Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-01-15
Resumo
O SUS tem sido incisivo em apontar a necessidade de mudanças no modelo formador em saúde. O amplo reconhecimento da relação entre a formação dos profissionais de saúde e a qualidade da atenção exige o imperativo de formar profissionais de saúde com novos perfis, reorientando a formação para o SUS, para a qualificação da gestão e do controle social. No entanto, isto não tem se traduzido na mudança efetiva dos processos formativos.
Refletir sobre as alternativas de aprimoramento dos processos de formação em saúde é de importância incontestável, pois contribui na criação de um perfil profissional com qualidade e resolutividade, o que significa, de um lado, a qualificação dos recursos humanos em saúde, promovendo uma atenção humanizada às necessidades da população, e, de outro, uma maior efetividade aliada a uma redução dos custos do SUS.
O estudo teve como objetivo avaliar a formação médica para a APS com base nas percepções de egressos do Curso de Medicina da UFC à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais. Vale ressaltar que esse egresso que atuava na APS apresentava capacidade de relacionar sua formação acadêmica com sua experiência nos serviços de saúde. O estudo possibilitou coletar saberes dos egressos médicos que ainda não estavam contemplados no currículo do curso. Esses saberes advindos do “aprender fazendo” na Estratégia de Saúde da Família (ESF) podem ser incluídos pelas Instituições de Ensino Superior (IES) na ressignificação dos processos formativos.
Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa e teve como cenário a Rede de Atenção Primária em Saúde de Fortaleza. O período em que se desenvolveu o presente estudo foi de setembro de 2015 a junho de 2016. Os sujeitos envolvidos na pesquisa foram selecionados de acordo com alguns critérios: a conclusão do curso de Medicina na UFC no período de 2003-1 a 2011-2 que abarca os egressos que vivenciaram a transição do currículo antigo para o novo; e a atuação profissional na Estratégia de Saúde da Família (ESF). Do total de 58 egressos médicos da UFC atuantes na APS em Fortaleza, foram contatados pela pesquisadora 42, pois os demais se encontravam em período de férias ou haviam mudado de município de atuação. Desses 42 médicos que foram apresentados à proposta do estudo, apenas 10 se disponibilizaram a participar das entrevistas.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais gravadas a partir de um roteiro semiestruturado. As percepções dos egressos foram analisadas com base nas proposições das Diretrizes Curriculares Nacionais, remetendo-se sempre a estas, a fim de identificar de que forma estavam (ou não) contempladas neste processo formativo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com o parecer 388.536.
Realizou-se uma análise das impressões dos egressos médicos da UFC que foram entrevistados acerca do seu processo formativo para atuarem na APS. Buscou-se identificar, a partir do conteúdo de suas falas, as concepções que detêm sobre de que maneira a graduação contribuiu ou não para atuarem na ESF: quais disciplinas do currículo agregaram aspectos importantes à prática médica na APS; que críticas eles elaboraram a respeito da formação que tiveram na graduação; e quais sugestões dariam para o aprimoramento dos processos formativos voltados às necessidades do SUS.
A formação médica deve ser pautada no perfil recomendado pelas DCN, a fim de atender às demandas da sociedade, rompendo com o paradigma biomédico. É competência do SUS ordenar a formação dos recursos humanos na saúde, pois, para se aprimorar a educação para o sistema público de saúde, é necessária uma aproximação entre as IES e os serviços de saúde, a fim de articular em conjunto os saberes necessários à formação, numa construção coletiva que alinhe, com as necessidades sociais, o saber-ser, o saber-fazer e o saber-conviver dos profissionais.
A partir da análise das percepções dos egressos acerca dos seus processos formativos para atuarem na APS, emergiram alguns nós críticos que envolvem esses processos, bem como sugestões para o aperfeiçoamento da formação médica promovida pela UFC. Os egressos consideraram que as mudanças curriculares adotadas pela IES repercutiram na formação para o SUS, principalmente com a inserção dos discentes no território da APS nas disciplinas do módulo longitudinal de Assistência Básica em Saúde (ABS).
Em suas concepções, os egressos apontaram a necessidade de se adequar a pedagogia dos docentes ao módulo de ABS, de modo a se distanciar da educação “bancária” e se aproximar da pedagogia “freireana”, que requer reflexão crítica sobre a prática.
Os egressos médicos identificaram como uma dificuldade para a organização e funcionamento adequado do módulo de ABS o fato dos coordenadores das disciplinas não serem especialistas na área da Medicina de Família e Comunidade. Foi sugerido que se buscasse equilibrar esse número de docentes e preceptores com especialização na área em questão. Os egressos consideraram o módulo de ABS descontínuo em relação à inserção dos discentes no território da ESF, alegando que eram inseridos no primeiro semestre e só retornavam à atuação numa UBS semestres depois.
A preceptoria médica foi considerada um nó crítico para a formação na APS; e foi apontada, como estratégia de melhoria, a aproximação da UFC com os serviços de saúde, a fim de planejar junto ao serviço as atividades dos discentes, integrando a proposta do currículo às necessidades das equipes de saúde e da comunidade. Essa articulação da IES com os serviços de saúde também deve buscar capacitar os preceptores que estão nas UBS, para que eles conheçam suas atribuições e possam acompanhar e desenvolver atividades com os discentes de forma mais qualificada.
Em sua maioria, os médicos entrevistados afirmaram que a UFC os preparou para atuar na APS, principalmente pelas vivências potentes e transformadoras que sua inserção no território da ESF proporcionou. Segundo eles, o território da ESF ressignificou suas concepções acerca do que é atuar na APS, em toda sua diversidade e complexidade. Muitos deles foram afetados e transformados por essa vivência e conseguiram romper com preconceitos e medos que traziam em relação à prática na APS – preconceitos e medos que foram, aos poucos, sendo desconstruídos ao passo que dessas vivências iam se aproximando.
O estudo suscitou reflexões acerca da formação dos recursos humanos para o SUS, com suas potencialidades e fragilidades no processo que perpassa o currículo e sua metodologia de ensino, bem como seu diálogo com as orientações das DCN e com o mundo do trabalho, com as necessidades dos cotidianos dos serviços de saúde nos quais esses profissionais estão sendo inseridos. Gerou processos de reflexão-ação objetivando o aprimoramento da formação dos sujeitos implicados com o SUS. Contribuiu para uma proposta transformadora dos processos formativos, a partir do conhecimento, na perspectiva dos segmentos do ensino, do serviço e da gestão, de como ocorrem estes processos, quais os pontos fortes e os obstáculos a serem superados visando melhor o desempenho das instituições formadoras como indutoras de mudanças no sentido de continuar e fortalecer a construção do SUS.