Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Reflexões sobre o protagonismo de moradores de uma comunidade indígena citadina na promoção da saúde
Mayara dos Santos Ferreira, Marcelo Gustavo Aguilar Calegare, Rayza de Sousa Ramos, Renata Fernanda Cabral Ramos, Rosa Mirtes Araujo, Simone da Graça Campelo

Última alteração: 2018-01-02

Resumo


Há muito tempo percebem-se a existência de processos migratórios, e a presença de povos indígenas em contexto de cidade. Posto isto, consideramos a necessidade de direcionar devida atenção às condições de saúde que se fazem presentes nesses contextos. Alguns autores apontam como um dos principais fatores da migração dessa população às cidades, a dificuldade de acesso à saúde e educação. No Amazonas, sobretudo por questões geográficas, considerando a extensa área de rios que dão acesso às comunidades ribeirinhas e de base, percebe-se a locomoção de moradores destas localidades, para áreas citadinas, na tentativa de facilitar tais acessos. Considerando os pressupostos da Psicologia Social, área de estudo que tem direcionado suas reflexões e atuações acerca de camadas populares, fora realizado um projeto de extensão, que deu base para os apontamentos aqui apresentados. Através da Pesquisa Ação Participante, utilizando como instrumentos de coleta entrevistas semi-estruturadas, conversas informais, e reuniões com moradores e liderança, este estudo foi desenvolvido na comunidade indígena Sol Nascente, localizada na zona norte da cidade de Manaus. Os relatos dos moradores desta comunidade apontam para dados preocupantes a respeito da saúde. Uma das colocações da liderança comunitária diz respeito a ausência de políticas públicas direcionadas para a realidade indígena citadina, sobretudo acerca da saúde. Afirma-se que ao procurarem serviços em alguns hospitais e unidades básicas, o atendimento lhes é negado, e cotidianamente justificado com o discurso de que não estão oficialmente na área a qual estes setores são responsáveis. Esta questão nos remete a outra problemática que inicialmente parece não estar associada à promoção da saúde, e diz respeito a legalização/demarcação das terras indígenas. A comunidade Sol Nascente está localizada em uma área de ocupação, atualmente em processo de legalização perante o Estado, processo este que já vem se estendendo há cerca de quatro anos. Isto faz com que, mesmo a comunidade estando localizada entre dois grandes e reconhecidos bairros da cidade de Manaus (Francisca Mendes 2 e Alfredo Nascimento), esta não se encaixe na área de atendimento proposta pelos dispositivos de saúde presentes. Ponderamos então, a relevância de considerar aspectos estruturais na promoção da saúde de modo a agregar todas as variáveis que envolvem o acesso à saúde de comunidades indígenas, sobretudo em ambientes de cidade. Alguns discursos expõem ainda a dificuldade de atendimento em dispositivos de saúde associada ao fato direto de ser indígena. Há relatos de que muitas vezes profissionais destes setores negam-lhes atendimento em razão de considerarem que esta assistência deve ser realizada por setores especializados, voltados somente para a população indígena, como por exemplo, a Casa de Saúde Indígena (CASAI) que na verdade atua como um hospital de trânsito para pacientes indígenas de outras procedências, e, neste caso não se aplica aos moradores indígenas residentes na cidade de Manaus. Diante disto, também percebemos a necessidade de maior contato das realidades indígenas citadinas nos dispositivos de atendimento em saúde da cidade de Manaus, com o intuito de orientar e informar os profissionais desta área em suas atuações nesse contexto.

Diante destas considerações, refletimos sobre o processo de articulação da comunidade como atores sociais, de modo a minimizar as problemáticas em relação à saúde, e alcançar acesso a estes serviços, até então negados ou dificultados. Assim, percebemos que o protagonismo da comunidade em relação a possíveis mudanças e melhoras no contexto da saúde, é possibilitado principalmente pela presença de ações da igreja católica, através do desenvolvimento de atividades da pastoral da saúde. As atuações da pastoral da saúde, promovidas por uma igreja do bairro vizinho, tem promovido autonomia dos moradores da comunidade, formando multiplicadores. As atividades são estabelecidas pelos membros da pastoral da igreja, mas quem as efetiva no ambiente da comunidade são os próprios moradores, considerando suas particularidades, inclusive étnicas. Os principais responsáveis pelas ações semanais e mensais são líderes (internos à comunidade) orientados pela pastoral, que correspondem a um grupo de moradoras da Sol Nascente. As atividades propostas tem permitido mapear e registrar o desenvolvimento das crianças da comunidade. O grupo responsável visita as casas, conversam com as famílias, passam algumas informações pertinentes à manutenção da saúde, e uma vez por mês fazem medição e pesagem das crianças. As informações são repassadas aos setores da pastoral, que por sua vez, posteriormente, também formulam novas ações na comunidade e orientam as líderes moradoras. Verificamos de forma nítida que a comunicação entre as mulheres líderes da pastoral na comunidade, com seus moradores, é favorecida através das visitas nas casas e da proximidade que é promovida através destas, fortalecendo os laços sociais e comunitários.

Percebemos que a presença das ações de saúde da pastoral da igreja católica, promove mesmo que de forma tênue, o desenvolvimento de protagonismo dos membros da comunidade, e a multiplicação de atores sociais na promoção da saúde. Apesar de considerarmos um grande déficit a realidade indígena na cidade ainda precisar depender de ações assistenciais de setores além do Estado, ponderamos a necessidade e a articulação da própria comunidade na promoção da saúde que é possibilitada através da pastoral, esta que tem sido uma das – senão a principal – ação no estabelecimento de saúde das crianças deste lugar. Os atores sociais desta comunidade, tem se destacado principalmente pelas ações de membros da liderança comunitária, que de forma autônoma, buscam alternativas de facilitar o acesso dos moradores da comunidade aos dispositivos de saúde, em busca de atendimentos, que, principalmente, considerem as suas especificidades culturais, étnicas e estruturais.

O que podemos perceber diante desta realidade, é uma grande dificuldade desta população acessar os setores de saúde, mas que acaba por ser parcialmente sanada, pelos próprios moradores. Diante desta problemática estes tem se articulado com diversas outras coletividades e instituições, no intuito de tentar alcançar os acessos até então não efetivados. Considerando os relatos e as observações realizadas, notamos que formas tradicionais indígenas de cuidado com a saúde são resgatadas a partir desta realidade, notadas principalmente através da utilização de plantas medicinais na confecção de remédios e chás caseiros. Podemos ponderar que os conflitos e as necessidades têm impulsionado os moradores da comunidade na busca pela sua resolução – inclusive perante o Estado através de reivindicações formais – e esta articulação, principalmente entre as mulheres e mães da comunidade – promovida pelas ações da pastoral – tem fortalecido suas relações em rede. Por fim consideramos que mesmo que, por muitas vezes por intermédio de ações externas a comunidade, os moradores da Sol Nascente tem se empenhado em estruturar práticas que possibilitem acesso e estruturação dos serviços que lhe são negligenciados. Deste modo, estes sujeitos tem se inserido de forma atuante em seus espaços sociais e promovido ações de mudança em sua realidade, com o objetivo de melhorar suas condições de saúde e qualidade e vida.


Palavras-chave


comunidade indígena, ambiente de cidade, protagonismo social, promoção de saúde.