Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Saúde e Controle Social: um relato de mobilização comunitária e conquista
Arthur Grangeiro do Nascimento, Wenderson Ferreira da Silva, Luana Cavalcante Silva, Nathallya Tayanny Barros e Silva, Jefferson Bezerra da Silva, Ricardo Ferreira dos Santos Júnios, Leandra Ferras de Miranda Henriques, Ivonete Silva Carneiro Monteiro

Última alteração: 2018-01-11

Resumo


Apresentação: Os princípios e diretrizes do SUS, presentes na Constituição Federal de 1988 e na lei 8080/90 inauguram oficialmente uma perspectiva do fazer saúde horizontal, ampliado e democrático, onde os princípios da Universalidade, Integralidade e Participação Social norteiam esta prática. São diversos e complexos os desafios para operacionalizar cada princípio citado. Particularmente para a participação social, princípio regulamentado pela lei 8.142/90, se identificam dificuldades quanto à mobilização dos cidadãos, aparelhamento político-partidário dos espaços oficiais de controle social e a frágil cultura participativa dentro da população brasileira. Contudo, não quer dizer que inexistam experiências de mobilização, participação social e conquistas concretas a partir delas. Objetivo: O presente trabalho tem o objetivo de relatar uma experiência exitosa de mobilização e participação social envolvendo residentes do Programa de Residência Multiprofissional Integrada em Saúde da Família da Universidade de Pernambuco, trabalhadores de uma Unidade de Saúde da Família (USF) e moradores de um bairro localizado na cidade de Recife – Pernambuco.

Descrição da experiência: A USF apresentava diversos problemas de infraestrutura.  No mês de Junho de 2015 foi dado início a sua reforma, com o objetivo de resolver problemas de telhado, infiltrações, odores provenientes do esgoto e reestruturação das salas de atendimentos. A princípio o prazo para finalização das obras era de três meses. Durante a reforma a USF ficou interditada e não foi ofertado outro espaço para que as atividades fossem desenvolvidas. Diante disto, em busca de uma solução paliativa, a equipe, junto com os residentes, optou por realizar suas atividades em outros espaços da comunidade como Igreja, escola e até mesmo nas casas de comunitários e profissionais da USF.  Nesta conjuntura a rotina se dava na seguinte dinâmica:

  • Os acolhimentos/consultas eram realizados nas segundas (casa de profissional da USF), nas terças (casa de comunitária), na quartas (igreja) e na sextas (casa de comunitária). Nas quintas eram realizadas visitas domiciliares;
  • Os pré-natais, as puericulturas e os curativos em acamados eram realizados em domicílio;
  • O exame de citologia oncótica (prevenção) era realizado na maternidade de referência para a USF em questão;
  • A entrega de medicamentos e vacinações eram realizados em uma Policlínica de referência para a USF em questão;
  • Os atendimentos odontológicos eram realizados em outra Unidade de Saúde da Família nas proximidades;

A dinâmica apresentada acima, que configuraria a rotina das atividades dos profissionais junto à comunidade durante os três meses se estendeu por mais sete meses, totalizando dez meses de reforma sem prazo de conclusão. Este processo gerou uma grande insatisfação dos comunitários, deixando muitas vezes de irem para os atendimentos e até mesmo provocando desentendimentos entre a comunidade, desgaste físico, emocional. Foram realizadas várias tentativas de negociação com a gestão do Distrito Sanitário ao longo destes sete meses posteriores ao prazo estabelecido a princípio. Após os dez meses, as mudanças ainda estavam insuficientes. Diante dessa situação a comunidade, que passou a se encontrar nos diferentes espaços de seu território, construíram laços fortes com a equipe de saúde e entre eles, se constituindo como um sujeito coletivo capaz de se organizar e reivindicar seus direitos. Esse sujeito coletivo, então, se mobilizou para dialogar com a gestão Distrito Sanitário responsável pela USF, objetivando esclarecimentos e estabelecimento de novos prazos. A partir daí se deu uma sequência de encontros e reuniões entre os representantes da comunidade, os trabalhadores da USF, os residentes e a gestão do Distrito Sanitário: uma série de diálogos, de “idas e vindas”. Em um desses encontros a comunidade mobilizada articulou a presença da imprensa, de cobertura televisionada. Nesta reunião foi indicado o retorno das obras e um novo prazo que por sua vez também não foi cumprido e prorrogado novamente, totalizando aproximadamente 16 meses para a finalização de uma reforma que inicialmente durariam três meses. Neste processo de efervescência a comunidade decidiu se reunir periodicamente e formar um grupo com comunitários, profissionais e gestão com o intuito de estar em constante discussão para melhoria da assistência prestada, assim também como a comunidade poderia contribuir junto aos profissionais e gestão para que se tenha um processo horizontal e participativo de todas as instâncias no ‘fazer saúde’. Frente a isto o grupo de residentes, presente em todo o processo, se organizou para dar suporte técnico, teórico e político para solidificar a proposta que nascera da comunidade em um momento de luta, mobilização e negociação.

Resultados: Partindo da experiência relatada é possível destacar premissas para a prática da participação social e controle social no âmbito do SUS que perpassam os limiares dos espaços institucionalizados. Indicando que é possível exercê-los de diversas maneiras. Diante do relato percebe-se como elementos sui generis da participação comunitária:

  • Situação de desconforto em comum que estimule a comunidade à resolução da mesma;
  • Organização da comunidade como sujeito coletivo;
  • Acionar e articular todos os atores (profissional, gestão e comunidade), já que apenas um segmento destes é insuficiente;
  • Instrumentalização advinda do domínio de informações de seus direitos e meios de garanti-los.

A demora para a entrega da USF após a reforma se caracterizou como a situação de desconforto que levou a comunidade a mobilizar-se como sujeito coletivo e acionar profissionais e a gestão, objetivando através desta articulação, a busca pela melhor maneira de alcançar a resolutividade desta situação. Em diversos momentos os atores envolvidos realizaram espaços de troca de informações, munindo-se mutuamente a respeito de direitos e meios de acesso e garantia, o que caracterizou a instrumentalização necessária para caminhar rumo à efetivação do que, no momento, era a conquista almejada: “A USF de volta às mãos da comunidade”.  No processo de instrumentalização surgiu a discussão da implantação de um conselho gestor local de saúde, como resposta a inquietação e vontade da comunidade de continuar a se mobilizar em busca de diversas melhorias paralelas e posteriores à entrega da USF. Apesar do conselho gestor não ter se concretizado formalmente, a conquista política marcou aquele bairro e consolidou um exemplo de experiência de luta política no território.

Considerações Finais: O presente trabalho nos leva a refletir sobre a importância da identificação de situações que têm de ser transformadas, da organização da comunidade como sujeito coletivo, dotado de coerência e coesão. Assim como da importância da articulação dos diversos atores e da necessidade de instrumentalização e acesso a informações e meios de garantia de direitos. Percebe-se que profissionais de saúde, assim como os residentes de saúde da família, comprometidos com o SUS e com os usuários desempenham papel de suma importância frente à participação ativa da sociedade, tornando-se um agente potencializador. O papel de catalisador da Residência Multiprofissional Integrada em Saúde da Família foi imprescindível para a potencialização da mobilização social, devido a sua posição estratégica de articulação ensino-serviço.