Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Título: Consultório na Rua: dos desafios ao acesso à produção do cuidado.
Paula Monteiro de Siqueira, Laura Camargo Macruz Feuerwerker

Última alteração: 2018-01-02

Resumo


Este trabalho tem por objetivo divulgar resultados parciais de uma pesquisa de mestrado cuja coleta de dados foi realizada no decorrer do ano de 2017.  Tem como objeto de pesquisa as Políticas de Saúde para Populações em Situação de Alta Vulnerabilidade Social.

A metodologia empregada foi a abordagem cartográfica e teve como campo de pesquisa o cotidiano de trabalho de uma equipe de Consultório na Rua  (CnaRua) no Munícipio de São Paulo/SP, participação na Comissão de Saúde para a Pessoa Vulnerável do Conselho Municipal de Saúde, participação no Projeto de Extensão A cor da Rua, outros espaços  de discussão e problematização das questões que condizem à Pessoa em Situação de Rua (PSR) tais  como: o Comitê Intersetorial da Política Municipal para População em Situação de Rua – Comitê PopRua, o Movimento Nacional População de Rua (MNPR), dentre outros. Aproximamos-nos desses espaços de maneira que pudéssemos compreender os processos de modo orgânico, participando e constituindo os coletivos de forma ativa e intensificada. Em alguns casos coletamos entrevista e esse material foi transcrito dando corpo a base de dados da pesquisa.

A Constituição Federal de 88 garante a saúde como um direito universal de cidadania e dever do Estado a ser provido pelo SUS– Sistema Único de Saúde, que tem como princípios básicos: a equidade, a integralidade, a universalidade da saúde, a hierarquização e a participação da comunidade. Muito embora a saúde seja um direito constitucional há a necessidade de políticas para populações específicas.

O princípio da equidade reconhece as necessidades de saúde singulares, sendo que é através das políticas para grupos específicos que se atuaria para reduzir o impacto dos determinantes sociais da saúde. A equidade em saúde remete a uma dimensão política em que atores reais estariam em disputa por projetos distintos no jogo social.

Em 2012, a População em Situação de Rua (PSR) foi incluída na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) como alvo das ações das equipes de Consultório na Rua (CnaRua), tendo como objetivo a ampliação do acesso da população em situação de rua aos diferentes pontos de atenção à saúde e da rede intersetorial.

Conforme preconizado pelo Ministério da Saúde/M.S. (Brasil, 2012), uma equipe deve cobrir até 1000 pessoas em situação de rua. Sabemos que a PSR é heterogênea e atravessada por demasiada complexidade social, podemos citar uma diferenciação básica, a saber: a população que vive nas ruas daquela que vive em centros de acolhida. Dessa forma, construir parâmetros descontextualizados atribuindo uma cobertura sem problematizar as necessidades apresentadas pelo território pode significar inviabilidade na produção do cuidado, sobrecarga às equipes.

O município de São Paulo conta com 28 equipes, todas vinculadas a uma UBS do respectivo território de abrangência. Nota-se que há um excedente de 12 equipes, segundo aquilo que é preconizado pelo M.S., as quais são financiadas com recursos do município. Grande parte destas equipes sobressalentes está vinculada ao Projeto Redenção, que tem seu foco numa região específica do centro de São Paulo denominada Cracolândia. Esta que é alvo constante de ações do poder público, sobre as quais é possível reconhecer interesses específicos, tais como: especulação imobiliária e interesses políticos-partidários.

Entendemos que os trabalhadores de saúde compõem essas forças tecnológicas que operam na produção de modos de vida – para captura e para a potência. Assim, questionamos que tipos de práticas incidem sobre o corpo dessas populações? Que estratégias políticas de cuidado operam sobre elas?

Por intermédio das atividades desenvolvidas pelas equipes de Consultório na Rua e nas suas práticas que as políticas públicas de saúde materializam-se. Dessa forma, exige-se desses profissionais suportar e viver com os fluxos contínuos das afetações trazidas pelas necessidades da população de usuários, tendo então que acolhê-los e encontrar soluções para resolver ou ao menos amenizar os problemas relacionados à sua saúde.

As ações de saúde das equipes de CnaRua buscam atender as necessidades e demandas daqueles que estão em situação de rua por intermédio dos atendimentos em loco, fazendo consultas, administrando medicação, escutando, acolhendo e, na medida da necessidade, encaminhando para outros serviços intra e intersetoriais. Também, usam estratégias diferenciadas em certas ocasiões, tais como busca ativa para tuberculose, terapia comunitária, jogo de futebol, dentre outras ações.

As situações vivenciadas pela população em situação de rua complexificam as demandas trazidas para a saúde, portanto as respostas em saúde carecem do apoio e articulação com diversos profissionais e setores. Este cenário nos leva a questionar, o fato do dispositivo CnaRua estar vinculado á uma Unidade Básica de Saúde, e o quanto esta base operacional pode agenciar certos modos de produção do cuidado que sejam insuficientes para suprir as necessidades da PSR. Por outro lado, a política adotada para a atenção à saúde da população de rua tem ampliado e promovido o acesso à atenção básica. No entanto nos questionamos: qual a qualidade do acesso?

Muitas vezes o atendimento se dá de forma imediatista, pontual ou sem vislumbrar a continuação do acompanhamento. Isto se dá diante da necessidade de sobrevivência, pois pra quem está na rua é uma luta a cada hora, em que situações de extrema violência surgem de forma imprevista a partir de colegas, do rapa, da Guarda Municipal, da Polícia, da expulsão do albergue. E muitas vezes, tais situações, só podem ser suportadas com o anestésico do álcool e da droga.

Apesar dos avanços, ainda há precarização no acesso e violação do direito à saúde dessa população. Uma vez que ainda encontram dificuldades em acessar à assistência de saúde, bem como iniquidades são produzidas na chegada ao equipamento de saúde. Podemos citar, como exemplo, a exigência de comprovante de residência e ou documentos de identificação para matrícula nos serviços de saúde, maus tratos no atendimento em decorrência de aspectos relacionados à ausência de cuidados de higiene pessoal, dentre outros contextos.

Tendo em vista toda a complexidade do cenário, muitas vezes o trabalho do CnaRua é de garantir a entrada dos usuários nos serviços por meio do acompanhamento dos Agentes Sociais. Nesse sentido, nos questionamos qual amplitude das políticas e ações de saúde e que sentidos são produzidos de forma compartilhada com os usuários.  Principalmente quando a oferta fica restrita à doença e os usuários não experienciam o vínculo e a continuidade do cuidado.



Palavras-chave


vulnerabilidade social; pessoa em situação de rua; Assistência Integral à Saúde;