Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Troca de saberes e afetos: uma experiência de educação permanente na Estratégia de Saúde da Família
Arthur Grangeiro do Nascimento, Francijane Diniz de Oliveira, Leandra Ferraz de Miranda Henriques, Ivonete Silva Carneiro Monteiro, Isabel Cristina Oliveira Sobral, Márcia Rangel dos Santos Tavares

Última alteração: 2017-12-20

Resumo


Apresentação: A ruptura com o modelo de atenção centrado em doenças, hospitais e tecnologias duras só poderá ser alcançada, além de outros fatores, a partir da compreensão, por cada profissional, de seu próprio processo de trabalho. Foi com esse objetivo que em 2007 o Ministério da Saúde lançou as diretrizes para implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Esta política faz parte de um rol de esforços efetivar o que exige o inciso 3 do artigo 200 da constituição federal do Brasil, onde “atribui ao SUS a competência de ordenar a formação na área da saúde.

A dimensão de educação permanente considerada neste trabalho é a que se pauta por relações horizontais de compartilhamento e construção conjunta do conhecimento. Sua essência está no objetivo de transformar realidades, no movimento a partir da inquietação, do incômodo de uma situação, fato ou modelo vigente e, por isso, deve partir dos problemas cotidianos concretos, pensa-los, coloca-los em questão, analisa-los e transformá-los numa situação que atenda as necessidades coletivas. Objetivo: O presente trabalho tem o objetivo de relatar a experiência de um processo de educação permanente com duas equipes de saúde da família de uma Unidade Básica de Saúde do Município de Recife – PE.

Descrição da experiência: Para a realização dessa intervenção, foram realizados encontros mensais de educação permanente, com duração de seis meses, com a participação de agentes comunitários de saúde (ACS), técnicos de enfermagem, enfermeira, médicas, cirurgiã dentista e residentes do Programa de Residência Multiprofissional Integrada em Saúde da Família (uma enfermeira, uma farmacêutica, uma terapeuta ocupacional, uma fisioterapeuta e um nutricionista). O percurso metodológico para condução do processo de educação permanente utilizou metodologias ativas, que perpassaram pelo compartilhamento das historias de cada profissional individualmente, até a importância de cada profissão para o desempenho do trabalho no coletivo, nos quais foram utilizadas abordagens como a Tenda do Conto e Mapas Analíticos; e estudos sobre os instrumentos de visita domiciliar, que podem contribuir para o processo de trabalho. A Tenda do Conto foi o ponto de partida de todo o processo. Buscando promover o autoconhecimento dos membros da equipe de saúde, bem como a identidade e o amadurecimento de seus componentes, foi proposta a ideia de, a partir de um objeto representativo de sua atividade profissional, essas pessoas explorassem histórias de suas vidas e de seus trabalhos. Antecipadamente, avisados para escolherem e levarem esse objeto ao encontro marcado se formou um círculo e se iniciou esse momento integrativo com a divisão do grupo em duplas para realização de massagem corporal. Este momento foi finalizado com a dinâmica do nó, onde cada um dava as mãos a pessoas diferentes e que não estavam ao seu lado, entrelaçando o grupo, que precisou estar unido e integrado, desatar o nó formado e retornando ao grande círculo formado.

Já os mapas analíticos são instrumentos para análise do processo de trabalho para ser utilizado pelos próprios trabalhadores no cotidiano de seus serviços. A construção de mapas analíticos se dá a partir de um debate coletivo com contribuição de “disparadores” da discussão, que vão sendo delineados por cada ator que se coloca. A aposta nesse instrumento é por uma cartografia impulsionada pelo desejo, pela subjetividade, pelas afetações que irão gerar fluxos conectivos entre os debatedores e cartógrafos da micropolítica do trabalho. Tem como objetivo, também, a exposição de subjetividades, fluxos de intensidades, desejos, conflitos, processos de subjetivação, os processos de captura dos atos produtivos, a liberdade, revelação das concepções sobre trabalho, saúde, cuidado, ética, política e suas relações com o cotidiano. A utilização dos mapas analíticos foi, num primeiro momento, para disparar a discussão sobre os diferentes papéis de cada profissional da equipe de saúde na perspectiva de alteridade e reconhecimento mútuo. Ou seja, foi realizado o exercício para que cada núcleo profissional descrevesse, além de sua própria função, a de um núcleo distinto do seu. Os grupos de núcleos profissionais foram divididos e receberam duas cartolinas, uma no formato retângulo e outra no formato de círculo. Para o primeiro formato, cada profissional descreveria as funções de seu próprio núcleo profissional, e para o segundo formato, de um núcleo profissional distinto do seu, estabelecido por sorteio.  Cada grupo expos o que escreveu nas cartolinas seguindo-se de um debate produtivo em que surgiam novos elementos em relação à organização da equipe e à concepção que uns profissionais tinham sobre outros. Ao final foi lida as atribuições de cada profissional de saúde presente na Política Nacional de Atenção Básica, gerando mais uma rodada de discussões. Esse momento foi de grande troca de saberes, de reconhecimento mútuo, demonstrando que, mesmo com a convivência diária, ainda há muito que aprender sobre o papel de cada trabalhador presente na equipe. Isto gerou uma reflexão da importância destas atividades para o fortalecimento do trabalho em equipe. O encontro seguinte utilizou os mapas analíticos para discutir quatro elementos das práticas cotidiano de trabalho: os atos indispensáveis ao trabalho, os atos inúteis, os desafios e as alternativas. O debate em torno desses temas que tiveram seus registros em cartolina. Após ser elencado todos os pontos de cada tema, o grupo, em conjunto, avaliou quais pontos se caracterizam como prioritários do ponto de vista de relevância e viabilidade. Sobre os atos indispensáveis, além dos pontos imprescindíveis como “ser resolutivo”, “dar continuidade ao cuidado” e “ter comprometimento”, a identificação das necessidades das famílias foi classificada como indispensável, somando-se ao desafio da “seletividade das visitas” deu origem à construção de uma alternativa nova, além das elencadas antes do início do exercício de classificação das prioridades. A alternativa prioritária foi a utilização de um roteiro para visita familiar que seja capaz de identificar as necessidades das famílias de modo integral e que dê condições para organização da demanda, facilitando a seletividade de visitas domiciliares.

Resultados: O primeiro momento desses encontros foi necessário, já que a troca de afetos estimulou a coesão do grupo e facilitou a comunicação das ideias de cada ator envolvido, os encontros seguintes foram marcados pela maior fluidez das relações do coletivo. Durante essa experiência foi observado aspectos como um maior conhecimento do papel de cada ator entre si e da equipe de forma conjunta, a identificação dos desafios e principais problemas da equipe, bem como, as ações que eram necessárias e as que estavam obsoletas dentro do processo de trabalho. Desse modo, ficou claro a maior compreensão que o grupo obteve do seu processo de trabalho e qual o ponto de partida, viável e ao seu alcance, para resolver os principais entraves identificados.

Considerações finais: O processo de trabalho não envolve apenas a dimensão técnica, os instrumentos “duros”, mas também uma série de fatores que envolvem as relações humanas como os processos de subjetivação, os sentidos que cada profissional dá ao seu trabalho, os significados que são construídos individualmente dentro da equipe, os afetos. A experiência aqui relatada partiu dessa consideração e observou sua importância. A maior compreensão do processo de trabalho por cada profissional foi evidenciada, demonstrando a necessidade da educação permanente em saúde na perspectiva aqui considerada.