Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O ALUNO PC SEM FALA ORALIZADA NO CONTEXTO ESCOLAR ESPECIALIZADO UM OLHAR DA SAÚDE COLETIVA
Francieli de Ramos, Luciana Branco Carnevale

Última alteração: 2018-01-15

Resumo


Introdução:

Esta pesquisa abordou questões concernentes à linguagem no contexto escolar especializado. Foi enfocado o “diálogo” entre professor e aluno com paralisia cerebral (PC) impossibilitado de produzir a fala oralizada. A fala oral é a modalidade de manifestação da linguagem priorizada na maioria das relações sociais. No âmbito da escola, a fala é pressuposta como um “instrumento de comunicação” que permite a “transmissão/construção” de conhecimentos num processo interativo, desde os primeiros anos da educação básica. Além disso, é ainda pela via da chamada “comunicação oral” que professores avaliam, pelo menos em parte, o modo como tais conhecimentos são adquiridos pelos alunos. A fala é vista, nessa perspectiva, enquanto um meio de retorno quase imediato dessa aquisição e, desta forma, permanece a serviço do próprio processo de ensino-aprendizagem. A ausência/restrição severa na produção da fala oral pode gerar “impasses comunicativos” que comprometem o estabelecimento das relações e dos vínculos entre professores e alunos. A Intersetorialidade é uma diretriz operativa na abordagem dessa problemática. Trata-se de compartilhar desafios e de articular saberes e experiências de distintos Campos para o planejamento, avaliação e realização de ações conjuntas visando ao manejo de situações complexas. Nessa dimensão, o conhecimento sobre o universo escolar e as relações dialógicas envolvendo professores e alunos PCs que não oralizam, ou que não produzem fala considerada “inteligível”, permite ao fonoaudiólogo discutir com os educadores, a concepção reducionista da linguagem enquanto “instrumento de comunicação” e a implicação do “outro” nos êxitos e fracassos do processo educativo. Além disso, espera-se que tal encontro favoreça a interdisciplinaridade entre Fonoaudiologia e Educação e o enfrentamento compartilhado do problema. O presente estudo teve como objetivo conhecer e discutir sobre o modo como se estabelecem, no campo da linguagem, as relações entre professor e aluno no universo escolar especializado voltado a alunos com paralisia cerebral.

Metodologia:

Trata-se de um estudo observacional, transversal, qualitativo e descritivo foi aprovado pelo Comitê de Ética COMEP, sob o número de protocolo 57567016. 10000. 0106. Os participantes da pesquisa foram 14 professores de alunos com paralisia cerebral sem fala oralizada considerada inteligível, atuantes em uma escola especial de um município do interior do Paraná. Os dados foram coletados por meio de entrevista semidirigida, norteada por um roteiro semiaberto de questões, registrados em audiogravador e, posteriormente, transcritos. A leitura flutuante do material transcrito, relativo aos depoimentos dos entrevistados, possibilitou o estabelecimento de dois grandes eixos de análise interpretativa de conteúdo (MINAYO, 1996): 1. A relação professor-aluno que não oraliza: efeitos da ausência da oralidade na interpretação do professor; 2. O (des)conhecimento do professor sobre a Comunicação Alternativa.

Resultados e discussão:

Para exemplificar o primeiro eixo de discussão, serão apresentados alguns depoimentos de professores:

P1:“[...] A gente não tem a nítida certeza do que é, mas há uma forma deles tentarem se comunicar com a gente... pode ser através do olhar, do sorriso e até mesmo do choro. [...] como eles não conseguem falar, a gente tenta meio adivinhá o que que eles querem transmitir ... às vezes tá sentindo uma dor, mas não chora...”

P4:“Então, assim, a grande dificuldade é justamente essa que você nunca sabe o que pode tá acontecendo, você só imagina, você não tem um retorno”.

P6:“Então, ela entende quase tudo. O que é difícil é a gente entendê se ela entendeu, sabe, porque ela não consegue se expressar, ela só responde com a cabeça, e às vezes nem deve ser o que a gente perguntou. É difícil, não vou dizê que nessa parte não seja, sabe?”.

Os depoimentos evidenciam manifestações dos alunos como choro, sorriso, o olhar, as expressões faciais são entendidas como “intenções” comunicativas. Contudo, frente à ausência da fala oralizada dos alunos, sobressaem, nos relatos, as dificuldades de interpretação. Os professores não têm certeza se seus alunos os compreendem. Quando muito, “adivinham”, “imaginam”, “supõem”, “fazem algumas leituras” a partir de sinais no corpo mas, de todo modo, resta a dúvida. Atitudes de “deduzir/traduzir/adivinhar” são extremamente negativas, pois geram retraimento e isolamento do aluno. O professor também se sente constrangido, impotente e frustrado diante destes impasses comunicativos. É nessa dimensão que o processo de ensino-aprendizagem, função maior da escola, torna-se prejudicado, pois tal processo não pode dispensar a linguagem e o seu efeito de comunicação, ainda que imaginário, mas necessário à sustentação do diálogo entre os falantes de uma língua.

Tal efeito, nestes casos, é quase sempre desfeito pelo impacto que a deficiência causa no olhar do professor sobre o aluno. O “imaginário de semelhança” de que “todos somos iguais e falamos a mesma língua”, quase sempre sustentado quando alunos chegam à escola sem qualquer deficiência, é desfeito quando esta se faz presente. A diferença instituída pela condição corpórea de alunos com paralisia cerebral quebra o ideal de semelhança e faz barreira ao diálogo entre professor e aluno. Fomentar discussões sobre a constituição da linguagem na vigência, ou não, da deficiência, no espaço da escola, nos parece fundamental para que o professor venha a se reconhecer diretamente implicado nos êxitos e fracassos do processo de ensino-aprendizagem que envolve esses alunos - um movimento necessário para que possa apostar no aluno e, consequentemente, no seu próprio trabalho.

Quanto ao 2º Eixo:

Dos quatorze professores entrevistados, somente uma professora possui um curso instrucional de doze horas em comunicação alternativa. Nessa dimensão, frente à ausência de fala oralmente articulada, as manifestações corporais restritas desses sujeitos, como “olhares” e “gestos”, longe de serem tomados como movimentos reflexos, convocam o outro a significar e ganham sentido na interpretação. Reconhecer “o corpo” desta forma é admiti-lo como gesto, presença na linguagem: um corpo que é atravessado pelo linguístico e pela interpretação do outro. Contudo, cabe admitir que, nessa condição, resta ao sujeito ser “falado pelo outro”, dado que suas limitações corporais não permitem fazer barreira às interpretações imaginárias que esse corpo suscita. Na relação professor aluno, os sentidos nesse “pseudodiálogo” são comandados sempre pelo professor.

Frente a isso, indaga sobre a possibilidade desses alunos assumirem uma posição protagonista no diálogo, ainda que se possa imaginar que tenham condições subjetivas para tanto. Nessa dimensão, a autora enfatiza que a presença de recursos alternativos pictográficos de comunicação no processo de ensino aprendizagem, permite movimentar leituras do professor sobre o aluno PC que não oraliza. Para ela, a possibilidade de “falar com símbolos” no diálogo com o professor, confere ao aluno uma posição distinta daquela ocupada por aquele que não oraliza e que não dispõe desse recurso.

 

Considerações finais:

A falta de conhecimento acerca da utilização de recursos alternativos de comunicação e do papel desses recursos no diálogo com os alunos faz obstáculo à concretização da própria função da escola enquanto instituição compromissada com uma formação para a cidadania dos sujeitos que não podem produzir a fala oralizada em decorrência de transtornos neuromotores devido a PC. A articulação entre Saúde/Fonoaudiologia e Educação no enfrentamento dessas questões, expressa, nesse contexto, a corresponsabilidade pela garantia do direito humano à educação e, consequentemente, à saúde concebida de forma ampliada neste trabalho.

 


Palavras-chave


Educação especial; paralisia cerebral; comunicação alternativa;