Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A alteridade como interrogação às práticas em saúde
Hevelyn Rosa Machert da Conceição, Augusta Thereza de Alvarenga

Última alteração: 2017-12-22

Resumo


Título: A alteridade como interrogação às práticas em saúde

Apresentação:

O resumo apresentado a seguir integra uma pesquisa de doutorado em Saúde Pública em andamento, cujo objetivo é analisar a potência problematizadora do conceito de alteridade em referência às práticas em saúde em um diálogo com a Antropologia.

Desenvolvimento do trabalho:

De modo a nos aproximar do tema, trazemos à cena uma experiência vivida pelo antropólogo Pierre Clastres, acompanhada por um breve reconhecimento da questão da alteridade. Em um segundo momento, tecemos considerações sobre as potenciais implicações para o trabalho em saúde a partir do conceito de alteridade. A análise do discurso proposta por Michel Foucault compõe nossa principal baliza na construção dos procedimentos metodológicos, sendo que a fim de operacionalizar o estudo, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental.

Após alguns meses vivendo entre os índios Guayaki no Paraguai, Pierre Clastres, antropólogo francês, sente-se desencorajado face ao silêncio e à indiferença com os quais era tratado pelas pessoas dessa tribo. Clastres não percebia nenhuma acolhida entre os índios e com o passar do tempo ficou clara a distinção que faziam dele - um homem branco estrangeiro - em relação a outros índios, inclusive de diferentes tribos.

Diante disso, o projeto de pesquisa por ele construído quando da vinda para as terras paraguaias sofreu um revés responsável por trazer à própria pesquisa questões que não se achavam ali incluídas. Pierre Clastres descobre que estudar os Guayaki implicava algo a mais do que deslocar-se até seu território e conviver por vários meses com eles. O antropólogo constata que não é somente seu conhecimento que traçará as linhas sobre as quais a relação com os índios vai acontecer, pois, no encontro com os índios ele se depara com a alteridade que também trará implicações para o conhecimento que será produzido.

Esse processo vivido pelo antropólogo francês longe de ser apresentado como um percalço no caminho de sua pesquisa aparece para resituar a postura do pesquisador, levando-o a considerar a relevância do outro na construção de seu percurso. Nesse sentido, Clastres afirma um modo de produzir conhecimento que procura realizar-se através de um diálogo com o outro, de uma co-produção, e não tanto por meio apenas da construção de um discurso sobre esse outro.

Esses achados de Pierre Clastres em sua jornada antropológica, que remetem ao encontro com o outro, ecoam para nossos fazeres na área da saúde de que formas? Aceitando o convite ofertado por essa interrogação é que o problema aqui apresentado vai ganhando forma. O outro, que nessa experiência do antropólogo residia nos índios Guayaki, oferece-nos o vislumbre de outros mundos possíveis, criando condições para que o pensamento entre em contato com a diferença, desestabilizando certezas prévias e possibilitando o surgimento de novos problemas e novos olhares.

Considerando a potência problematizadora da alteridade, torna-se questão relevante interrogar como lidamos com as diferenças na área da saúde, especialmente no encontro entre profissional e usuário dos serviços assistenciais. O encontro, elemento fundamental na área da saúde nos remete ao momento inescapável em que uma pessoa que demanda um serviço está diante de outra que o recebe. Entendemos que o trabalho em saúde se desenvolve necessariamente em rede, em relação. A micropolítica da organização do trabalho percebe a criação de fluxos de conexão nas relações entre os profissionais como as rotas que a produção do cuidado percorre, para além da estrutura normativa. Portanto, quando consideramos o processo de trabalho na saúde, acionamos ferramentas sensíveis à dinâmica das relações e ao fluxo de comunicação que se dão no cotidiano de um serviço em saúde.

Sobre os encontros na saúde, entendemos que se trata de um espaço privilegiado para pensarmos a questão da alteridade. É ali, em relação, que trabalhador e usuário operam com suas ferramentas de modo a manejar processos de saúde e doença. Levando em conta que a complexidade na Saúde Coletiva tem se mostrado cada vez mais presente em todas as dimensões do campo - teóricas, práticas e institucionais -, o encontro torna-se um dispositivo estratégico para a construção de um cuidado mais singular. Por outro lado, ao passo que a complexidade dos problemas enfrentados aumenta, nota-se também a imposição de limites para manejá-los de acordo com os parâmetros da ciência tradicional positivista e disciplinar. Temas como violência, sustentabilidade, subjetividade e sexualidade, por exemplo, constituem-se como sérios desafios a investigações filiadas ao paradigma clássico de ciência por manifestarem-se como objetos complexos não passíveis de esgotamento dentro de um único campo disciplinar, demandando a integração de diferentes disciplinas e, por vezes, diferentes racionalidades para uma abordagem consistente.

Resultados e/ou impactos:

Nessa perspectiva, os resultados preliminares desta pesquisa apresentam-se em três eixos: a definição de alteridade; o papel da Antropologia na Saúde; implicações da articulação entre Saúde e Antropologia para o campo da Saúde Coletiva. O primeiro eixo, diz respeito aos significados atribuídos à alteridade; no segundo ocupa-se de buscar compreender qual o lugar construído para a Antropologia no debate em Saúde. Por fim, no último eixo levantamos quais as implicações para o campo da Saúde quando este campo articula-se à Antropologia com a finalidade de discutir a alteridade.

A articulação com a Antropologia se dá pelo lugar privilegiado com o qual esse campo dedica-se à questão da alteridade. E que, por sua interface com a saúde, pode oferecer instrumental valioso ao possibilitar a inserção de perspectivas e práticas em saúde no contexto cultural, desnaturalizando-os e, assim, fazendo o caminho inverso da ciência tradicional que procura lançar seus procedimentos em um plano destacado da sociedade. Trata-se de uma oportunidade de desnaturalizar a produção da saúde para que a análise da alteridade não se limite a fornecer instrumentos para traduzir um ponto de vista diferente a fim de submetê-lo à hierarquia do saber sanitário.

Já que é na intersecção entre Antropologia e Saúde que nos posicionamos, outra contribuição desta pesquisa consiste em tomar a alteridade como questão que se interpõe em encontros dentro de uma mesma sociedade, sem que corresponda apenas ao contexto relacional entre povos de diferentes etnias. Demarcar tal posicionamento na proposta é importante, uma vez que através dessa posição chamamos a atenção para a alteridade que reside no encontro entre quaisquer pessoas que habitem uma mesma sociedade.

Considerações finais:

É importante destacar a complexidade e multidimensionalidade dos problemas em saúde e a sua relação com o processo de trabalho na área. Aproximar-se dessa realidade exige ferramentas e teorias que suportem a consideração de tantos aspectos diferentes, sendo que uma das saídas possíveis pode residir em reconhecer a dimensão da imprevisibilidade na produção de conhecimento científico através de uma outra maneira de se relacionar com os objetos de pesquisa. A oferta que as práticas interdisciplinares e transdisciplinares trazem à área da saúde é, segundo Luz (2009), a de integrar conhecimento gerado a partir de pesquisas experimentais, quantitativas, qualitativas e aplicadas com aquele advindo das práticas dos sujeitos - como usuários de serviços de saúde, por exemplo.


Palavras-chave


alteridade; transdisciplinaridade; antropologia em saúde