Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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MOVIMENTOS SOCIAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA SOB A ÉGIDE DAS REDES DE INTERAÇÃO: apontamentos sobre as práticas de participação.
Vanessa Calixto Veras, Lucia Conde de Oliveira, Maria Rocineide Ferreira da Silva

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


INTRODUÇÃO: As lutas por garantias constitucionais em torno do processo de democratização do país implicaram na reconfiguração de papéis entre Estado e sociedade civil, repercutindo na execução de políticas públicas para assegurar os direitos sociais. Contudo, a consolidação da política neoliberal, apresenta um contexto de cidadania restrita que se torna mais complexo nas periferias dos grandes centros urbanos. Dessa forma, percebe-se a importância da discussão sobre a organização e participação da população frente a esse contexto. Os movimentos urbanos apresentam relação direta na compreensão dessas políticas, por congregarem reivindicações por melhorias nas condições de vida e nos serviços públicos, que repercutem nos processos de tomada de decisão estatal. Este trabalho é parte das reflexões elaboradas na dissertação que objetivou analisar as práticas de participação de uma rede de movimentos sociais na luta por direitos. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: O estudo constitui-se na abordagem qualitativa do tipo pesquisa participante para melhor análise de discursos e práticas. Apostamos na investigação participante como forma de reunir compreensão crítica da realidade e engajamento político, sendo desenvolvida no período de dezembro de 2015 a agosto de 2016, no território do Grande Bom Jardim, situado no Município de Fortaleza-CE. Esse território foi selecionado para realização da pesquisa por existir uma rede de movimentos sociais e a constituição local de coletividades, permeada por uma experiência amadurecida de participação, ou seja, o contexto adequado para o tipo de pesquisa proposta. O Grande Bom Jardim é a região mais populosa do Município de Fortaleza, situada na área de abrangência da Secretaria Regional V, uma das sete unidades administrativas em que se encontra dividido o município. A área concentra os menores indicadores socioeconômicos da cidade. Dentro das diversas experiências locais de engajamento político e de organização popular se insere a Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim, na qual optamos por concentrar nossa análise para fins de estudo. A Rede DLIS articula entidades e movimentos, demandando questões específicas para cada um dos cinco bairros da Região e atua em processos de diagnóstico, planejamento e monitoramento de políticas públicas de efetivação de direitos humanos. A amostra foi composta por 15 representantes das Comissões de Trabalho da Rede DLIS, que no período da pesquisa atuavam nas seguintes Comissões de Trabalho: Comissão de Moradia Digna, Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) e Meio Ambiente; Comissão de Crianças, Adolescentes e Juventudes; Comissão da Memória, Cultura e Educação; Comissão de Saúde; e Comissão de Articulação.  A construção das informações empíricas foi obtida mediante observação participante, entrevistas e pesquisa documental. Utilizou-se o referencial da análise do discurso e triangulação de técnicas para organização dos dados e abordagem das contradições presentes no processo de participação desta rede de movimentos sociais. O projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil (MS) e apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará e obteve parecer favorável sob o número 1.506.207. RESULTADOS: Pensar sobre as configurações do Estado e seu papel regulador na sociedade brasileira, parte da referência de uma sociedade ordenada em bases capitalistas, permeada pela relação capital/trabalho. É na relação entre Estado e sociedade civil que aparecem os movimentos sociais, não havendo um conceito unívoco a respeito, mas vários a depender do contexto sócio histórico e do paradigma em que está sustentado. Os tempos atuais apresentam nova configuração aos movimentos sociais, os diferenciando dos movimentos emergentes que despontaram na cena pública no século XIX e início do século XX, com movimentos operários e revolucionários; dos movimentos insurgentes nos Estados Unidos na década de 1960. No Brasil, os atuais movimentos se distinguem daqueles da fase do regime populista e também dos movimentos que emergiram no final da década de 1970 e atuaram parte dos anos 80 na luta por “direito a ter direitos”. Na atualidade, as formas de associativismo civil no Brasil se expressam em movimentos sociais, redes de mobilizações de associações civis e fóruns, ocorrendo importantes alterações na forma de mobilizações e na forma de atuação, que agora se constitui em redes. É preciso reconhecer a existência de articulações, intercâmbios e formação de redes, temáticas e organizacionais que atravessam os movimentos sociais, com intercomunicação entre tradições e inovações participativas para a criação de um novo projeto de sociedade. No presente estudo buscamos entender como as tradicionais e novas práticas de participação convergiram para a formação da Rede DLIS, captando alguns elementos do universo simbólico e político desse processo. Dessa forma, investimos no entendimento sobre o histórico dessa criação. A Rede DLIS nasceu do investimento institucional de uma organização não governamental que no início dos anos 2000 optou pela escolha metodológica e política da Agenda DLIS. Proposta esta que estava inserida no direcionamento de políticas públicas de combate à pobreza na época, consubstanciado pelas agências multilaterais e de financiamento da sociedade civil. Consideramos que a Rede DLIS é sim uma rede da sociedade civil organizada, mas devido à sua configuração “híbrida”, formada por organizações (associações, ONGs, conselhos comunitários), movimentos sociais e representantes de equipamentos (igreja) e políticas públicas, como escolas, torna-se precipitado emoldurar estritamente essa experiência como redes de movimentos sociais. Entretanto, compreendemos que a iniciativa da Rede DLIS, necessariamente, é atravessada pela perspectiva teórico-metodológica das Redes de Movimentos. É preciso reconhecê-la enquanto processo de ação política, que se gesta a partir de um movimento comunitário e, portanto, fora da institucionalidade formal dos Conselhos de Políticas Públicas. Nessa luta coletiva que se trava cotidianamente, os sujeitos afirmaram que se capacitaram ao longo do processo de participação, favorecendo a tomada de consciência que leva ao reconhecimento das condições de vida. Foi possível identificar que uma das características duradouras dos movimentos e coletivos do Grande Bom Jardim é a busca de afirmação do espaço de moradia e do direito de condições de vida adequadas. Tomando como pressuposto a análise sobre a forma de constituição e as práticas de participação da Rede DLIS, ficou demonstrada uma postura de confronto com o aparato estatal, cujas ações reafirmam a identidade coletiva de organizações e atores sociais em redes de interação na luta por direitos de cidadania. Nessa qualidade de oposição, não se questiona a existência do Estado burguês, mas se faz exigências para o cumprimento de suas competências. Ressalta-se que a postura de frente para o Estado não assume um caráter estritamente reivindicativo, mas também propositivo. Assim, o movimento vai buscar formas de qualificar o discurso e a intervenção. Os coletivos e movimentos sociais organizados reconhecem como direito de cidadania a reivindicação por políticas sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Esta prática política coletiva em rede, que denota algumas das alterações na forma de atuação da sociedade civil a partir dos anos 90, encontrou terreno no acúmulo de experiências locais anteriores, como as mobilizações de atores sociais e entidades pelas Comunidades Eclesiais de Base. Vimos que a intervenção dos movimentos sociais sobre a realidade pode ser projetada de forma estratégica em médio e longo prazo, com táticas que avançam na disputa política pela efetivação de direitos sociais. A experiência da Rede DLIS trouxe a identificação de um projeto comum, com capacidade de influir nas políticas públicas diante de um contexto cuja execução é insatisfatória e que dificilmente considera as distintas territorialidades nas ações existentes.

Palavras-chave


Participação social; Redes de movimentos sociais; Direitos sociais