Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
O processo de trabalho no município de Santa Catarina: tecendo o olhar para desinstitucionalização?
Jéssica Oliveira de Almeida

Última alteração: 2017-12-26

Resumo


Apresentação:

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que objetiva discutir se o processo de trabalho nos serviços substitutivos ao modelo psiquiátrico está se efetivando em ações coerentes com os princípios da reforma psiquiátrica.

Desenvolvimento do trabalho:

Através de perguntas norteadoras de uma entrevista semi-estruturada, debruçou-se sobre o processo de trabalho e sua relação com a desinstitucionalização com sete profissionais nas três modalidades de Centro de Atenção Psicossocial existente: infantil, II e o centro de atenção para os casos de sofrimento pelo uso abusivo de álcool e outras drogas (CAPS AD) de um município de Santa Catarina.

Fizeram parte da pesquisa sete profissionais do CAPS de um município do estado de Santa Catarina, de diferentes expertises, tais quais: dois psicólogos, dois técnicos de enfermagem, uma assistente social, uma recepcionista e uma terapeuta ocupacional. Como critério de inclusão foi considerado que os trabalhadores que estivessem no mínimo há um ano na equipe de profissionais do CAPS.

No contato com os participantes da pesquisa, as questões que mais apareceram foram: a complexidade de trabalhar em um serviço de saúde mental e o sofrimento experienciado no processo de tentativas e frustrações; de modo que os participantes retratam mais as dificuldades que às possibilidades de enfrentamento e criação.

Resultados e/ou impactos:

Os relatos foram analisados por conjunto de sentidos. A partir da forma como os profissionais responderam, foi possível construir categorias de analise e explanação dos resultados:

A primeira categoria ‘‘O processo de trabalho como efeito da institucionalização’’ objetivou compreender o processo de trabalho, sua organização e os efeitos da concepção de saúde e sujeito. No primeiro sub tópico: o processo de trabalho como efeito da institucionalização; identifica-se que o modelo atenção psicossocial ainda está longe de ser executado como forma de proporcionar processos de autonomia e alteridade para os usuários dos serviços pesquisados, uma vez que as relações entre os trabalhadores, usuários, familiares e gestão do serviço se dão de forma hierarquizada, além das concepções de saúde e sujeito indicarem os sentidos do modelo biomédico. A produção do projeto terapêutico e das atividades que são desenvolvidas não constam com uma participação ativa dos usuários, tampouco dos familiares, apenas escolhem de qual grupo vai participar.

Na segunda categoria de análise ‘‘vozes dissonantes que podem contribuir com um processo de trabalho com o efeito da reforma’’; destaca-se o que foi anti-hegemônico, pois foram identificados conjuntos semânticos que apontam crítica à forma como o Projeto Terapêutico Singular e o serviço é construído, da ideia do vínculo como o diferencial no cuidado com o usuário, bem como os olhares que apontam para concepções de saúde e sujeito a partir de suas singularidades e da compreensão do sistema que as formatam, o que indica possibilidades de desconstrução da ideia sobre a loucura, bem como as forma de cuidar e interagir com as pessoas em sofrimento psíquico agudo.

Na última categoria: o conhecimento da política nacional de saúde mental (PNSM): Contradição da institucionalização da atenção em saúde mental e sua repercussão desnorteadora, evidenciam-se fragmentações no conhecimento e as rupturas ideológicas presentes na prática dos profissionais. De forma que grande parte não distingue desospitalização e desinstitucionalização. Os que conhecem encontram dificuldades em aplicar na sua prática cotidiana. O que se traduz em limitadas intervenções no território, ou seja, a reprodução do modelo clínico-centrado diante dos usuários, além produzir um quadro de sofrimento nos trabalhadores, relatado pela maior parte dos profissionais.

Considera-se que apesar da institucionalização dos CAPS, não são realizadas ações de desinstitucionalização voltadas aos usuários, tampouco em relação aos profissionais para que construam uma prática criativa como demanda este campo. Parte dos profissionais percebe que estão reproduzindo o modelo manicomial e isso indica que a desinstitucionalização nos CAPS pode ser construída e significar um avanço nas práticas não só no âmbito da saúde mental, mas nos parâmetros da cultura no sentido antropológico.

Considerações finais

Objetivou-se descrever como processo de trabalho nos serviços substitutivos ao modelo psiquiátrico está sendo organizado, quais noções de sujeito e concepção de saúde estão presentes nas práticas dos serviços em questão, além de identificar o conhecimento sobre a política nacional de saúde mental entre os trabalhadores. O que é marcante no campo pesquisado é que nem mesmo os profissionais parecem saber quais processos precisariam estar envolvidos para desenvolverem as atitudes de melhoria do serviço que trabalham e constroem com os demais sujeitos.

Obviamente que não se trata de culpabilizar os profissionais, uma vez que a desinstitucionalização é de fato um processo complexo, que envolve diferentes forças e interesses; de forma que se fazem necessários mais investimentos para capacitação em tecnologias leves, de sensibilização, autonomia e supervisão institucional, para que os profissionais tenham o suporte necessário, bem como possam contar com a gestão ao seu lado para desenvolver os objetivos propostos em parceria com a família e demais atores sociais.

O vínculo nesse sentido contribui bastante, pois a reforma sanitária Brasileira foi conquistada com o suor de milhares de pessoas de diferentes movimentos sociais. As reivindicações tiveram força pela união das pessoas, pela aproximação que construíam por causas comuns. E o resgate dessa ética coletiva certamente é o maior desafio da atual geração, que sofre pressão cotidiana do sistema econômico.

Neste sentido, o fato de alguns trabalhadores dos serviços pesquisados reconhecerem que estão distantes dos principais objetivos propostos da PNSM, pode significar um caminhar para efetivá-los, pois é exatamente na tensão de reconhecer limites e possibilidades, que permite ações desinstitucionalizantes.

Romper com as barreiras sanitárias é explorar o território vivo/vivido que está inserido, em que todos os micros poderes estão em constante processo de construção e afirmação cultural.  Sabe-se que, ultrapassar as barreiras sanitárias não é uma tarefa que possa ser desempenhada exclusivamente pelos trabalhadores desses serviços especificamente. Entretanto, precisariam, sobretudo, se mover em direção a isso, ou terem claro o quanto essa questão é fundamental para atender a proposta de um CAPS, uma vez que naturalização do sofrimento humano precisa ser desconstruída, o estereótipo e formas de lidar com as pessoas em sofrimento psíquico agudo também e isso demanda, sobretudo autonomia e protagonismo dos trabalhadores e usuários.

Por isso, reconhecem-se avanços da desinstitucionalização em saúde mental (da vida). Pois, vista como um processo reconhece-se como um ideal; ideal este que acontece no momento presente de cada serviço, que pode se afastar ou aproximar mais do que é esperado, de acordo com as ações individuais e coletivas, que variam pelas potencialidades de trabalhadores envolvidos ética e politicamente com seu trabalho, mas, também com as limitações próprias do ser humano e das engrenagens do sistema capitalista que o capturam constantemente. Entretanto, é um sistema que também produz sujeitos protestantes, vozes dissonantes que precisam se multiplicar em prol da almejada sociedade do bem viver.

Por fim, algumas questões que podem ser aprofundadas em futuras pesquisas é investigar quais fatores estão relacionados às diferenças dos profissionais: formação acadêmica, implicação política ideológica, trajetória pessoal? Além de um aprofundamento sobre as transformações ocorridas no âmbito da educação.

A discussão não pode ser esgotada nesse artigo, há a possibilidade e necessidade de novas pesquisas e reflexões que possibilitem associar a temática aos processos formativos dos profissionais para um trabalho intersetorial e transdisciplinar, ou quem sabe, intercultural.


Palavras-chave


processo de trabalho; desinstitucionalização; reforma psiquiátrica;