Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Práticas Integrativas e Complementares Grupais e a construção de redes solidárias de cuidado no sistema prisional feminino
Maria Valquiria Nogueira do Nascimento, Oswaldo Gomes Corrêa Negrão, Fabrine Emanuelle Silva Medeiros, Lázaro Alves da Silva, Monalisa Lucena de Almeida Oliveira, Iris de Fátima Dantas de Medeiros, Giovanni Sampaio Queiroz

Última alteração: 2017-12-20

Resumo


 

Observa-se que a população carcerária feminina, em âmbito brasileiro, tem crescido gradativamente em razão da problemática da violência e das situações de fragilidade social e econômica a qual milhões de mulheres estão submetidas. Em meio a este crescimento, a presença do público feminino nas prisões tem aumentado em torno de 37,47%, e representa um crescimento anual de 11,99%. Nesses espaços, as mulheres estão confinadas num sistema pautado numa lógica punitiva, sem a garantia das condições dignas de atendimento e uma política de ressocialização que, de fato, vise a reinserção social da pessoa encarcerada. Em geral, essas mulheres são jovens, solteiras, possuem filhos, têm baixo nível de escolaridade, renda familiar precária, e, em termos de condições prisionais, enfrentam problemas, como: a perda de laços afetivos familiares, de relacionamentos amorosos, a negação da maternidade, as fronteiras erguidas entre o ser e o ambiente, o medo, a tristeza, o desconforto, a ansiedade, a insegurança do futuro, entre outros. Todos estes elementos são experiências de sofrimento que provocam altos níveis de problemas de saúde, com ênfase na saúde mental das mulheres encarceradas.

Nessa perspectiva, por meio de um projeto de extensão, emergiu a preocupação de poder abstrair elementos que pudessem subsidiar, de forma crítica e reflexiva, a inclusão das Práticas Integrativas e Complementares Grupais na atenção à saúde mental de mulheres privadas de liberdade. As Práticas Integrativas e Complementares (PIC’s) apresentam-se como ferramentas que podem propiciar a recomposição da integralidade e da saúde mental das mulheres no cárcere, por meio da qual as pessoas e grupos sociais protagonizam um maior controle sobre suas vidas. Em 2006, o Ministério da Saúde [MS], através da Portaria GM no 971 instituiu as PIC’s como política de governo, com vistas a ampliar a pluralidade terapêutica, antes restrita aos setores privados. Dentre as práticas previstas estão: a homeopatia, acupuntura, medicina tradicional chinesa, termalismo, medicina antroposófica, plantas medicinais e fitoterapia, Reiki e Lian Gong. Mais recentemente, foram incluídas na política práticas como: arteterapia, ayurveda, dança circular, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala e terapia comunitária integrativas. Dentre as diversas PIC’s recomendadas pela política, este relato abordará sobre a implantação de práticas de caráter grupal, tais como: tenda do conto, terapia comunitária, danças circulares, teatro do oprimido, círculo de cultura.

Sem desejar minimizar ou secundarizar as ações individualizadas, a opção pelas atividades grupais justifica-se em razão das estratégias de intervenção em grupo se constituírem como redes de apoio social, na qual produzem-se fazeres e saberes a partir da socialização de experiências. Ademais, o espaço coletivo possibilita um maior debate sobre as dificuldades e uma melhor expressão dos saberes das pessoas, na medida em que propicia o conhecimento de aspectos que não são possíveis nos atendimentos individuais.

Diante do exposto, a presente proposta objetiva apresentar a experiência de implantação das Práticas Integrativas e Complementares Grupais num sistema prisional feminino, com vistas a oferecer um espaço de escuta e ressignificação das experiências de sofrimento psíquico vivenciadas no cotidiano do cárcere. A referida prática é resultado de um projeto ainda em curso que busca uma articulação da tríade ensino, pesquisa e extensão, de forma indissociável, na medida em que estabelece uma interlocução do ensino com o sistema prisional feminino e a comunidade, ao mesmo tempo que promove uma formação em Psicologia comprometida com as reais demandas sociais e com a ressignificação das práticas hegemônicas de cuidado em saúde no âmbito da privação de liberdade.

As ações extensionistas em Práticas Integrativas e Complementares são realizadas uma Penitenciária Regional Feminina, num município do Nordeste Brasileiro, e conta com uma média de 100 (Cem) a (110) internas. Deste universo, as PIC’s grupais são realizadas com 15 mulheres, número determinado pela direção do estabelecimento.

Os princípios metodológicos que orientam a presente proposta estão fundamentados nos pressupostos da educação popular e, portanto, pautados na ação humana enquanto possibilidade de suscitar processos educativos dialógicos que favoreçam a capacidade criativa, crítica e reflexiva de todas as pessoas envolvidas no projeto. Desse modo, objetiva-se, especialmente, estimular a corresponsabilidade das mulheres encarceradas na busca de alternativas para as experiências de sofrimento acarretadas pelo processo de institucionalização da prisão e o empoderamento enquanto potência de agir diante da vida.

Em termos operacionais, as atividades têm sido realizadas a partir das seguintes etapas: a) sensibilização da equipe de trabalho: encontro com todos os trabalhadores e trabalhadoras do sistema prisional feminino, cujo objetivo foi sensibilizar para a importância das atividades de Práticas Integrativas e Complementares Grupais como estratégia de produção de cuidado e promoção de saúde mental das mulheres, com vistas a minimizar o sofrimento psíquico provocado pelos efeitos da privação de liberdade; b) planejamento participativo: promoção de uma roda de conversa com as mulheres para apresentação e construção de vínculo de todos os participantes do projeto, estudantes e colaboradores, na perspectiva de planejar conjuntamente as ações da extensão; c) oficina de formação dos discentes e colaboradores do projeto nas ferramentas de Práticas Integrativas e Complementares Grupais: organização de um curso de formação para toda a equipe envolvida nas ações de extensão, a fim de que todos se apropriassem dos pressupostos teórico-metodológicos das ferramentas grupais a serem implantadas ao longo do projeto, tais como: tenda do conto, terapia comunitária, teatro do oprimido, danças circulares, círculo de cultura, dentre outras; d) implantação das atividades de Práticas Integrativas e Complementares Grupais: consiste na realização de encontros semanais com as mulheres, cada um com duração de aproximadamente 02 (duas) horas, nos quais executamos atividade de PIC’s Grupais mencionadas anteriormente, desde o mês de abril de 2017 até o presente momento. Ressalta-se que a escolha das ferramentas grupais desenvolvidas em cada encontro é feita em razão das demandas e necessidades apontadas pelas mulheres; e) Avaliação: realizada com todas as pessoas envolvidas no projeto, num processo contínuo, a partir das reuniões semanais para planejamento de atividades; e f) construção de saberes científicos: esta etapa tem como finalidade a produção de artigos científicos e outros materiais para divulgação dos resultados do projeto, a partir dos relatos de experiências e vivências registrados nos diários de campo das práticas grupais, dos relatórios dos alunos bolsistas e colaboradores, dentre outros escritos produzidos durante as atividades.

As mulheres que participam do projeto têm entre 22 e 60 anos de idade e apresentam baixos níveis econômico e educacional. Quando se refere aos motivos por que estão privadas de liberdade, estima-se que aproximadamente 75% estão associadas ao tráfico de drogas.

No mundo externo ao encarceramento, nota-se que as participantes do projeto encontram dificuldade de inserção social e econômica, o que demonstra, de certo modo, interdependência dos problemas individuais e o contexto social. Do ponto de vista vivencial da privação de liberdade, tais mulheres apresentam deterioração das condições de vida e da saúde mental, apontando para a necessidade de espaços para a expressão do sofrimento. Nesse sentido, as PIC’s apresentam-se como possibilidade de restabelecimento psicológico, das relações interpessoais e de autoentendimento.

A realização de Práticas Integrativas e Complementares Grupais no contexto da privação de liberdade feminina possibilita a ressignificação dos problemas provocados pela experiência do encarceramento e promovem a saúde mental e ajuda-mútua entre as mulheres, na perspectiva de identificarem estratégias de enfrentamento para o cotidiano da prisão.

 


Palavras-chave


Pic's grupais; rede solidárias de cuidado; privação de liberdade feminina