Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Itinerários de vida: O uso de álcool e a rua como produtores de subjetividade e realidades sociais
Marinara Nobre Paiva

Última alteração: 2018-01-21

Resumo


INTRODUÇÃO

Em regiões metropolitanas compostas por centros urbanos é muito comum a presença de pessoas em situação de rua. Esta população é formada por pessoas heterogêneas de realidades diferentes, mas com situações em comum: a condição de vulnerabilidade social e a falta de pertencimento na sociedade. Diante disto, um dos fatores para a busca de álcool e outras drogas se dá pela vulnerabilidade citada. Por não compreender esta realidade a sociedade os condena mais ainda a marginalidade e despreza o fato de que muitos destes fazem uso de drogas como fuga de inúmeros sofrimentos. Deste modo, a população em situação de rua é atravessada por estigmas e vulnerabilidades. Entretanto, são também permeados por uma invisibilidade social. A partir do momento em os sujeitos não percebem a escassez material desse público, quando os seus corpos se confundem na cidade como se fosse mais um componente do lugar e quando seu sofrimento é silenciado, é desencadeado uma invisibilidade sobre este segmento populacional. Portanto, o objetivo é compreender como se dá a relação do álcool e as pessoas em situação de rua e de que maneira esta droga colabora para seu convívio em sociedade. Analisa-se, portanto, os processos de estigmatização das pessoas em situação de rua.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho é fruto de uma pesquisa bibliográfica que teve como base de dados Scielo, Lilacs, livros e revistas. Foram utilizados 15 artigos e seu critério de inclusão foram os textos em língua portuguesa compreendidos entre os anos de 2002 a 2017, artigos que abordassem apenas a população de rua e álcool e que fosse de pesquisa qualitativa no campo das ciências humanas. Já os critérios de exclusão foram os artigos de línguas internacionais e blogs sensacionalistas. A análise de dados escolhida é a análise de conteúdo, na qual esta procura dar sentido a determinado documento. A categoria utilizada é a categoria analítica teórica constituída pelos conceitos: pessoa em situação de rua, álcool, drogas, vulnerabilidade, invisibilidade e subjetividade.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A história da população em situação de rua é ligada diretamente ao surgimento de sociedades pré-industriais e, consequentemente, ao movimento de expansão capitalista na Europa. Para a construção das indústrias na época, muitas pessoas foram despejadas de suas terras, especialmente os camponeses, e nem todos foram acolhidos ou adaptados por esse novo movimento. Gerou assim uma grande população nas ruas, em total desalento. No Brasil, a população em situação de rua cresceu na década de 1980 devido a mudança de regime político no país. Justamente nesse tempo foi o momento que a era da globalização eclodiu, as taxas de desemprego elevaram-se e houve uma intensa depressão econômica. Como resultado, a miséria fez parte da vida de muitos brasileiros e acabaram por ter como “moradia” as ruas, sem outras escolhas. Contudo, ainda hoje é muito comum perceber a presença das pessoas em situação de rua, que infelizmente são vítimas de preconceito e segregação social. São vistos como impróprios para a convivência no mesmo ambiente e ao mesmo tempo como pessoas ameaçadoras. Isso faz com que a repressão seja mais um comportamento negativo com esse público. Em consequência, a higienização se torna uma ação paralela à conduta repressora. Portanto, esse segmento populacional é atravessado por vulnerabilidades e opressões. As dimensões citadas colaboram para que a sociedade estigmatize e, ao mesmo tempo, invisibilize essa população. A invisibilidade da população em situação de rua se dá quando não percebemos a falta de recursos materiais dessas pessoas e quando seus corpos se confundem na cidade, como se eles fossem mais um componente do contexto. Deste modo, não permitimos novos encontros, não conhecemos novas histórias de vida e não entramos em contato para compreender como a rua produz a subjetividade dessas pessoas. A invisibilidade social vai para além de seu significado, onde o sofrimento da população em situação de rua é silenciado, não havendo modos de expressá-lo. Também faz parte desse processo “invisibilizante” os locais onde eles habitam, sendo permeados por uma visão de ameaça, vagabundagem e inutilidade. Buscando modos de sobrevivência a tantas mazelas, discriminação e invisibilidade, uma de suas fugas da realidade é a recorrência ao uso de álcool e/ou drogas. O álcool e/ou drogas têm funções que tangem ao aspecto físico, psicológico e social da pessoa em situação de rua. Dentre elas, estão a alteração da consciência para rememorar experiências passadas; integração em grupos que são compostas pelas mesmas pessoas em situação de rua, pois ela é um elemento socializador; ajuda nos processos fisiológicos da noite, tais como frio e fome, bem como em tempos de solidão, alívio do sofrimento psíquico e constrói processos identificatórios tanto com a rua quanto com o álcool e/ou drogas. Portanto, faz-se necessário a Psicologia ter como premissa de cuidado a política de Redução de Danos, na qual esta se fundamenta em apresentar estratégias de cuidado em saúde e melhoria da qualidade de vida do sujeito, reduzindo danos presentes e possíveis danos futuros que a droga possa acarretar.

 

CONCLUSÃO

A partir do que foi visto, percebe-se que o álcool e/ou outras drogas são elementos que se fazem presente em boa parte da população em situação de rua com uma finalidade que se torna muito clara: a sobrevivência nos espaços das cidades. É importante ressaltar que eles auxiliam a tolerar e suportar a realidade de descriminação, estigmas e invisibilidades que as ruas proporcionam, tornando-se assim uma alternativa possível à essas mazelas. Não a toa, as funções da bebida alcóolica e/ou drogas se referem aos aspectos sociais, físicos e psíquicos. Entretanto, as representações sociais que são atribuídas à população em situação de rua tais como maloqueiros, bêbados, bebum, “nóia”, trecheiros e pedreiros segundo dizem respeito só ao que é perceptível, ao visível, ao palpável. Mas as relações que são mantidas com esses elementos dizem respeito ao não tangível, ao subjetivo, ao intocável. Por este motivo, a população em situação de rua é carregada de estigmas sociais, preconceitos e invisibilidade devido a sua condição, seu estado de morada e por ser ela que nos mostra quem somos na intimidade, que fogem de obrigações que nos permeiam e que nos fazem reconhecer nosso lugar de sujeito. Portanto, cabe à Psicologia acolher e propor o espaço da escuta a esses sujeitos atravessados por angústias e sofrimentos, bem como atuar com a política e estratégia de Redução de Danos. Deste modo, são minimizados danos presentes e futuros que as drogas acarretam, bem como alivia e/ou diminui o sofrimento instalado nessa população que tanto precisam do nosso olhar enquanto sujeito e enquanto ciência.

Palavras-chave


pessoa em situação de rua, álcool, drogas, vulnerabilidade, invisibilidade e subjetividade.