Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Usuário guia: um dispositivo na construção de redes
Kátia Santos de Oliveira, Ana Lucia de Grandi, Regina Melchior, Maira Sayuri Sakay Bortoletto, Maria Lúcia da Silva Lopes, Josiane Vivian Camargo de Lima, Sarah Beatriz Coceiro Meirelles Félix

Última alteração: 2017-12-28

Resumo


Apresentação: A atenção domiciliar, no que se refere ao rearranjo tecnológico do trabalho em saúde, é um campo de tensões entre reprodução do modelo hegemônico biomédico de cuidado e produção de alternativas substitutivas que se aproximam da integralidade. Pode haver simples transferência do cuidado do hospital para o domicílio ou pode haver a produção de novos modos de cuidar, incluindo relações horizontais entre trabalhadores, usuários e suas famílias, cuidado singular e compartilhado. Assim sendo, o objetivo deste trabalho é compreender o cuidado produzido e compartilhado pela atenção domiciliar e outros serviços.

Desenvolvimento: Pesquisa vinculada ao Observatório de Práticas de Cuidado em Redes Atenção Domiciliar e Atenção Básica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa cuja proposta metodológica escolhida foi a cartografia. Autores referência sobre a cartografia destacam a importância de que os pesquisadores vivam os deslocamentos, sentindo os efeitos e composições outras que vão se dando entre campo e pesquisados. Compreendendo que tal proposta contrapõem a neutralidade do posicionamento do pesquisador, e justamente convoca-os a mergulharem no campo pesquisado e com ele viva as intensidades relacionais e afetos agenciados pelo encontro com o outro. Nesse caminhar as falas, sensações e pensamentos devem ser escutados sentidos e verbalizados buscando dar expressão dessa construção com o campo, disparando processos de desterritorialização, dando visibilidade a criação de novas manifestações corpóreas de existências outras de modo de sentir, pensar e agir que encarnem o inédito em nós. O trabalho de campo iniciou com observação de três equipes do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) atuantes em um município da região Sul do país, buscando compreender e participar dos processos produzidos e vivenciados por estas equipes junto aos usuários. E a partir dessa vivência, após quatro meses de acompanhamento, conjuntamente com as equipes, foi escolhido um usuário guia para a segunda fase do trabalho de campo. Nesse momento buscou-se deixar ser afetado pela produção de vida do usuário guia nas suas produções de redes, permitindo que isso se constituísse como dispositivo para os pesquisadores. Durante o acompanhamento do usuário guia, identificou-se temas relacionados ao cuidado e as redes produzidas, a partir de narrativas da família e outros vínculos do usuário, assim como de trabalhadores dos serviços por ele frequentado.

Resultados: Aninha é uma criança de 6 anos, portadora de miopatia (não classificada), adotada aos 4 meses por uma família que tem parentesco de consanguinidade com a criança. Aos 2 anos após uma pneumonia com complicações respiratórias, foi submetida à traqueostomia e passou a ser acompanhada pelo SAD, desde então seu quadro alterna períodos mais estáveis com periodos de instabilidade. Neste processo, várias redes de cuidado, que vão além dos serviços de saúde por ela frequentado, foram produzidas pela própria família da Aninha, o que fez com que diferentes olhares estivessem presentes em seu cuidado. A família na busca de recursos que respondam as necessidades de saúde da Aninha, estabelece vínculos para além daqueles relacionados ao serviços de saúde, conheceram pessoas por meio de redes sociais, que começaram a acompanhar a trajetória da Aninha, passando a fazer parte do círculo de amizade familiar, além de outros mais distantes, em outros estados, fazendo trocas de experiências e de doações de materiais. Como outra forma de busca de recursos, a família se utiliza de meios de comunicação locais, como programas de televisão. Por sua vez, Aninha também constrói suas redes. Como é torcedora do time de futebol local, conseguiu conhecer os jogadores, criar vínculos de amizade com eles e ampliar sua rede de cuidados, indo além do estado de saúde para a produção de vida. Nesta mesma linha, a equipe SAD que a acompanhava, utilizou ferramentas de afeto e vínculo, buscando meios de produzir cuidado para além do que está previsto na portaria que descreve as atribuições do serviço, estando presentes, por exemplo, em momentos festivos da família. Por outro lado, a complexidade do caso da usuária-guia, fez com que necessitasse do acompanhamento de diversos serviços e profissionais. Com isso, um fato vivenciado pelos pesquisadores foi a decisão de submissão da criança à gastrostomia, pelo não ganho de peso. Este procedimento foi proposto para ser realizado juntamente com a cirurgia de correção de refluxo, a qual a criança já seria submetida, pensando que os riscos cirurgicos são muitos, se otimizaria a realização dos dos procedimentos em um único momento. No entanto, a equipe SAD, vinha desenvolvendo um trabalho relacionado à alimentação com a família e a criança, pois segundo a equipe além dos problemas orgânicos, haviam questões sobre hábitos alimentares que precisavam ser revistos. Os primeiros resultados já estavam sendo observados pela equipe, quando o serviço especializado tomou a decisão pela intervenção, sem articulação com a equipe SAD. Um segundo fato que vem sendo acompanhado, é a busca da família pela realização tanto de uma biópsia muscular quanto de um mapeamento genético, como possibilidade de tentar identificar o tipo de miopatia que a criança possui e com isso otimizar o tratamento por ela recebido. Os exames foram solicitados em 2013 e, desde então, a família tentar fazê-los. Nesse caminhar, o primeiro passo, foi conseguir o acompanhamento via tratamento fora do domicílio (TFD) que encaminhou a criança para um serviço de referência em outro município dentro do estado. Porém este serviço, embora sendo a referência, ainda não realizou os exames. Em cada uma das viagens da família para acompanhamento ambulatorial e tentativa de realizar os exames, algum empecilho aparece, falta de recursos materiais, financeiros ou mesmo de profissionais que os façam. E sempre a família retorna aguardando a próxima consulta para uma nova tentativa. O que pôde ser observado é que os serviços não se comunicam, e a responsabilidade de explicar os motivos de não realização dos exmes para o serviço TFD do município, e para os profissionais que acompanham a criança é sempre da família. Por meio de campanhas e eventos, a família tentou arrecadar recursos para a realização dos exames em serviços particulares, porém são procedimentos muito caros, o que impossibilitou esta alterntiva. Com isso, em uma “luta” que já dura anos para conseguir fazer estes exames, a alternativa mais recente encontrada pela família foi apelar ao Ministério Público, como forma de tentar garantir a realização de procedimentos que podem influenciar diretamente no tratamento e cuidados recebidos pela criança.

Considerações finais: Percebemos que em meio a tantas adversidades vivenciadas pela Aninha e sua família, o que predomina é a produção de vida, que independente das condições de saúde, fazem com que a família sempre esteja em busca de meios de produzir cuidado para além da determinação da doença. Embora a equipe SAD tenha produzido forte vínculo com a usuária e sua família, percebe-se que o cuidado ainda vem sendo produzido de forma fragmentada entre profissionais e serviços, que não se comunicam para definir um plano de cuidado singular, fazendo com que as decisões não sejam compartilhadas, perdendo a potencialidade do trabalho coletivo que produz redes e intensifica o cuidado. Por fim, destacamos que apesar de se ter estabelecido um fluxo entre os serviço, isso não garante que o cuidado realmente esteja acontecendo de acordo com as necessidades dos usuários, fazendo com que os mesmos tenham que recorrer a meios judiciais, como o Ministério Público, para ter seus direitos garantidos e a resposta para suas necessidades e problemas.

 


Palavras-chave


políticas públicas, assistência domiciliar, internação domiciliar