Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Práticas culturais/tradicionais indígenas em contexto de cidade e sua relação com a promoção de saúde e bem-estar
Mayara dos Santos Ferreira, Marcelo Gustavo Aguilar Calegare, Marcelo Gustavo Aguilar Calegare, Dayana Kellen Onofre dos Santos, Dayana Kellen Onofre dos Santos, Diana Kássia Oliveira de Almeida Silva, Diana Kássia Oliveira de Almeida Silva, Elizabete Amancio de Senna Silva, Elizabete Amancio de Senna Silva, Janaína Léia Passos da Silva, Janaína Léia Passos da Silva, Kássia Pereira Lopes, Kássia Pereira Lopes

Última alteração: 2017-12-20

Resumo


A Psicologia Social há muito tem se dedicado em construir planos de atuação profissional pautados em um compromisso social, ético e político, nos contextos reais da América Latina, direcionados às comunidades e camadas populares. O estado do Amazonas é reconhecido pela existência expressiva de povos indígenas, contando com a migração desses às cidades. Considerando estes apontamentos, este trabalho se refere às atividades de um projeto de extensão realizadas na comunidade indígena Sol Nascente, estabelecida em uma área de ocupação na cidade de Manaus. A comunidade é considerada pluriétnica, composta por moradores indígenas de 12 etnias, e também não-indígenas. Considerando a importância de aspectos como saúde e bem-estar, neste trabalho pretendemos refletir sobre estas categorias atreladas às práticas culturais, objetivando ponderar suas inter-relações. Para isso, fora utilizada a metodologia de Pesquisa Ação Participativa, propondo a integração entre teoria e prática, e articulando pesquisa, extensão e intervenção. O intuito é permitir a implicação de agentes internos e externos que compõem a comunidade, incorporando saberes científicos aos populares na resolução de problemáticas. O projeto foi desenvolvido a partir de visitas semanais à comunidade, utilizando como recursos de obtenção de dados entrevistas, conversas informais e reuniões com moradores e líderes comunitários. A partir disto, foi possível perceber que pessoas indígenas após saírem de suas bases de origem e migrar à cidade passam por um processo de adaptação à cultura deste novo contexto. Em decorrência disso, muitas vezes deixam de realizar suas práticas culturais/tradicionais. Perceber as exíguas práticas sociais e culturais indígenas dessa comunidade permitiu-nos ponderar que muitos moradores indígenas vivenciam um processo de reconformação identitária. Por meio deste, eles agregam modos de vida urbanizados, subtraindo práticas tradicionalmente indígenas, exclusivamente com o intuito de afastar-se das vivências negativas promovidas pela identificação étnica. Foi possível indicar que as práticas culturais, após a inserção de pessoas indígenas em contexto de cidade, se tornaram menos frequentes, demonstrando a importância de refletir sobre a vivência indígena em espaços coletivos citadinos. Identificamos também a influência das religiões na repressão das tradições e símbolos da cultura indígena na comunidade. Algumas igrejas exercitam discursos que demonizam práticas tradicionais indígenas, como a realização de rituais e a utilização de adereços. Em relatos dos moradores, sobretudo os que ainda se reconhecem e se autoafirmam indígenas, identificamos que um dos fatores que colaboram para a afirmação identitária são a manutenção de sua cosmologia, de seus mitos e rituais. Neste sentido, a inibição de hábitos e culturas espirituais, que cerceiam a vivência dos povos indígenas, podem decorrer em agravos principalmente relacionados a efetivação do bem-estar psicossocial e afirmação identitária, que inclusive colabora com as vivências negativas que perpassam a reconformação. Considerando o índice de bem-estar para povos tradicionais, citados por alguns autores e que contém cinco categorias, há menção à dimensão “gerenciamento cultural autônomo”, o qual identificamos que não é exercido plenamente. Tal dimensão expressa a possibilidade de colocar a própria comunidade como protagonista na aplicação de seus saberes e práticas, e também se refere às estratégias de comunicação no repasse destes, através das gerações. São três indicadores: a) auto reconhecimento étnico, como um elemento atrelado diretamente a composição da cultura; b) participação popular em práticas culturais estratégicas, que considera a vigência de práticas tradicionais, levando em conta a quantidade de cerimônias, festas e outros exercícios tradicionais, o envolvimento da comunidade e o significado atribuído; c) diversidade comunicacional, através do bilingüismo, desempenhada pela capacidade de falar a língua materna e a língua nacional, garantindo a pluralidade das relações e do lugar.

Observando estes aspectos, percebemos que o autorreconhecimento étnico e a efetivação de práticas tradicionais através de cerimônias são dimensões prejudicadas principalmente pelos diversos estereótipos e estigmas que acompanham a noção de ser indígena há muitos anos, bem como o atrelamento de seus rituais a condutas malignas e nocivas. A pluralidade linguística aparece afetada por fatores estruturais e financeiros. A comunidade desenvolve a educação bilíngue através do ensino do nheengatu, no entanto, as atividades estavam paralisadas pela falta de material escolar para os alunos (crianças, jovens e adultos), e também pelas condições do local das aulas, um espaço aberto, passível de circunstâncias naturais como sol, ventos e chuvas. Tendo em vista estes critérios, a situação atual da comunidade pode indicar uma experiência opressiva de suas práticas tradicionais, corroborando com a desestabilização da saúde e de seu bem-estar psicossocial.

Todos estes aspectos – sobretudo os de dimensão interativa – têm colaborado com um intenso processo de conflitos intra e intercomunitários, uma vez que muitas dessas problemáticas são corroboradas pela interferência da sociedade envolvente não-indígena, nas práticas culturais indígenas. Como resultado das intervenções comunitárias realizadas pela equipe do projeto de extensão, fora idealizado, em parceria com os moradores, um dia de celebração intitulado pelos próprios comunitários de “encontro de etnias”. Estimulando a autonomia da comunidade, grande parte das atividades foi organizada e promovida pela liderança e moradores. Assim, esta celebração contou com a presença de vendedoras de artesanatos indígenas, bebidas e comidas tradicionais (caxiri, pororoca, peixes assados e cozidos feitos coletivamente), e através do convite de grupos indígenas de outras etnias e assentamentos da cidade, foram realizadas apresentações de danças tradicionais, e grupos de canto. Isto posto, consideramos que a intervenção promovida através do projeto de extensão impulsionou – mesmo parcialmente – o desenvolvimento de aspectos de gerenciamento cultural autônomo, essencial à manutenção do bem-estar. Portanto, de acordo com a realidade desta comunidade percebemos que seus moradores não têm experienciado elementos primordiais à efetivação de sua qualidade de vida, em um lugar que não os permite legitimar seus aspectos culturais tradicionais. A intervenção possibilitou, mesmo de forma fragmentada, exercitar um nível importante na promoção do bem-estar. Contudo, ponderamos que principalmente as condições interativas de moradores indígenas e não-indígenas, alicerça-se ainda em práticas colonialistas, que colocam em supremacia características eurocêntricas, ignorando toda a historicidade étnica destes povos. Está então em pauta a reflexão de como estas condições colaboram com a invisibilidade dos povos indígenas na cidade e, especialmente, na construção de um espaço relacional que não auxilia na promoção de bem-estar. Assim, este projeto de extensão nos permitiu colocar em questão as condições interativas dos povos indígenas desta comunidade, dando a devida importância aos aspectos culturais, étnico-raciais e psicossociais. Consideramos, portanto, essa temática relevante para os estudos em saúde que tangem as populações indígenas, sobretudo em contexto de cidade, ponderando os determinantes sociais para a promoção da qualidade de vida destes povos.

Palavras-chave


povos indígenas, bem-estar psicossocial, práticas culturais, saúde indígena, psicologia social