Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE SOBRE A VIVÊNCIA DA INTERSEXUALIDADE
Elder Jeferson da Silva, Ana Clara Santos Alves de Oliveira Freitas, Glayce Santana de Araújo, Ana Paula Dias da Paz, Bruno Emanuel Nascimento Araújo, Márcia de Fátima Marques Miranda, Elisabete Reis, Vanessa Matos Matos

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Apresentação:

Este artigo teve como finalidade investigar a percepção dos profissionais da saúde nas mais variadas áreas do conhecimento no que tange a intersexualidade em diferentes campos das ciências humanas, sociais e biológicas. A proposta surge como tema de pesquisa na disciplina Projeto Integrado de Trabalho II, do curso de psicologia da Universidade Federal da Bahia. Nosso olhar foi direcionado para a interdisciplinaridade que a questão suscita, e perscrutar sobre a dinâmica do intersexual em suas relações psicossociais – família, instituição médica e consigo próprio na ressignificação dos conceitos que envolvem corpo, gênero e sexualidade. Desse modo, pensar o intersexo remete a questões de gênero que contrastam com preceitos de uma sociedade que padroniza a binaridade, em que há uma normatização de regras e papéis a serem desempenhados por homens e mulheres dentro do modelo heteronormativo. Nessa perspectiva, o intersexual é invisibilizado enquanto possibilidade de existência, visto como portador de uma síndrome, um distúrbio, uma ambivalência genética que deve ser corrigida. Constata-se que a sexualidade, tal como é concebida hoje, é fruto de de transformações/intervenções políticas, históricas, sociais, científicas e religiosas. Para Michel Foucault (1988, p.139), sexualidade “é o conjunto de efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas relações sociais, por um certo dispositivo pertencente a uma tecnologia política complexa” o que se perpetua na sociedade atual.

Desenvolvimento do trabalho: Para realização desse estudo optou-se pela revisão de literatura e o diálogo junto a profissionais de saúde cuja prática profissional se estende aos sujeitos intersexuais.  Participaram da pesquisa duas psicólogas, uma assistente social e uma médica endocrinologista. Para coleta dos dados utilizou-se a aplicação de entrevistas semiestruturadas direcionadas por um roteiro previamente elaborado, composto por duas questões abertas disparadoras a fim de oferecer maior liberdade na formulação de questionamentos e intervenções junto aos entrevistados. As entrevistas foram gravadas e transcritas para melhor apreensão e interpretação do material coletado. O roteiro de entrevista aplicado foi construído a partir dos questionamentos: “Qual é sua percepção sobre a vivência da intersexualidade?” E, “O que você percebe dos sujeitos que buscam sua atuação profissional?” Para a análise e exploração dos dados coletados, utilizou-se a técnica categorial. Para Bardin (1977 apud Oliveira 2008) a Análise Categorial considera a totalidade do texto na análise, passando-o por um crivo de classificação e de quantificação, segundo a frequência de presença ou ausência de itens de sentido. A análise foi desenvolvida através da categorização, descrição e interpretação das informações. As categorias trabalhadas têm por finalidade a observação e discussão dos pontos convergentes e divergentes do diálogo estabelecido entre os profissionais de saúde e a literatura acerca da intersexualidade. Das categorias desenvolvidas: Nem homem nem mulher; Percepção biomédica/Anomalia do Desenvolvimento Sexual; Estigma, segredo, medo, vergonha; Sexualidade; Construção da identidade de gênero; Família; Direitos; Demandas objetivas.

Resultados: A revisão da literatura possibilitou entender a sexualidade através de diversas correntes teóricas que divergem no que se refere ao entendimento do sujeito intersex, aqui expomos parte da revisão pelas limitações de um resumo expandido. Para Michel Foucault (1988), o discurso e a linguagem é um importante mecanismo de poder que permitiu muitas mudanças em torno do sexo e da própria sexualidade. Já os estudos de Pino (2007), mostram que a intersexualidade suscita importantes reflexões sobre os paradoxos identitários, propiciando análises sobre a construção do corpo sexuado, seus significados sociais e políticos, assim como sobre o processo de normalização e controle social não apenas dos intersexos, mas também de todos os corpos. A intersexualidade está associada a uma invisibilidade e normalização compulsória. Na sociedade ocidental, de tradição judaico-cristã, o oposto homem e mulher é uma explicação que firma uma tradição, carrega valores e uma definição divina expressa na biologia dos corpos. Essa visão muitas vezes ignora processos de constituição do corpo que fogem ao padrão binário e dá primazia ao ideal regulatório. Diferentemente do exposto acima, Butler (2003, apud Gomes, Almeida & Bento, 2011) mostra que o sexo sempre foi gênero, a vista de que mesmo antes de existir um corpo, já está inscrito sobre ele características pré-existentes, ou seja, há um habitus de gênero, se assim pode-se dizer, que antecede as ações humanas, uma espécie de devir humano. Esta concepção justifica como o sexo biológico se interliga ao gênero e este a uma construção social que implica regras pré-estabelecidas e comportamentos esperados por uma sociedade normativa. Assim, Rosário (2009, apud Canguçu- Campinho, 2012), corrobora com os estudos de Butler, apontando que a condição intersexual desafia os princípios médicos e culturais de sexo e gênero. São corpos que guardam dualidades, que transcendem a normatividade, que convidam a reflexão do sentido de sexo e gênero. Para Gomes, Almeida & Bento (2011), os intersexuais são vistos como corpos que destoam dos parâmetros culturais binários, que embaralham e causam estranheza para aqueles que os vê ou que não se enquadram no que Bordo (1997, apud Gomes, Almeida & Bento 2011) chama de representações de corpos inteligíveis que “abrange nossas representações científicas, filosóficas e estéticas sobre o corpo – nossa concepção cultural de corpo, que inclui normas de beleza, modelos de saúde e assim por diante”. Para a visão biomédica, a perspectiva é de que o desenvolvimento normal se dá através da atribuição de um gênero, o DSM IV e o CID 10 classificam como transtorno de identidade de gênero, situações em que há “forte identificação com o gênero oposto, por um desconforto persistente com o próprio sexo e por um sentimento de inadequação no papel social deste sexo” (Melo, 2010). Entretanto, este diagnóstico não é feito em pessoas que tem um sexo ambíguo (intersexos). O dito normal considera a existência de pessoas estritamente masculinas ou femininas; deste modo o diagnóstico da identificação com o gênero oposto é visto como um fenômeno que tange à anormalidade e a intersexualidade é vista como uma anomalia genética.

Considerações finais: A partir do levantamento da literatura e entrevistas com profissionais da saúde acerca de suas percepções quanto a vivência da intersexualidade, foi possível observar a perspectiva das três áreas de conhecimento, psicologia, assistência social e medicina. E ainda conhecer as inúmeras questões que atravessam os sujeitos em sua condição intersexual. Deste modo, foi imprescindível o direcionamento para a interdisciplinaridade que a questão suscita e ainda perscrutar a dinâmica do intersexual em suas relações de ambiguidade consigo próprios, na dinâmica familiar, com a instituição médica, na interface do direito, no tocante a sexualidade, nas inquietações que envolvem a aceitação do outro, o estigma sofrido e as demandas concretas que viabilizam seu trânsito na sociedade e na necessidade imperiosa da construção da identidade de gênero. Deste modo, foi possível constatar que a experiência da intersexualidade está fortemente circunscrita a conceitos médicos patologizantes, contextos culturais que buscam novos paradigmas que prescindam do estigma social e discursos sociais no que tange as necessidades e demandas específicas destes sujeitos; contudo o olhar da psicologia nos instiga a considerar a subjetividade humana como importante questão. De acordo com Canguçu- Campinho, 2012: Ser intersexual é transcender a conceitos, contextos e discursos e abarcar uma gama de complexidade, o que enseja a construção de novos saberes que envolvam aspectos relativos ao processo de saúde-doença-cuidado, corpo-gênero-sexualidade; aspectos amplos da corporeidade e do psiquismo humano.


Palavras-chave


Gênero; Intersexualidade; Identidade; Percepção; Interdisciplinaridade