Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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CUIDANDO DO CUIDADOR DA ATENÇÃO DOMICILIAR
Ana Lúcia De Grandi, Kátia Santos Oliveira, Maira Sayuri Sakay Bortoletto, Josiane Vivian Camargo de Lima, Maria Lucia da Silva Lopes, Sarah Beatriz Coceiro Meirelles Felix, Regina Melchior

Última alteração: 2018-01-21

Resumo


Apresentação: O cuidado da saúde no domicílio é uma prática milenar, porém com o advento da medicina científica, no século XIX, as pessoas passaram a ser pacientes e serem levadas para um local chamado hospital, onde deveriam ser cuidadas. Com o surgimento do hospital, o domicílio deixa de ser o lugar de manifestação do sofrimento e a família perde a autoridade sobre a maneira de cuidar. Com o envelhecimento populacional e o aumento das doenças crônico-degenerativas, aumenta-se o número de hospitalizações. O serviço de atenção domiciliar (SAD) surge como alternativa à internação hospitalar e como um novo espaço de cuidado, além de ser uma possibilidade de trazer o cuidado novamente ao domicílio. No entanto, para que esta mudança aconteça, faz-se necessário que o usuário da atenção domiciliar tenha um cuidador disponível, conforme descrito nas portarias que regimentam o SAD. Tais normativas estabelecem ainda, que o cuidador seja uma pessoa, que pode ou não ter vínculo familiar com o usuário, mas que o auxilie em suas necessidades e atividades da vida cotidiana. Assim, é considerada pessoa chave para o SAD. Reconhecendo o papel do cuidador como primordial na ação do SAD, buscamos vivenciar o cuidado produzido pela equipe ao cuidador.

Desenvolvimento: Esta pesquisa faz parte do Observatório de Práticas de Cuidado em Redes Atenção Domiciliar e Atenção Básica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujo referencial de abordagem do campo é a pesquisa cartográfica. Cartográfica no sentido apresentado pelos autores proponentes que se distancia da compreensão da geografia que busca retratar as paisagens na natureza com o maior detalhamento possível, aqui a proposta metodológica utilizada trata-se de outra cartografia, uma cartografia que busca desenhar cenas sociais buscando perceber e descrever linhas e intensidades relacionais, processos de subjetivação, disputas como se fosse um mapa geográfico. Nesse caminhar, a cartografia pode disparar um processo de desterritorialização, no qual ocorra a ampliação subjetiva, assim compreende-se que no campo científico essa abordagem para instaurar um novo jeito de produzir conhecimento, jeito criativo, artístico e que explicita a implicação do pesquisador/autor/cartógrafo. Para o trabalho de campo, utilizou-se um período de aproximadamente quatro meses de vivências com as equipes SAD de um município do sul do Brasil, seguido da escolha, em conjunto com as equipes, de um cuidador. Essa cuidadora, mulher, passou a ser chamada de cuidador-guia, que é como um fio condutor pelo complexo labirinto do cuidado em saúde, ou seja, um dispositivo que permite olhar como o cuidado é realizado, a partir do olhar da cuidadora do usuário do serviço. No trabalho de campo, foram desenvolvidas narrativas dos profissionais do SAD, da atenção básica e do cuidador-guia, bem como o acompanhamento do seu cotidiano.

Resultados: A cuidadora guia escolhida é ex-mulher do usuário do SAD, que deixa seu emprego e volta para casa para ajudar os filhos, que já não moram na mesma residência que o pai, a cuidarem do mesmo que sofreu um acidente e fica dependente. O primeiro tema que apareceu com destaque nas narrativas foi o fato da equipe de atenção domiciliar olhar com atenção para a cuidadora. Os profissionais do SAD estavam planejando a alta do usuário no momento em que o namorado da cuidadora faleceu acidentalmente. Considerando esse acontecimento, a fragilidade emocional da cuidadora e o fato do namorado auxiliá-la nos cuidados com o ex-marido, a equipe de atenção domiciliar suspendeu a alta como apoio à cuidadora. Três meses depois, com a alta, outro tema emerge nas narrativas da cuidadora, agora quanto ao cuidado fornecido pela atenção básica, que no momento não atende suas necessidades. A coordenação da unidade e o ACS da equipe, em seus relatos, citam ações que realizaram para atender a cuidadora, mas reconhecem que as necessidades da mesma são maiores do que conseguem suprir. Outro tema narrado foi a solidão em ser cuidadora única. Em vários momentos, a cuidadora relata a falta de ter uma pessoa para dividir os cuidados com o usuário e poder olhar para si, para o seu cuidado. Diante da privação de contato social, uma de suas estratégias é ligar para um número de telefone qualquer e tentar conversar com a pessoa que atender. Alguns entendem o sofrimento e promovem conforto ao ouvi-la, outros possuem dificuldades em compreender e desligam. Com a melhora do quadro clínico do usuário, outra estratégia utilizada pela cuidadora são saídas curtas e rápidas para conversar com familiares que residem próximo a ela, deixando o usuário amarrado na poltrona, pois seus familiares não a visitam. Isso é visto pela cuidadora como um cuidado com a segurança do usuário, pois assim o mesmo não corre risco de cair e se machucar durante sua ausência. Essa mesma estratégia tem sido utilizada para a realização de um trabalho informal próximo a sua casa. A dificuldade financeira aparece desde o início das narrativas, pois os filhos não auxiliam nem no cuidado da mãe e do pai, nem com as despesas financeiras. Assim, a cuidadora consegue um emprego na vizinhança para complementar a renda e, para a realização do mesmo, ela amarra o usuário. A ausência de ajuda dos filhos leva a cuidadora a construir redes a partir de outros lugares, como por exemplo, com a igreja, que durante alguns meses a ajudou com o pagamento do aluguel e comprando remédios que não são fornecidos pela atenção básica. Alguns medicamentos ainda são fornecidos pela igreja. Uma das irmãs da cuidadora consegue dar suporte em algumas de suas saídas, mas como possui o esposo e um filho dependente, também não consegue ajudar todas às vezes. Devido às dificuldades constantes, a cuidadora decide acionar judicialmente os filhos. A decisão foi pensada e adiada por várias vezes, mas as necessidades vividas diariamente prevaleceram, pois como mãe, a cuidadora tentou poupar os filhos tanto do cuidado como da ajuda financeira, mas a sobrecarga de estar sozinha no cuidado sobressai decidindo por acionar judicialmente os filhos. Sua face se entristece ao relatar que deixa o usuário amarrado para se deslocar ao Ministério Público e solicitar a abertura de processo contra os filhos.

Considerações finais: Percebemos até o momento, um forte vínculo da equipe do SAD com seus usuários e, mesmo não sendo uma obrigatoriedade legal da atuação do SAD, esses trabalhadores também cuidam dos cuidadores dos seus usuários. Outro ponto destacado é o esforço da AB para suprir as necessidades de cuidado tanto da cuidadora quanto do usuário, porém isoladamente. A própria cuidadora consegue construir redes de cuidado tanto para si, quanto para o usuário de acordo com suas possibilidades. Como mãe, tentou realizar todo o trabalho sozinha, mas a ausência contínua dos filhos faz com que tome providências. Destacamos a necessidade de um trabalho articulado em rede, pois as necessidades do usuário/cuidador vão para além do estritamente clínico.


Palavras-chave


Políticas Públicas; Assistência Domiciliar; Cuidador.