Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
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EKOBÉ E A PRODUÇÃO DE VIDA: POLIFONIAS SOB A ÉTICA DO CUIDADO
Última alteração: 2017-12-20
Resumo
O Ekobé desde 2005, ocupa o espaço da UECE, sendo gerido coletivamente por atores dos movimentos e práticas populares de Fortaleza que constituem a ANEPS no Ceará. Estes construíram, o espaço físico, de forma solidária e sustentável, referenciados na permacultura e na educação popular por meio do curso “Diálogos da Educação Popular em Saúde com a Permacultura”. O curso teve como produto principal a reconstrução do espaço externo e interno do espaço segundo os princípios de permacultura, com um design que considerou a ecologia, a cultura local e os sonhos dos sujeitos envolvidos nos processos de cuidado e formação ali desenvolvidos. Em seu percurso, tem articulado práticas populares de cuidado, arte e educação na saúde para gerar saberes que incorporam a experiência popular. estruturando ações de transformação a partir das potencialidades dos atores envolvidos e do agir solidário. A ação solidária e cooperativa é protagonizada por esses atores e atrizes populares, especialmente a partir do cuidado e tem desencadeado movimentos de aproximação com os conteúdos temáticos de disciplinas integrantes dos cursos da área da saúde na graduação e pós-graduação, bem como com os processos de educação permanente desenvolvidos nos serviços de saúde de Fortaleza e movimentos populares, ao mesmo tempo que produziram diálogos entre as práticas integrativas e populares de cuidado, a arte e a educação na saúde. Esse processo parece aproximar-se do que Boaventura Santos (2005) nomeia como tradução intercultural: “práticas que promovem uma nova convivência activa de saberes no pressuposto que todos eles, incluindo o saber científico, se podem enriquecer nesse diálogo”. Essa dupla via pode, a nosso ver, contribuir para a busca de uma reorientação solidária da relação universidade-sociedade e da conversão da universidade em um espaço público de interconhecimento, onde os cidadãos e os grupos sociais podem dialogar sem se colocarem na posição de produtores de saberes excludentes. Parece-nos que, na experiência do Ekobé, a arte e as práticas populares de cuidado emergem como expressões singulares, criando zonas de contato para a efetivação do diálogo intercultural (Dantas, 2009) e para a construção de olhares sustentáveis para as diversas ações ali desenvolvidas. Um dos desafios apontados pelos sujeitos que protagonizam as ações no espaço refere-se à necessidade de pensar processos comunicativos que promovam não apenas a ampliação da visibilidade do espaço, mas também a reflexão e socialização das ideias sobre sustentabilidade, cooperação, corresponsabilização e solidariedade que ancoram as práticas ali desenvolvidas. Neste sentido a produção do documentário Ekobé e a produção de vida: polifonias sob a ética do cuidado, objetivou constituir um espaço de visibilidade sobre a experiência desenvolvida no Espaço Ekobé ancorado no olhar dos seus atores protagonistas e, ao mesmo tempo, ousa constituir-se instrumento pedagógico de vivencias de arte e educação popular voltadas para o cuidado com a vida. Para construção dessas reflexões, lançamos mão proposta da Ciranda de Aprendizagem e Pesquisa (Dantas, 2009), na linha da pesquisa-ação que incorpora as bases da educação popular e a dimensão da arte como transversal a todo o percurso. O vídeo, com duração de 10 minutos, é constituído por depoimentos dos gestores-cuidadores do espaço acerca das práticas ali desenvolvidas, alguns dos quais construídos com linguagens da arte e cultura populares como repentes, cantigas, entre outras. Estes são permeados por vivencias no espaço que visam propiciar o reconhecimento do jeito de fazer saúde acumulado tradicionalmente nas formas populares de cuidar, nomeadas como Práticas Populares de Cuidado. As cenas e imagens destas, desvelam processos de cuidado dialogados, participativos e humanizados, acolhedores da cultura e do saber popular. Identificam uma postura integradora do ser humano reconhecendo e legitimando crenças, valores, conhecimentos, desejos e necessidades das classes populares, refletindo sua leitura do mundo, referenciadas na ancestralidade e cuja principal referência é a profunda vinculação e amorosidade às pessoas, às comunidades. Entre as práticas coletivas evidenciadas no vídeo podemos referir o corredor do cuidado, vivencias cenopoéticas, banho de som que ocorrem em momentos como acolhidas de estudantes, aulas de disciplinas da universidade e de processos formativos ofertados pelo Ekobé pautadas na educação popular e PICs. O Corredor do Cuidado é uma vivência cujo princípio é acolher e cuidar das pessoas do modo como desejariam ser cuidadas, para que, ao entrar naquele corredor humano possam perceber a importância do carinho, da amorosidade e do respeito com o outro . As vivencias do corredor têm agregado, cuidados ancestrais, onde ele ocorre e em geral se transforma em uma espiral para refletir sobre a relação s com o planeta e o universo. A cenopoesia, se articula com outras linguagens para ganhar diversidade e dar força ao discurso e sua capacidade de expressão. Atua como espaço de articulação e interfaces entre linguagens em seus aspectos formais e em suas especificidades para construir algo como que um campo dialógico, sinérgico e harmônico gerador de novas imagens, novos sentidos; multifacetados, mas ressignificados como linguagem única, porém aberta e viva. E aí a música e o teatro principalmente, têm trazido grandes contribuições. (LIMA, 2008). Traz a possibilidade de ampliar a comunicação, rompendo com as limitações da língua escrita e falada. Portanto, seu exercício é uma busca intensa de diálogo entre as artes, as linguagens; as pessoas, ideias e visões de mundo, na perspectiva eco-humanizadora. O exercício dessa linguagem parece revelar-se ao mesmo tempo como uma forma singular de produção artística onde dialogam diversas linguagens e na experiência do Ekobé, também como estratégia educativa em diálogo com o cuidado a partir da qual é possível refletir e problematizar a realidade, lançando mão de inumeráveis possibilidades de criação e expressão e inclusive de compor com os corredores do cuidado, as vivencias coletivas de automassagem, entre outras. No contexto do Ekobé essas práticas se propõem também, ao serem ofertadas de forma solidária e cooperativa a promover o acesso destas aos atores do movimento popular tendo em vista que , em geral são disponibilizadas em espaços privados e inacessíveis às classes populares. Além das práticas coletivas, o vídeo evidencia praticas individuais como o reiki, a massoterapia e a massagem do som com as taças tibetanas que também é utilizada em um ritual coletivo chamado banho de som. O envolvimento de estudantes, usuários do CAPS e dos serviços de APS, além pessoas das comunidades tem propiciado a ampliação do olhar sobre o cuidar que inclui autonomia, diálogo, amorosidade, confiança e cooperação, incorporando os jeitos de cuidar que cada um traz além de dimensões como a criatividade, o lúdico e a espiritualidade. Desvela ainda outros desenhos do cuidar nos quais a arte e a cultura se incluem incorporando o saber de experiência feito dos partícipes como um saber construído na dimensão do vivido. Parece-nos que os processos vividos no Ekobé possibilitaram aos cuidadores e pessoas cuidadas o aprender a aprender, pois, como disse Freire (2003, p. 88), “ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos na prática social de que tomamos parte”. As cenas e imagens desvelam ainda as possibilidades de um modo de produzir cuidado mobilizando energias, experiências, vontades de reinventar e seguir aprendendo e experenciando possibilidades de transformação dos sujeitos em sua relação com o mundo. Nesse caso, o Ekobé constitui-se espaço polifonico, como um mundo muito singular, tendo como centralidade e princípio fundamental o cuidado, onde “cuidar do outro é cuidar de mim, cuidar de mim é cuidar do mundo.
Palavras-chave
CUIDADO, ARTE, POLIFONIA