Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A RETOMADA DE UM ERRO RECONHECIDO
Thiago Pereira da Silva Flores

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


OBJETIVO

 

O presente trabalho tem por objetivo a análise da internação compulsória enquanto política pública adotada por governos como medida de saúde. O objetivo é a análise dessa  medida sendo eleitos dois objetos de estudo tendo por recorte geográfico o Estado brasileiro e como recorte temporal a análise através das legislações da internação compulsória para hanseníase executada até 1986 e reconhecida como erro em 2007 pela lei 11.520 e a crescente internação compulsória para os dependentes químicos, em especial os usuários de crack.

 

DESENVOLVIMENTO

O isolamento compulsório com a finalidade de submeter o “doente” a um tratamento médico não configura novidade no direito brasileiro. No início do Século XX, o Estado brasileiro deu início à estruturação de uma política de saúde pública nacional, até então inexistente. Tal política importou na adoção de um extenso rol de medidas implementadas com o objetivo de eliminar e/ou controlar doenças contagiosas. Dessa forma teve início, em 1923, a política nacional de profilaxia da “lepra”, os doentes eram separados e levados para as colônias onde eram internados compulsoriamente. O Estado brasileiro reconheceu como errônea essa política, por violar os direitos fundamentais do cidadão hanseniano. Tal reconhecimento, formalizado pela lei federal 11.520/2007, garantiu a toda pessoa internada compulsoriamente para o tratamento da hanseníase até o ano de 1986, o direito a uma indenização mensal e vitalícia paga pelo Estado brasileiro.

Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), droga é qualquer substância psicoativa lícita ou ilícita, que cause dependência química e /ou psíquica no usuário. A dependência das drogas mais conhecidas como por exemplo: bebidas alcoólicas, possuem CID(Código Internacional de Doenças) f.10.2; nicotina, encontrada em cigarros de fumo em geral, possuem  CID f.17.2; maconha  e Haxixe tem CID f.12.2 e  a cocaína  ou a pasta base em pedra ( crak)  tem CID f.14.2.

A Constituição Federal de 1988, espelhando-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconhece um amplo rol de direitos fundamentais, sendo esses direitos definidos como o conjunto de garantias do ser humano que tem por finalidade proteger sua dignidade, que não pode mais ser visto de modo abstrata e distante, mas como ser concreto e diferenciado a proteção aos direitos fundamentais deve ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais de maneira positiva.

O Princípio da dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito, e tal constitui o principio máximo do estado democratico de direito. Direitos fundamentais são àqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de um determinado Estado. Ele difere-se do termo direitos humanos, com o qual é frequentemente confundido e utilizado como sinônimo, na medida em que este se aplica aos direitos reconhecidos ao ser humano como tal pelo direito internacional por meio de tratados, e que aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, tendo, portanto, validade independentemente de sua positivação em uma determinada ordem constitucional.

A garantia dos direitos constitucionais das chamadas minorias, que são os grupos que vivem a margem de uma determinada sociedade, passam pela conceituação e entendimento do termo discriminação. Nesse sentido entende-se como discriminação como toda e qualquer forma meio e instrumento de promoção da dinstinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em critérios como a raça, cor da pele, descendência, origem nacional ou ética, gênero, opção sexual, idade, religião, deficiência física, mental ou patogênica, que tenha como objetivo ou se produza o efeito de anulação ou prejuízo o reconhecimento, gozo ou exercício em igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer atividade no âmbito da autonomia pública ou privada.

 

EFEITOS DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

 

O Internamento Compulsório para portadores de “lepra” no Brasil, foi  reconhecida como erro, por violar os direitos fundamentais do cidadão hanseniano. O reconhecimento do erro do Estado na adoção de uma política segregacionista deu-se pela conversão da medida provisória MP 373 na lei 11.520, de 18 de Setembro de 2007, que garantiu a toda pessoa internada compulsoriamente para o tratamento da hanseníase até o ano de 1986, direito a uma indenização vitalícia a ser paga pelo Estado brasileiro.

Mais uma vez a internação compulsória é utilizada como medida de saúde, em legislação em pleno vigor, no entanto, o grupo alvo da segregação é outro. A internação compulsória de pessoas acometidas de dependência química vem sendo implementada em vários países no mundo e avança no Brasil. A ONU se manifestou contrária a tal tendência mundial de internação não consentida de dependentes químicos, alertando para a possibilidade destes locais se tornarem ambientes para a prática de tortura e maus tratos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão ora colocada diz respeito exatamente ao efeitos futuros  da internação compulsória para tratamento de dependentes químicos. Se a internação compulsória adotada no passado foi reconhecida pelo Estado brasileiro como incompatível com o sistema de direitos fundamentais constitucionalmente adotados, seria possível retomá-la hoje, sob o argumento da sua “necessidade”? A Constituição Federal de 1988 garante a saúde como direito, cujo exercício deve ser executado em conjunto com os demais direitos, sobretudo, o da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, cumpre indagar se a internação para tratamento da dependência considerada ideal, com estrutura adequada, apoio médico, psicológico, familiar e do próprio paciente, não é garantia integral de recuperação de tais pacientes, o que se espera de uma internação que seja compulsória, massificada, desmedida, que desconsidera o apoio familiar e a vontade do dependente em receber o tratamento? Os fins justificam os meios? Tais medidas destina-se, única e exclusivamente, a dependentes químicos em situação de miséria, cujo uso da droga, muitas vezes, é decorrente dessa condição social. Lamentavelmente, não é possível esperar nada diferente de um grande depósito de seres humanos “dopados”, estabelecendo-se uma releitura dos antigos unidades manicomiais e hospitais colônia e suas conseqüências.

Devido à atualidade e complexidade do tema é preciso considerar a importância que foi a internação compulsória na hanseníase como possibilitadora de uma compreensão adequada da garantia dos direitos fundamentais, inclusive os direitos de caráter processual estão sendo violados, na execução de uma política de saúde que se assemelha muito com uma política já reconhecida como um erro. Os debates e reflexões sobre esse tema é suma importância para o desenvolvimento do conhecimento humano, pois vem suprir essa carência de informação sobre a política de Internação Compulsória como medida de saúde para controle da hanseníase, seus efeitos perversos na vida dos que foram institucionalizados e reconhecimento de erro por parte do Estado.                                 Merece destaque que o reconhecimento de erro da política de isolamento compulsório da hanseníase foi realizado depois de anos de luta do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase – MORHAN, entidade fundada em 1981 pelo próprio ex-portador de hanseníase, que se tornou protagonista de sua própria história, a lei 11.520/07 é o resumo desse movimento social, que lutou pelo fim da internação compulsória para hanseníase no Brasil e vinte anos depois conseguiu que o Estado brasileiro reconhecesse que praticou crime de Estado, ao isolar pessoas nos antigos hospitais Colônias, conhecer o passado é premissa fundamental para se evitar erros futuros.

 


Palavras-chave


Internação Compulsória; Hanseníase, Crack