Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A Complexidade Do Cuidador Familiar: Um Desafio Para Educação Médica.
Juliana Nascimento Viana, Gabriela Amaral de Sousa, Thaís Tibery Espir, Rosana Pimentel Correia Moysés, Maria da Graça Pereira Alves

Última alteração: 2017-12-27

Resumo


Apresentação: O câncer ao longo dos anos vem despontando em um lugar de destaque no contexto das doenças crônicas degenerativas, tratando-se de uma doença com alta prevalência em todo o mundo. Em meio a esse cenário surge a figura do cuidador que é a pessoa, membro ou não da família, podendo ou não receber remuneração, responsável por cuidar do doente ou dependente através do auxílio em suas atividades diárias e até mesmo oferecendo suporte psicológico nas diversas fases do tratamento. Membros da família costumam figurar com mais frequência como cuidadores, bem como as pessoas do sexo feminino. Sabe-se que cuidar de um paciente com doença avançada traz ao cuidador diversos ônus em sua vida pessoal, sendo comum a sobrecarga gerada pela estressante e ininterrupta rotina de cuidados diários. Durante a realização das atividades de campo do projeto Qualidade de Vida em Mulheres Amazônicas em Tratamento de Câncer de Colo de Útero: Um Estudo com Doentes e seus Cuidadores, os acadêmicos de medicina foram colocados em contato direto com essa realidade, sendo assim possível relatar o impacto sofrido pelos alunos ao se depararem tão profundamente com diversas nuances dessa situação.

Desenvolvimento: Foram aplicados 07 questionários em 40 acompanhantes de pacientes em tratamento de câncer de colo de útero na Fundação Centro de Oncologia - FCecon - que se autodeclararam o principal responsável por auxiliar a mulher como cuidador. A maior parte destes relatou acompanhar a paciente desde o diagnóstico da doença, não tendo, em sua maioria, qualquer tipo de suporte psicológico ou mesmo outro cuidador com quem dividir as ocupações. A entrevista visava colocar o acompanhante no centro da situação, perguntando sobre diversos assuntos do dia a dia, tais como a saúde do cuidador, a opinião dele sobre como a sua vida foi afetada pela doença e pelo comportamento da paciente, os sentimentos que havia desenvolvido por ela durante o tempo em que passaram juntos, como era a rotina dos dois e de que forma ele a encarava, quais estratégias de enfrentamento utiliza ou já utilizou para lidar com a situação, se estava feliz, se sentia-se cansado, se achava que poderia continuar cuidando da mulher por muito tempo, entre outros. Ao longo da realização das entrevistas, os alunos notaram uma enorme dificuldade por parte dos cuidadores de se colocar como o centro das atenções, pensando primeiro em si mesmo e revelando seu ponto de vista, seus sentimentos e pensamentos, além de um constrangimento em admitir que se ressentia por ter que abdicar de suas próprias vidas para viver em função do outro, haja vista que nenhum dos entrevistados era cuidador remunerado. Durante a conversa, foi perceptível como os cuidadores se descaracterizavam como pessoa, assumindo o papel de guardião e assim se despindo de suas particularidades e individualidades, abrindo mão das características que faziam deles pessoas únicas com desejos, sentimentos, fraquezas e cansaço. Eles se colocavam em segundo plano para atender as necessidades das mulheres que acompanhavam, mesmo que para isso precisassem abrir mão de quem eram. O modo como os cuidadores abdicavam de si próprios para cuidar os levava ao extremo de, para citar exemplos, suportar a dor física, a fome, o desconforto de receber um estranho em casa que lhe criticava para o restante da família e de esconder sua sexualidade afim de não prejudicar o tratamento dispensado à paciente pelos profissionais que a cercavam. O maior desafio para os alunos que participaram do campo não foi convencer os acompanhantes a participar, como era esperado, e sim fazê-los entender que o objetivo da entrevista era conhecer seu olhar da situação e que não havia nada de errado em expressar seus pensamentos, mesmo que eles não viessem recheados de sentimentos positivos pela paciente com câncer. No decorrer das atividades do projeto, os acadêmicos tiveram a oportunidade de entrevistar os cuidadores e foi muito chocante constatar como eles haviam renunciado a si mesmos e estavam solitários, pois a sociedade num geral deixou de vê-los como indivíduo e parou de fazer perguntas triviais, porém vitais, do tipo “como está se sentindo hoje?”. Além disso, notou-se quanta dificuldade os cuidadores tinham em responder perguntas simples, contudo, extremamente pessoais que levavam em consideração apenas suas opiniões, reforçando o quanto perderam o costume de dar importância seus posições, crenças e convicções. Os alunos perceberam que o estigma carregado pelo cuidador não deixava espaço para sentimentalismo, fraqueza e cansaço em suas vidas e foi aterrador constatar que a educação cuja estavam recebendo nas escolas de medicina e o meio no qual estavam sendo gradativamente inseridos nos hospitais não os capacitava para ver esse grupo com um olhar diferenciado e reconhecer neles a necessidade de cuidados. Surpreendentemente, ao finalmente internalizarem que eram o foco das perguntas, os acompanhantes sentiam-se felizes em conversar com alguém que estava interessado neles e não na doença da mulher, fazendo com que a entrevista se prolongasse haja vista que aproveitavam para contar detalhes de sua vida que sequer foram colocados em pauta. Essa carência de atenção por parte dos cuidadores acabou fortalecendo a relação de confiança estabelecida entre entrevistador e entrevistado que, embora curta, mostrou-se especial. Assim, muitos deles sentiram-se confortáveis para revelar fatos profundamente pessoais de suas vidas, enriquecendo sobremaneira a entrevista, mas também trazendo à tona outra fragilidade na formação médica, pois eles não estavam preparados para entrar tão profundamente na vida daquelas pessoas, nem para reagir apropriadamente aos rompantes emocionais gerados a partir da reflexão acerca da resposta de uma pergunta.

Resultados: Indiscutivelmente, é enriquecedor entrar em contato com uma população tão ímpar quanto cuidadores de pacientes em doenças crônicas como o câncer de colo de útero. Contudo, também é perturbador para os acadêmicos adentrar neste universo sem o devido suporte que os ensine a ouvir e confortar sem se deixar ser arrastado para o turbilhão de sentimentos no qual estas pessoas estão envolvidas. Perceber as falhas do processo educacional é importante, mas de nada adianta se não forem oferecidos meios que possibilitem um caminho alternativo capaz de diminuir essas lacunas.

Considerações finais: Logo, observou-se que o processo educacional das escolas de medicina não capacita os futuros médicos a olhar de um jeito diferenciado para o responsável por dar suporte a quem está doente, notando o ônus trazido pela atividade repetitiva, incessante e muitas vezes solitária realizada diariamente por longos períodos de tempo de cuidar do outro. Assim sendo, é importante abordar esse tópico dentro das faculdades para que os acadêmicos aprendam a cuidar de quem cuida e também para que o primeiro contato com essas pessoas não seja traumático, pelo contrário, seja o mais benéfico possível para ambos os lados.


Palavras-chave


Cuidador familiar; Câncer; Educação Médica.