Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Patologização do modo de ser criança
Hítalla Fernandes dos Santos, Adriana Rosmaninho Caldeira de Oliveira, Denise Aparecida Rodrigues Amancio

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Vivemos no século XXI a era da medicalização em que características individuais e particulares do ser humano tem sido alvo de questionamentos se estas são mesmo características ou se são patologias. A diversidade humana antes celebrada pela sociedade como benéfica e saudável é vista na contemporaneidade como algo ameaçador da ordem social, passando a ser visto como patológico. Esta maneira de ver e de viver a vida tem alcançado as crianças, onde o seu comportamento, o seu modo de ser, suas características individuais, passam a ser apontados como estando fora do padrão, e, portanto, transformando assim questões de ordem sociais em questões puramente individual e orgânico. Não é de hoje que a medicalização existe, o uso deste recurso provoca certa preocupação nas pesquisas atuais, estas apontam o considerável aumento no Brasil acerca de psicotrópicos, salientando que a sociedade é dinâmica e com isso novos mecanismos de controle são desenvolvidos em busca do “viver bem”, portanto a medicalização tem sido um dos mecanismos mais utilizados para modificar o comportamento infantil conforme os interesses de quem estão ao serviço do poder.

Pesquisas demonstram o alarmante crescimento no uso do medicamento metilfenidato por crianças de 6 a 16 anos no Brasil, colocando nosso País no 2º lugar como maior consumidor deste psicofármaco. O uso do metilfenidato foi avaliado no período de 2009 a 2011, onde constatou o consumo em 2000, de 23 Kg, seis anos depois o Brasil já fabricava 226 Kg e importava 91 Kg. Em 2011 a venda do produto alcançou a marca de 413 Kg do produto.

Perante esta realidade é importante mencionar que algumas pesquisas alertam que a medicalização tem assim cumprido o exercício de camuflar reais desconfortos, questionamentos e muitas vezes ocultando violências de ordens físicas e psicológicas, transformando indivíduos em portadores de distúrbios comportamentais e de aprendizagem, e como consequência não abordando de fato a complexidade acerca da vida do indivíduo.

Outro dado preocupante encontrado em fontes preliminares foi o crescimento de novos projetos de Lei que têm tramitado nas três esferas do legislativo: municipal, federal e estadual. Estes projetos de leis buscam inserir diretamente nas secretarias de educação pública a responsabilidade de desenvolver e criar convênios, serviços e programas de diagnóstico e tratamento para os possíveis transtornos detectados dentro do âmbito escolar, referindo-se a dislexia e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade; de modo a permitir livre permissão para que possíveis diagnósticos possam ser realizados dentro da escola, sem infringir a lei.

Autores renomados na temática trazem artigos em que discutem o fracasso escolar em perspectivas transdisciplinares que nos instiga a pensar no porquê essas crianças que riem, correm, falam, e aprendem facilmente tudo o que a vida lhes ensina, são portadoras de patologias exclusivas que apenas se manifestam na hora de estudar. Toda e qualquer criança que não se encaixa nos padrões exigidos pela sociedade, escola ou família, acaba sendo vista como “criança problema”, fazendo com que seja encaminhada aos profissionais da área médica objetivando detectar o problema e que estes sejam imediatamente corrigidos.

Desta forma, perceber o conceito de medicalização significa refletir que no atual modo de vida, este compreende ser um dispositivo de controle e poder, significa dizer que este modelo de relação de poder se estende como prática social e ao ser estendido para toda a sociedade a medicalização infantil tem se alastrado por nosso país como sendo a fórmula mágica para “adestrar” as crianças.

Este resumo apresenta uma revisão de literatura crítica sobre a patologização  e medicalização infantil na perspectiva da Psicologia Social Crítica a partir de trabalhos realizados por profissionais e pesquisadores que vão na contramão dos movimentos que transformam o normal em patológico; que tem como objetivo compreender porque e para quem é tão importante patologizar e medicar as crianças, buscando proporcionar uma reflexão crítica que transforme práticas diárias dos profissionais em saúde mental e de  educação em  práticas que valorizem a individualidade e que respeite a criança em sua totalidade.

Diversos artigos pesquisados no período entre 2015 a 2017 nas bases de dados Scielo e Google Acadêmico e Capes, foram encontrados estudos que tratam sobre os assuntos “medicalização” e “infância”; e observou-se que esta temática tem sido uma preocupação demonstrada por áreas distintas do conhecimento, como a psicologia, medicina, pedagogia, entre outras. Constatou-se, portanto, com base preliminar dos artigos encontrados, que cresce o número de crianças que perdem sua condição de meninice e toda uma série de comportamentos espontâneos e particulares do ser criança, como também passam a ser reconhecidas pela sigla de seu diagnóstico, perdendo então sua identidade infantil.

Podemos observar a sociedade contemporânea apropriando-se dos saberes médicos com a intenção de governar e disciplinar a vida das crianças, inferindo assim o que é ou não, normal e aceitável. Tornando assim, toda e qualquer criança que não se encaixa nos padrões exigidos pela sociedade na qual está inserida, pela escola ou família, em uma criança problemática e desajustada; fazendo com que esta seja encaminhada à profissionais da área médica com o interesse em detectar o problema e que tais problemas sejam corrigidos. Transformando problemas ou características cotidianas da vida humana em patologias, e transferindo a responsabilidade que cabe a si para as mãos de quem possui o poder.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em sua versão atual traz um excesso de possíveis diagnósticos de transtornos mentais direcionados ao ser humano que é quase impossível alguém escapar. Portanto, podemos considerar, que mesmo diante de muitos estudos sobre a despatologização da infância, muito ainda há de ser feito no sentido da prática profissional. Faz-se necessário um atuar que promova a saúde, que valorize a subjetividade de cada criança, que trabalhe com a singularidade, de maneira que não faça da sua prática, apenas mais uma prática. A medicalização por si só não promove a singularidade, a subjetividade, pelo contrário, poderá apagar as marcas individuais e subjetivas das crianças, na busca por igualar todos os seres em uma mesma categoria. Portanto, é preciso acreditar que este e outros estudos irão contribuir para pensarmos em novas ações e intervenções adequadas para desmistificar a infância atual e proporcionar à criança ser quem ela deseja ser, sem que seu modo de ser, agir ou pensar seja transformado em doença.


Palavras-chave


infância; patologização; medicalização; saúde mental