônias espalhadas pelo país, seus filhos ao nascerem, imediatamente eram separados de suas famílias, e hoje, estima-se a existência de um contingente de aproximadamente 16 mil filhos separados pela hanseníase. A política pública de internação compulsória para os acometidos pela hanseníase e a separação de seus filhos, teve início com o decreto 16.300 de 1923, sendo substituído pela lei 610 de 1949 e revogada pela lei 5.511 de 1968. No entanto, na prática, as internações e separações compulsórias continuaram acontecendo até o ano de 1986. Portanto, foram 18 anos de extensão da política pública higienista sem uma legislação que a permitisse. Desde 2007 o Estado brasileiro reconheceu como crime a internação compulsória das pessoas com hanseníase. O reconhecimento era uma reivindicação antiga do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase – MORHAN, entidade sem fins lucrativos, que desde 1981 combate o preconceito e a discriminação as pessoas atingidas pela doença e seus familiares. A indenização foi promovida pela lei federal 11.520, garantindo a todas as pessoas internadas compulsoriamente, uma indenização mensal e vitalícia no valor de R$ 1.433,00, beneficiando cerca de 10 mil pessoas. Há sete anos o Morhan luta para que os filhos que foram separados de seus pais pela política pública de internação compulsória da hanseníase também sejam reparados pelo Estado brasileiro, pois pertencem ao mesmo grupo de pessoas que foram enviadas para instituições totais, fato esse desnecessário desde 1945, data que já se sabia a forma de transmissão e cura da hanseníase e arbitrário desde 1968 com a revogação da lei que permitia as internações compulsórias. O objetivo deste trabalho é apresentar através de um documentário de 20 minutos, esse grupo de brasileiros, desconhecidos da sociedade e portadores de estigmas, sequelas e traumas oriundos do seu tempo de confinamento nas vinte e nove instituições conhecidas como preventórios, creches e pupileiras. A ideia inicial para a produção do documentário surgiu no Conselho Municipal de Saúde de Betim, com o intuito de dar visibilidade a essa questão. É no município de Betim que se localiza a ex-colônia Santa Isabel, maior espaço para internação compulsória de pacientes de hanseníase da América Latina, chegando a abrigar 5 mil internos. Os filhos desses internos foram “criados” nas instituições nas cidades vizinhas de Mário Campos e Belo Horizonte. Para viabilização da ideia, o Conselho Municipal de Saúde de Betim inseriu a proposta como uma das metas do PróPet-Saúde 2013-2015, o programa é executado pela PUC Minas/Betim em parceria com o SUS Betim. A coordenação do Morhan Betim, enquanto movimento social, teve participação ativa em todas as etapas do processo, apontando os personagens que participariam das gravações.  No processo de planejamento e definição do roteiro ficou definido que as experiências das cidades de Bambuí onde existe a ex-colônia São Francisco de Assis e da cidade de Belo Horizonte onde existe a Pupileira Ernani Agrícola fossem incluídas. Ambas instituições integraram a rede de organizações que recebiam os filhos separados pela política pública da hanseníase. A inclusão dessas outras experiências, ampliando os cenários e diversificando as histórias narradas foi importante para mostrar o tamanho e a dimensão do problema. O documentário foi gravado no mês de Agosto de 2017 sob a direção de Elizabete Martins Campos. As experiências do processo de gravação foram enriquecedoras tanto para a equipe da Proutora IT Filmes que acompanhou as filmagens, para o movimento social no que tange a novas descobertas e registros, como para os personagens que se sentiram valorizados ao terem seus depoimentos gravados para serem exibidos em sessões públicas para o conhecimento dessa história. O documentário se transformou em mais uma ferramenta do Morhan para a dar visibilidade à causa dos Hansenianos e à sua luta pela indenização desse grupo de pessoas historicamente segregadas. O documentário Filhos Separados pela Injustiça já teve quatro exibições especiais, a primeira na cidade de São Paulo na sede da OAB, a segunda nas dependências da Puc Minas Betim, a terceira na Escola Sindical 07 de Outubro em Belo Horizonte e a quarta no Cine Santa Teresa em Belo Horizonte. As exibições alcançaram um público de cerca de 400 pessoas, que ficaram extremamente emocionadas, impressionadas e mobilizadas a serem multiplicadoras desse trabalho. O impacto nas pessoas que foram criadas nessas instituições ao assistirem o documentário é contundente e emocionante, que tomadas por uma mistura de sentimentos de revolta, dor, descaso, tristeza e angústias conseguem produzir um discurso sobre sua experiência, revelando sua vontade de lutar por uma indenização no intuito de dar visibilidade a esse capítulo da história brasileira ainda tão desconhecido. Vale ressaltar o potencial educativo do documentário. Podemos identificar três grandes possibilidades pedagógicas. A primeira delas como experiência sócio-educativa para as pessoas envolvidas como personagens, lhes permitindo o resgate de suas trajetórias pessoais atravessadas pela história da saúde pública, valorizando suas memórias. São pessoas simples e conhecidas na comunidade que tiveram a narrativa de seu sofrimento documentada e socializada através do filme. Essa atitude foi motivo de orgulho e de mobilização social para todos que tem alguma ligação com a história. Para a comunidade e telespectadores em geral o documentário contribui para a formação de consciência e coloca em debate as esforços no sentido de que algo assim não venha a se repetir com seguimentos da população alcançados por patologias estigmatizantes. Muitas pessoas demonstram, após o contato com a história dos filhos separados, interesse de promoveram novas exibições para diferentes públicos nos diversos espaços de convivência social: escolas, igrejas, movimentos sociais e outras organizações governamentais ou da sociedade civil. O documentário poderá ser incorporado como material didático na formação profissional nas diversas áreas do conhecimento da educação superior. Mas, especialmente na disciplinas dos cursos formam profissionais da saúde onde são abordadas as questões da saúde coletiva, da saúde pública e da ética profissional. O documentário que ainda não foi lançado oficialmente por que estará concorrendo na categoria curta metragem na 23ª edição do Festival Internacional de Documentários “É Tudo Verdade”, que acontecerá em abril de 2018 nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Após a participação no Festival pretende-se estabelecer uma estratégia de distribuição dentro e fora do país, assegurando acesso livre e permitindo que outros grupos e organizações se apropriem da história e dos “Filhos separados pela injustiça”.


Palavras-chave


Hanseníase; Infância; Educação na Saúde