Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Expedição em saúde ribeirinha no interior do Amazonas, um relato de experiência da formação médica
Bruno Vianei Real Antonio, Iuri Matias Oliveira Schreiner, Raquel Rodrigues Ferreira Rocha Alencar

Última alteração: 2018-01-02

Resumo


Apresentação: Trata-se de um relato de experiência da participação, contribuição e vivência de internos de medicina da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) na abordagem multiprofissional em Saúde Ribeirinha em município amazonense durante o Estágio em Medicina Preventiva e Social, também chamado de Internato Rural. Objetiva-se descrever as atividades em saúde desenvolvidas neste contexto geopolítico, bem como sua importância e impacto para as comunidades ribeirinhas alcançadas.

Desenvolvimento do trabalho:A bordo de uma embarcação regional amazônica, durante 5 dias consecutivos, uma equipe multiprofissional em saúde navegou pelo rio Uatumã para o atendimento e acompanhamento em saúde de comunidades ribeirinhas. O rio Uatumã, um afluente da margem esquerda do Rio Amazonas, localiza-se na área rural do município amazonense de Presidente Figueiredo, distante 107 Km de Manaus. Para se chegar ao rio, percorreram-se, por via terrestre, 35 Km em um ramal de difícil acesso.

A organização e logística envolvida nesta ação em saúde foi subsidiada pela Secretaria Municipal de Saúde de Presidente Figueiredo, que, gentilmente, convidou 2 internos de medicina da UFAM para embarcar na Expedição em Saúde Rio Uatumã.

A equipe multiprofissional em saúde era composta por 2 médicos generalistas, 2 enfermeiros, 2 técnicas em enfermagem, 2 cirurgiãs dentistas, 1 auxiliar de dentista, 1 assistente social, 1 psicóloga, 1 microscopista, além de 2 Agentes Comunitárias de Saúde (ACS). Na equipe de ação social havia 1 cabeleireiro, 1 técnico administrativo e 1 fotógrafo, que trabalharam em cortes de cabelo, emissão de registro de nascimento e documentos de identificação, respectivamente.

Foram visitadas cinco comunidades ribeirinhas (Porto da Morena, Maracarana, São Benedito, Bela Vista e São Francisco de Assis) localizadas às margens do rio Uatumã, ao longo de 60Km de trajeto fluvial. Ressalta-se que a via fluvial é a única maneira de acesso a estas comunidades ribeirinhas, muitas das quais sem acesso à energia elétrica, água encanada ou sistema sanitário de esgoto.

O barco regional utilizado tinha capacidade para 30 pessoas. Além do comandante e 2 auxiliares, uma excelente cozinheira e sua ajudante compunham a equipe técnica. O compartimento de cargas foi destinado ao armazenamento das cestas básicas para doação, estoque de água, mantimentos e combustível, além de funcionar, de forma adaptada, o consultório odontológico, com o auxílio de um gerador de energia elétrica

A parte superior do barco regional contava com a cabine de comando, 3 camarotes com um total de 12 camas, 2 banheiros, cozinha e um espaço central multiuso. Durante o dia montava-se a farmácia, realizavam-se atendimentos médicos e de enfermagem e refeições, além de dormitório (redes estendidas) no período noturno.

Os materiais e insumos necessários à prestação dos serviços em saúde foram providenciados dos estoques das Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Presidente Figueiredo e transportados em caminhões baú até a embarcação. Os internos de medicina participaram de todas etapas envolvidas nessa logística, desde o planejamento das ações e recrutamento de pessoal, até o carregamento e transporte dos recursos materiais.

O modelo de atendimento às comunidades ribeirinhas era baseado na Estratégia de Saúde da Família Ribeirinha, em consonância com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Portanto, havia o seguimento longitudinal e contínuo (mensal) em saúde. Apesar das especificidades geográficas da extensa área do Uatumã, a população era rigorosamente adscrita e cadastrada. Existia forte vínculo entre a equipe de saúde e a população ribeirinha, evidenciado pelo próprio tempo de acompanhamento, bem como pelos depoimentos de gratidão pelos serviços prestados.

Resultados e/ou impactos: Os internos de medicina auxiliaram no atendimento médico de mais de 300 pessoas. Em alguns momentos, sob preceptoria, fizeram o atendimento em saúde, discutindo as melhores condutas e orientações individualizadas para cada caso. Tiveram a oportunidade de aplicar os conhecimentos obtidos com a Medicina de Família e Comunidade (MFC) através do SOAP (subjetivo, objetivo, avaliação e plano), um registro em saúde orientado por problemas.

Praticaram o raciocínio clínico dentro das instâncias da anamnese e semiotécnica do exame físico. Além de auxiliar no preenchimento de receitas médicas e encaminhamentos (principalmente ao ortopedista e oftalmologista), também houve a oportunidade da realização de procedimento microcirúrgico de drenagem de abscesso no pé de uma pré-escolar de 3 anos de idade seguida da confecção do curativo e prescrição com enfoque na compreensão de todas as orientações e posologia das medicações pela mãe, sempre sob assistência e orientação médica.

Desde o primeiro contato com a equipe multiprofissional os internos se apresentaram e se colocaram à disposição para auxílio no serviço. Aprenderam o nome de cada integrante do barco, estabelecendo bom entrosamento e criando novas amizades. Prezaram pela responsabilidade profissional e social de cumprir com os horários e determinações da coordenação da ação em saúde. Registraram com fotos e diário de campo suas atividades durante toda a viagem.

Nas consultas de pré-natal, planejamento familiar e ginecológicas havia a dupla abordagem médico-enfermeiro com o intuito de ampliar a resolução das necessidades e demandas em saúde. Os internos de medicina perceberam que o trabalho multiprofissional trouxe resultados mais satisfatórios e positivos para a saúde materno-infantil ao aumentar a adesão das mulheres às orientações e cuidados em saúde, além da oferta de assistência com olhares e dizeres diferentes, porém complementares em saúde.

Neste contexto, a colaboração dos internos, quanto a promoção e prevenção de saúde, foi realizar uma capacitação com as 2 ACS da área do Uatumã sobre o Pré-Natal, a sua importância e as atribuições e competências éticas e profissionais das ACS. Como referência, utilizamos o Caderno de Atenção Básica número 32 (Pré-Natal de Baixo Risco) do Ministério da Saúde. Confeccionamos um folder com figuras ilustrativas e uma tabelinha de acompanhamento.

Ressaltamos também o papel fundamental de toda equipe de saúde e da própria gestante na prevenção de agravos e promoção da boa gestação fornecendo orientações de qualidade, transmitidas de diversas formas, como abordagem face a face, roda de conversa ou consultas familiares.

A competência cultural do profissional em saúde em adotar uma linguagem de fácil entendimento para os ribeirinhos é essencial para a colaboração e adesão terapêutica. Percebeu-se a grande importância de entender o ribeirinho em todos os seus aspectos sociais, econômicos, culturais, espirituais, biológicos e físicos. Ou seja, não basta a identificação do problema e a prescrição do remédio ou orientação. É necessário, em qualquer realidade de saúde, certificar-se do entendimento, da compreensão por parte das pessoas atendidas, do que foi falado, prescrito ou explicado.

A baixa escolaridade foi uma importante barreira encontrada quando os internos auxiliaram nas atividades da farmácia e distribuição de medicamentos. Ao indagarmos as pessoas sobre que remédios ou orientações haviam em suas receitas, percebíamos, em muitos casos, a dificuldade na compreensão ou leitura da receita. Havia, portanto, um analfabetismo funcional preocupante. A contraproposta dos internos foi confeccionar receitas com desenhos simples para o entendimento da quantidade e horários dos fármacos, além de sempre checar o bom entendimento.

Considerações finais: O impacto comunitário desta expedição para a saúde ribeirinha foi extraordinário e positivo. Uma sensação unânime de acolhimento e cuidado foi transmitida pelas 300 pessoas alcançadas. Relatos de gratidão e gestos de carinho ratificaram este impacto positivo. A formação acadêmica é engrandecida e deve ser estimulada no ambiente rural/ribeirinho.

Palavras-chave


Formação Médica; Saúde Ribeirinha; Atenção Primária em Saúde; Rio Uatumã