Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A saúde mental no cotidiano das Agentes Comunitárias de Saúde em Betim: apontamentos para a educação permanente.
Luiz Carlos Castello Branco Rena, Lúcia Miranda Afonso, Dirley Lellis dos Santos Faria, Rosângela Rodrigues Morais, Helena Gontijo, Júlia Domingues Barbosa, Sofia Piancastelli, Elisiene Fagundes

Última alteração: 2018-01-30

Resumo


Neste trabalho pretende-se analisar a experiência de uma das Oficinas realizada no âmbito uma pesquisa com Agentes Comunitárias de Saúde com foco na educação permanente em saúde mental que teve como tema central as demandas de formação que emergem das situações de sofrimento psíquico que as ACS encontram nas famílias em seu território de atuação. Essa pesquisa em sua fase qualitativa alcançou cerca de 70 ACS distribuídas em quatros grupos de quatro UBS do município de Betim/MG em 2016.  Este quinto encontro nomeado como “O saber necessário para fazer melhor” teve como objetivos aprofundar identificar as demandas de conhecimento e os saberes necessários ao ao cuidado da saúde mental. No acolhimento cada grupo realizou uma técnica diferenciada, como desenhar um rosto, coletivamente ou amassar uma folha de papel. Ao mesmo tempo refletia-se sobre as relações interpessoais e a necessidade do cuidado. Após o acolhimento as ACS foram convidadas a refletir sobre como os processos de aprendizagem e cuidado acontecem dentro de sua roti compartilhando suas práticas cotidianas. Cada umada ACS descreveu seus horários e tarefas em determinado dia da semana definido pela ACS. A maioria escolheu falar sobre um dia de que não gostava em que apareciam tarefas muito difíceis, muitas vezes envolvendo “desvio de função”, onde eram designadas para ficar na recepção, ou na portaria conforme a necessidade da unidade. As dificuldades nas relações de trabalho com os outros membros da equipe também ficavam bem evidentes assim como a implantação de normas difíceis de serem compreendidas pelas próprias agentes, e que elas ainda precisavam de explicar aos pacientes. Expressaram angústia por se verem em posição de ter que resolver problemas sem saber como fazê-lo, a frustração de falta de apoio e de reconhecimento pelo seu trabalho. As dificuldades enfrentadas no cotidiano também estão ligadas à necessidade de refinar a comunicação em equipe, ao estresse, falta de treinamento e esforços para construir junto, mesmo que, muitas vezes, pensem diferentemente. Foi dado destaque à necessidade de se articularem mais e de reconhecer a contribuição de cada profissional no fluxo diário do trabalho. Digno de nota é que o momento mais difícil do trabalho com a saúde mental está ligado às relações de trabalho, e não diretamente ao manejo dos casos com os usuários. Assim, é muito importante colocar em relevo que um dos momentos mais difíceis, descrito pelas ACS, era o das reuniões com o NASF e das reuniões de matriciamento com a equipe da saúde mental. Após a discussão do cotidiano, foram retomados os casos iniciados na oficina anterior, distribuindo-os de forma que cada ACS pudesse ficar com o caso de outra colega. Nos grupos maiores, isto foi feito em subgrupos. Foi-lhes solicitado que lessem cada caso, utilizando e/ou complementando as reflexões da oficina anterior, com as árvores da saúde/doença mental. Deveriam elaborar perguntas para discutir o caso, de forma que pudessem levá-lo para uma reunião de matriciamento, se quisessem. À medida que compartilhavam questões, outras surgiam, como em um processo de reflexão em grupo. Surgiram questões sobre possíveis desencadeadores dos sintomas do sofrimento mental, como: vivências da infância, a solidão, o abandono familiar, a capacidade da pessoa ter uma vida produtiva, condições materiais de vida, vínculos afetivos, perdas significativas, uso de álcool e outras drogas, atendimento anterior e assim por diante. Foram perguntas muito interessantes para fazer discussão de cada caso e foi feita uma boa correlação as árvores da saúde/doença mental produzidas na oficina anterior. É relevante mencionar, nessa discussão, a preocupação das ACS com o sigilo, principalmente em relação aos casos de uso de drogas e violência. Mais uma vez foi discutida a necessidade da responsabilidade, da escuta e da boa acolhida e, portanto, de um continuo aprendizado. Foi então questionado se as ACS entendiam que já tinham conhecimentos suficientes na área de saúde mental, para executar o seu trabalho, ou se precisariam de mais conhecimentos teóricos e práticos. Todas entendem que é preciso melhorar o seu conhecimento. Algumas destacam a necessidade de se desenvolver um diálogo melhor com o paciente, a família e a equipe, além de saber um pouco mais sobre a sua história de vida e sobre as patologias envolvidas na questão da saúde mental. Todas foram convidadas a refletir sobre a necessidade de uma rede de apoio e assistência que ampare os portadores de sofrimento mental. Essa rede foi pensada como muitos buracos (furos) amarrados por nós, e da importância dos profissionais para fortalecer esses elos. A partir da leitura do texto “A caixa de ferramentas” foi problematizada a importância das ferramentas que as ACS utilizam em seu cotidiano, abrindo margem para se discutir a importância de uma educação permanente que viesse suprir a necessidade de novos conhecimentos para o enfrentamento de algumas situações. Foi discutido, por meio de metáforas, que “ferramentas profissionais” as ACS carregam em suas bolsas: que saberes são utilizados para lidar com as pessoas com sofrimento psíquico? Que habilidades, competências, recursos são ferramentas importantes para o trabalho de prevenir a doença e promover o cuidado da saúde mental? As ACS relataram os conteúdos de suas bolsas: papéis, formulários, lápis, caneta, tesoura, borracha, garrafa de água. Também levantaram ser importante ter na bolsa o telefone do CERSAM, da polícia, do SAMU, do bombeiro, transporte sanitário. Contam situações em que socorreram pessoas fora do horário de trabalho, prevenindo agravos e salvando vida. Como habilidades e conhecimentos, as ACS indicaram: Ética; Capacidade de escutar; habilidade em dialogar, usando a linguagem dos usuários; paciência; capacidade de trabalhar em equipe; bom humor; amor e compreensão para com o próximo; saber colocar-se no lugar do outro; organização; disposição; tranquilidade; capacidade de passar informações; coragem e equilíbrio. Nesse processo, surgiu a demanda de se conhecer mais sobre quadros clínicos na saúde mental (como a diferenciação entre estado de agitação e surto), além de alguns transtornos que poderiam ter sua gênese no orgânico ou no psíquico, como as convulsões e os desmaios. As ACS também demandaram maior conhecimento sobre fluxos institucionais para referenciar casos, demonstrando um desconhecimento da rede de Saúde Mental. Foi uma oficina muito interessante do ponto de vista pedagógico. Percebemos o insight que tiveram, ao observarem as características da oficina: aprendiam com sua própria experiência e com as trocas entre o grupo. Foram vendo como estavam produzindo conhecimentos a partir do que sabiam e também tomando consciência do quanto elas sabiam sobre os casos que acompanhavam. Elas se sentiram ativas neste processo. Na discussão foi possível informar e esclarecer sobre a rede de atenção à saúde mental, o papel dos profissionais e a abordagem aos pacientes. No último momento as ACS fora convidadas a avaliar  as oficinas que haviam sido até então executadas: Uma ACS faz questão de apontar que os aprendizados nas oficinas não só já contribuíram para alguns aspectos do trabalho, mas também para a própria convivência doméstica. E ressaltou que muito do que se estava aprendendo nesta 5ª oficina seria de utilidade nas próximas abordagens ao paciente da saúde mental, destacando os esclarecimentos sobre a rede, a quem acessar, os conhecimentos das competências do CERSAM, assim também como uma nova visão de tratamento mais humanizado ao paciente da saúde mental, fazendo com que elas tenham menos “medo” em abordá-los. E uma consequente mudança na maneira de olhar para este paciente.


Palavras-chave


saúde mental; agentes comunitários de saúde; educação permanente