Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Ocorrência de discriminação com mulheres vivendo com HIV em serviços de saúde e fatores associados
Karen da silva Calvo, Daniela Riva Knauth, Flávia Bulegon Pilecco, Alvaro Vigo, Luciana Barcellos Teixeira

Última alteração: 2018-01-21

Resumo


Apresentação: A discriminação é vista como uma espécie de resposta comportamental ao estigma e ao preconceito, que se traduzem em atitudes negativas em relação a grupos sociais específicos. Historicamente, a epidemia da Aids é caracterizada por estigma e discriminação, uma vez que a contaminação pelo vírus do HIV está associada a comportamentos considerados “desviantes” pela sociedade, como a homossexualidade, o uso de drogas e a prostituição. Além dos fatores excludentes associados à contaminação da doença, existem outros fatores, como socioeconômicos e culturais, que se somaram a epidemia, tornando alguns grupos sociais mais vulneráveis ao HIV e suscetíveis à prática da discriminação. Pessoas com baixa renda, mulheres e negros fazem parte destes grupos que já eram discriminados culturalmente, e que são uma parcela significativa de pessoas vivendo com HIV, tendo em vista características já identificadas ao longo da epidemia, como a pauperização e a feminização.  A sobreposição do estigma sobre a situação clínica de uma doença que até o momento não tem cura, é uma das mais significativas formas de violência e violação dos direitos humanos no Brasil, e contribuem na disseminação de imagens estereotipadas e discriminatórias das mulheres. Há evidências que pessoas vivendo com HIV que sofreram processos de discriminação podem ter atraso no diagnóstico, dificuldade de acesso ao tratamento e não adesão ao tratamento antirretroviral, que podem levar ao óbito pelas complicações clínicas da infecção. Conhecer o perfil das mulheres que vivem com HIV pode impactar nos processos de cuidado, uma vez que irá auxiliar os profissionais de saúde a compreender o contexto de vulnerabilidade em que estas mulheres estão inseridas, podendo assim produzir um cuidado mais abrangente a questões sociais. Diante do exposto o objetivo deste trabalho é descrever o perfil das mulheres vivendo com HIV que sofreram discriminação nos serviços de saúde Método: Trata-se de um estudo transversal. A amostra foi constituída por mulheres de 18 anos a 49 anos de idade, usuárias da rede pública de saúde do município de Porto Alegre. As mulheres foram recrutadas em serviços que atendam mulheres vivendo com HIV∕Aids em ao menos uma das seguintes especialidades: ginecologia/obstetrícia e infectologia. O número de participantes selecionadas em cada um dos serviços foi proporcional à quantidade de atendimentos realizados pelo serviço. Após as devidas aprovações nos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da UFRGS, foi realizado um mapeamento de todos os serviços a fim de identificar o número de pacientes atendidas, rotinas e horários de atendimento, dados estes necessários para a distribuição da amostra nos serviços e organização da coleta de dados. A fim de garantir a aleatoriedade, as mulheres foram selecionadas de acordo com a lista de atendimento do dia em cada um dos serviços. Foi realizado convite para participar do estudo no momento de comparecimento à consulta, realizando-se a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e coletando-se o consentimento formal para participação na pesquisa. As entrevistas foram conduzidas em tablets, em ambiente reservado e adaptado de acordo com as características de cada serviço, com a finalidade de garantir a confidencialidade das informações. Foi utilizado um instrumento cujas questões investigavam trajetória de vida, momento do diagnóstico, ocorrência de violências, aspectos sexuais e reprodutivos. Posteriormente, todas as informações foram armazenadas em programa específico, para realização do controle de qualidade e análise dos dados. Os dados foram analisados no software SPSS e são apresentados em estatística descritiva e através de comparações entre mulheres que sofreram e que não sofreram discriminação através do teste de homogeneidade de proporções baseado na estatística de qui-quadrado de Pearson ou Fisher. Em todas as análises será adotado o nível de significância estatística de 5%. Resultados: A amostra foi constituída por 691 mulheres, das quais 22,4% relatam ter sofrido discriminação nos serviços de saúde; destas 6,5% (n=10) tinham entre 18 – 24 anos; 11,8% (n=18) tinham entre 25 – 29 anos; 24,8% (n=38) tinham entre 30 – 34 anos; 26,8% (n=41) tinham 35 – 39 anos; 17% (n=26) tinham entre 40 – 44 anos e 13,1% (n=20) tinham entre 45 – 49 anos. Em relação à cor, 64,1% (n=98) das mulheres consideravam-se brancas. Quanto à escolaridade, 39,9% (n=61) das mulheres possuíam o ensino fundamental incompleto; 30,7% (n=47) possuíam o ensino fundamental completo e 29,4% (n=45) possuíam o ensino médio completo ou ensino superior. A renda familiar variou entre 0 e 4 salários mínimos ou mais, sendo que 14,6% (n=21) das mulheres tinham a renda até 1 salário mínimo; 45,1% (n=65) tinham a renda acima de 1 até 2 salários mínimos; 29,9% (n=43) tinham a renda acima de 2 até 4 salários mínimos e 10,4% (n=15) tinham a renda acima de 4 salários mínimos ou mais. Com relação aos aspectos de comportamento sexual, 82,9% (n=126) das mulheres tiveram a primeira relação sexual com um parceiro fixo, e 17,1% (n=26) tiveram a primeira relação sexual com um parceiro eventual. Quanto ao uso de preservativo na primeira relação, 22,6% (n=33) das mulheres afirmaram ter utilizado e 77,4% (n=113) não fizeram uso do preservativo. Em relação às questões reprodutivas, 53% (n=80) das mulheres responderam que não tiveram uma gestação após o diagnóstico. Comparando o grupo de mulheres que sofreram discriminação nos serviços de saúde, com o grupo de mulheres que não sofreram discriminação, o percentual de mulheres que tiveram uma gestação após o diagnóstico, respectivamente, foi de 47% (n=71) e 32,3% (n=170), (p=0,001), ressalta-se que muitas destas gestações não foram planejadas. Quando questionadas sobre se já haviam sofrido algum tipo de violência física ou sexual, 19,5% das mulheres que sofreram discriminação disseram que não; 23,3% (n=35) destas mulheres respondeu que havia sofrido algum tipo de violência, contrastando com o grupo que de mulheres que não sofreu discriminação, do qual 9,5% (n=50) das mulheres afirmaram ter sofrido algum tipo de violência, (p<0,001). Considerações finais: Observamos que o fato da mulher ter sofrido algum tipo de violência física ou sexual está associada à discriminação de mulheres vivendo com HIV nos serviços de saúde. Embora não tenha sido investigado quem praticou a violência, ela parece estar relacionada com questões econômicas, uma vez que muitas mulheres possuíam baixa renda e se apresentavam em contextos de vulnerabilidade social. Há estudos apontando relações desiguais entre homens e mulheres e associação entre ocorrência de violência e dependência econômica. De alguma forma, estas repercutem na saúde e nos direitos sexuais e reprodutivos, prejudicando a capacidade plena dessas mulheres para tomada de decisões, como uso de preservativo para evitar ISTs ou gestações não desejadas. Frente aos resultados encontrados, considerando que a discriminação ocorre em serviços de saúde, faz-se fundamental ampliar discussões sobre o preparo dos serviços e profissionais no acolhimento de necessidades de saúde das mulheres vivendo com HIV. Compreender os contextos de vulnerabilidade que marcam as trajetórias destas mulheres possibilita ao profissional de saúde o cumprimento do princípio doutrinário do SUS de integralidade, pois a maioria delas está em idade reprodutiva, e necessitando de apoio e orientação profissional para realizar a gestão da vida sexual e planejamento reprodutivo, frente aos seus contextos de vida. Apesar disso, é no serviço de saúde que muitas dessas mulheres encontram barreiras impostas pela discriminação.


Palavras-chave


(discriminação social; HIV)