Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O QUE DESVELAM OS DISCURSOS SOBRE AS “MÃES ÓRFÃS”
Mônica Garcia Pontes, Alzira de Oliveira Jorge, Gabriela Maciel dos Reis, Cristiana Marina Barros Souza, Caio Couto Pereira

Última alteração: 2017-12-28

Resumo


APRESENTAÇÃO

O abrigamento compulsório dos recém-nascidos de mães usuárias de drogas ou em situação de rua, denominadas “Mães Órfãs”, tem se tornado rotina nas maternidades públicas de Belo Horizonte (BH). Essa ação é coordenada por setores do Ministério Público (MP) e judiciário, que a justificam afirmando que essas mães ou suas famílias extensas não são capazes de prover cuidado e proteção aos seus bebês, além de poder colocá-los em situação de risco.

Diante desse cenário o Observatório de Políticas e Cuidado em Saúde da UFMG - que compõe a ‘Rede de Observatórios Microvetorial de Políticas Públicas em Saúde e Educação em Saúde’, da qual participam 17 instituições de ensino e pesquisa - tem se dedicado a analisar as forças envolvidas na deliberação das normativas que orientam essas ações.

As Recomendações nº 5 e nº 6, ambas de 2014, do Ministério Público (MP) de MG e a Portaria nº 3 de 2016 da 23ª Vara Cível da Infância e da Juventude de BH (VCIJBH) inserem-se nesta complexidade de acontecimentos que se tem manifestado de forma restritiva e punitiva em BH.

Os pesquisadores, interessados em captar os elementos críticos e criadores das estruturas de poder que circundam as manifestações relativas a esta problemática, dedicaram-se, entre os meses de agosto e outubro de 2017, a entrevistar atores que pudessem contribuir para o propósito de expressar diferentes concepções que coexistem acerca desse tema. O presente trabalho tem a intenção de apresentar os resultados iniciais da pesquisa no que diz respeito aos modelos de cuidado em disputa no contexto das ‘Mães Órfãs’ de BH.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

Até o momento foram realizadas 11 de 19 entrevistas selecionadas pela equipe do Observatório. Foram ouvidos dirigentes de maternidades públicas, trabalhadores dessas maternidades, trabalhadores da Secretaria Municipal de Saúde de BH (SMSA/BH), trabalhadores dos Consultórios de Rua, representantes do Conselho Municipal de Saúde (CMS) e Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais.  O roteiro das entrevistas foi produzido pelos pesquisadores e versaram sobre as concepções que envolvem o abrigamento compulsório e o efeito da interferência do judiciário na decisão dos serviços de saúde. Foram considerados os pressupostos descritos por Emerson Merhy para a produção da análise microvetorial, cujo objetivo é uma conversação sobre a complexidade do cuidado, de forma a captar as ações e intenções dos atores envolvidos nessa produção.

RESULTADOS E/OU IMPACTOS

Há um consenso entre os entrevistados de que o trabalho dos serviços de atenção à saúde e da assistência social ainda tem insuficiências e precisam se fortalecer para formarem uma rede efetiva de apoio. Eles concordam também que a suspensão da portaria só foi possível pelas ações dos movimentos sociais de resistência que se estruturaram em BH.

Os entrevistados que se mobilizaram contra a portaria nº 3 dizem que a instituição de normativas como esta fragilizam os serviços e que os efeitos lesivos dessa interferência têm sido maiores que qualquer benefício que ela possa gerar. Muitos dizem que se sentiram pressionados e com medo diante das imposições do judiciário.

Os trabalhadores que consideram justificável a normativa, afirmam que o encaminhamento à Vara contribui para padronizar ações e facilitar o trabalho. Estes profissionais dizem que se sentiram amparados com a promulgação dessa norma.

Representantes da SMSA/BH ponderam que a emissão da portaria é mais um exemplo grave da judicialização da saúde. Eles e representantes do CMS nos contam que o MP e o judiciário convocaram, em 2013, reuniões para discutir as recomendações, com a presença de trabalhadores da saúde e Conselheiros Tutelares.  Entretanto, a escuta foi possível apenas para aqueles que tinham interesses alinhados à visão punitiva, protocolar e discriminatória. As decisões foram tomadas sem considerar um diálogo com as mães, culpabilizando-as o tempo todo. O pai e o restante da família extensa não foram nem cogitados para diálogo.

Muitos dos entrevistados dizem que os questionamentos que levaram à produção das Recomendações e Portaria iniciaram-se nas maternidades a partir de relatos e proposições dos próprios trabalhadores.

Os dirigentes das maternidades afirmaram que a interferência do judiciário na retirada dos bebês, sem maior tempo e espaço para a busca de uma rede de apoio, tem produzido um esvaziamento da função de cuidado e produção de laços pelas equipes de saúde, com fragilização profissional e deformação da precedência da unidade familiar para o desenvolvimento das crianças. Afirmam que se trata de uma postura autoritária do Estado que contraria os direitos fundamentais dos cidadãos e desvela um despreparo no cardápio de estratégias para apoiar as mães e recém-nascidos. Eles apontam o fortalecimento da perspectiva de rede e o diálogo despido das verdades institucionais como caminho para produção de desfechos que garantam os direitos de mulheres e crianças em sua integralidade.

Representantes da Defensoria Pública contam que está sendo construído um documento que discute a separação das mães e bebês como violência obstétrica. Estes atores nos dizem que a Portaria nº 3 aparece com a intenção de reforçar o discurso das recomendações e inaugura a modalidade de acolhimento cautelar ou preventivo.

A maioria dos entrevistados não vê nenhum benefício social na Portaria e consideram que ela deveria ser extinta e não substituída por outra. As recomendações e portaria causaram pânico às mães que, até mesmo, passaram a se recusar a ter seus filhos nas maternidades da cidade e têm ido para outros municípios vizinhos ou, até mesmo, têm tido filhos em casa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os discursos dos entrevistados revelam concepções que se assentam em abordagens ora higienistas e patriarcais, ora de ruptura com padrões de comportamento e violações sobre o corpo e a vida do outro.

Há, de um lado, um grupo social ansioso por soluções imediatas que sufoquem as mudanças progressistas na sociedade. Neste contexto, defende-se uma ordem previamente estabelecida que busca se manter, que deseja o controle do corpo do outro, da vida do outro. Predominam vozes que preservam o sistema judiciário como detentor da verdade e essa concepção permite que a Portaria nº 3, mesmo suspensa, continue em vigor na sociedade. A padronização impõe-se contra novas possibilidades de pensamento e de vida. Contudo, forças de ruptura com o instituído surgem nos discursos e fornecem elementos para a produção de novas formas de cuidado, de defesa da vida de todos.

Identificadas essas forças que, em uma análise preliminar, sustentam as disputas que envolvem a situação de separação compulsória de mães e filhos, a equipe do Observatório da UFMG pretende se aproximar dos saberes, identidades, lutas ideológicas que, no cotidiano de trabalho no sistema de saúde e na sociedade, perpetuam a existência, ou não, de determinados modelos de cuidado oferecidos a essas mães.


Palavras-chave


violência contra a mulher; judicialização da saúde; vulnerabilidade social