Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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NECESSIDADES EM SAÚDE, PRODUÇÃO E EXPECTATIVAS DE CUIDADO DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA.
Vanessa de Souza Amaral, Adélia Contiliano Expedito, Milleny Tosatti Aleixo, Marianna Karolina Pimenta Cota, Érica Toledo de Mendonça, Deíse Moura de Oliveira, Nicoli Souza Carneiro

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Apresentação: Habitar a rua se constitui como um fenômeno social que deflagra um problema de saúde pública em virtude das desigualdades sociais injustas, desnecessárias e evitáveis, também chamadas de iniquidades sociais em saúde. O contexto da rua é marcado por vivências singulares, como o rompimento familiar, vícios, violência, exploração, solidão e medo. Em consequência disso às pessoas que vivem nessa realidade se submetem cotidianamente a uma condição de vulneração, em virtude das circunstâncias concretas de vulnerabilidade a que estão expostas. Comumente essas estão destituídas dos seus direitos sociais básicos, como moradia, saúde, educação, lazer, trabalho, segurança, entre outro o que reforça as iniquidades sociais em saúde. A Política Nacional para Pessoa em Situação de Rua (PNPSR), instituída em 2009, veio para preencher esta lacuna e viabilizar que esse grupo social tenha acesso aos direitos básicos de cidadania, porém após aproximadamente uma década, observa-se empiricamente que esses direitos continuam não sendo assegurados na prática, em virtude dos próprios profissionais e serviços possuírem escassa ou nenhuma formação e experiência para abordar e acolher pessoas em situação de rua. Desse modo, o presente estudo teve como objetivo compreender as necessidades em saúde da população em situação de rua e a produção e as aspirações de cuidado nesta realidade social. Desenvolvimento do Trabalho: Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, que buscou compreender o universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes dos sujeitos diante de uma determinada experiência vivida. O estudo teve como participantes oito pessoas que vivem em situação de rua de um município situado na Zona da Mata de Minas Gerais, com população estimada de 72.220 habitantes. Foi utilizada a técnica metodológica de seleção de participantes denominada snowball sampling (bola de neve). A eficácia desse método vem sendo reconhecida, sobretudo em situações em que são estudadas minorias populacionais, como é o caso da presente pesquisa. Os dados foram coletados por meio de entrevista com questões abertas entre setembro de 2016 a junho de 2017, em dias, horários e momentos em que eram identificadas as pessoas em situação de rua e que estas se mostravam disponíveis e abertas para concederem seus depoimentos. Os dados foram analisados a partir da técnica de Análise de Conteúdo de Bardin. O estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa, inscrito sob o parecer nº 1.668.567. Resultados e/ou impactos: Dos oito participantes, sete eram do sexo masculino e um do sexo feminino. A idade dos mesmos variou de 34 a 71 anos, com tempo mínimo na rua de oito meses e máximo de aproximadamente 25 anos. Sete participantes habitam a região central da cidade e um habitava em um bairro, onde possui cobertura da Estratégia Saúde da Família. No tocante às atividades desenvolvidas na rua, a única mulher participante do estudo é aposentada e alega não ter costume de pedir dinheiro na rua. Quanto aos homens, quatro realizam trabalhos informais, especialmente de catadores, sendo que um destes recebe bolsa família. Dois participantes vivem exclusivamente como pedintes e um é aposentado.  A análise dos resultados permitiu a emersão de três categorias temáticas: Necessidades em Saúde da pessoa em situação de rua; A produção do cuidado na rua e Expectativas de cuidado na rua. Em relação às necessidades em saúde da pessoa em situação de rua foi possível perceber que a vivência na rua traz à tona necessidades em saúde relacionadas às necessidades humanas básicas, com destaque para a segurança, dificuldade de obtenção de alimentos, local adequado para sono/repouso e para a realização das necessidades fisiológicas. Essas necessidades que extrapolam o setor saúde, como na questão da segurança, reafirmam que as ações no campo da saúde coletiva requerem um diálogo permanente com atores, setores, programas e políticas que não estão neste setor, mas que afetam sobremaneira a saúde das populações, constituindo-se, portanto, um desafio a ser enfrentado neste campo. Outra necessidade foi o acesso aos serviços de saúde, que é dificultado pela ausência de programas ou serviços voltados para o atendimento desse público e pela ausência de documentos de identificação. Tentativas frustradas de atendimento acabam fazendo com que essas pessoas geralmente busquem ajuda somente em situações emergenciais. Isso denota que este grupo continua sendo invisibilizado, destituído de seus direitos de cidadão, resultado que ratifica a deficiência na operacionalização das políticas públicas no âmbito da promoção da saúde e prevenção de agravos à essa população no universo estudado. A partir das necessidades vivenciadas no cotidiano esses indivíduos tecem redes de relações permeadas por vínculo e afeto, configurando desse modo uma das facetas da produção do cuidado nesta realidade social. Esse cuidado envolve o campo físico-biológico, espiritual e afetivo-social. Em relação ao campo físico-biológico esses indivíduos traçam estratégias para suprir as suas necessidades humanas básicas (higiene, alimentação e abrigo). Considerando que o município estudado não possui albergue, os participantes geralmente recorrem a instituições de caridade, igrejas, estabelecimentos comerciais (como restaurantes e postos de gasolina), além de poderem contar com as amizades e afetos construídos na rua.  Além disso, a produção do cuidado se assenta sob a espiritualidade, onde os entrevistados se amparam na fé para superar os desafios que enfrentam na realidade da rua, e em sua maioria buscam suporte de Deus. No campo afetivo-social destaca-se o vínculo criado na rua, possibilitando que esses indivíduos encontrem pessoas em quem podem confiar para guardar seus pertences e oferecer alimentação e companhia. Um entrevistado também destacou o apoio e o acolhimento que recebe na Unidade Básica de Saúde do bairro onde habita, situação peculiar encontrada na pesquisa, pois o mesmo é o único que habita um espaço coberto pela ESF. Evidencia-se que ainda que se estabeleçam redes de apoio no cotidiano da rua estas não são capazes de suprir todas as necessidades desse grupo social heterogêneo, pois cada indivíduo possui características singulares, como estratégias de sobrevivência e condições de vida. É neste contexto que inscrevem-se as expectativas de cuidado das pessoas em situação de rua. Enquanto alguns desejam ser assistidos por albergues, outros anseiam deixar definitivamente a rua e possuir uma moradia própria. Outra expectativa emergida dos discursos se trata de haver continuidade do cuidado na rua, o que torna-se viável através da ampliação da cobertura da Atenção Básica nas regiões centrais, de programas como os consultórios na rua ou de arranjos específicos das redes de atenção à saúde voltados às singularidades desse público. O Tratamento dos vícios em clínicas de recuperação também foi vocalizado como anseio, e neste contexto o apoio da família é fundamental, devendo atuar em conjunto com os profissionais da assistência social, saúde e áreas afins, no sentido de fortalecer o tratamento e a reintegração da pessoa após a alta da clínica, no seu contexto familiar. Considerações finais: as políticas sociais, com destaque para a saúde e os profissionais que atuam neste setor, devem atuar para o atendimento das necessidades e expectativas de cuidado emergidas nesta investigação. Para tanto, os profissionais devem se valer de uma escuta qualificada bem como promover ações políticas, transformadoras e dotadas de senso de justiça social.


Palavras-chave


Iniquidade Social; Pessoas em Situação de Rua; Pesquisa Qualitativa