Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2018-01-21
Resumo
APRESENTAÇÃO
Os conceitos de território e territorialização são bastante complexos, abrangendo múltiplas dimensões e aspectos. O território é um espaço vivo em permanente construção e reconstrução, produto de uma dinâmica social onde se tencionam sujeitos sociais. Dessa forma, a concepção de território não se refere apenas a um espaço físico, mas diz respeito a relações econômicas, políticas, culturais e sociais.
Nesse contexto, a territorialização em saúde toma como base para a constituição da atenção à saúde as demandas da população, bem como suas características e o modo como organiza suas vidas e relações. É uma metodologia capaz de modificar o modelo das práticas assistenciais e de gestão, fazendo-se, portanto, importante para os processos formativos em saúde.
Da produção científica sobre territorialização em saúde, pouco se contempla esse processo no contexto hospitalar, direcionando a produção aos campos da atenção básica e às políticas de saúde comunitária. Compreende-se, porém, que o hospital pode ser considerado também um território no qual se faz importante conhecê-lo e fazer parte dele, na tentativa de ordená-lo de acordo com as necessidades e possibilidades das práticas de intervenção, a fim de adequar as ações ao público alvo; não imergindo no serviço como um agente externo, mas atuando como sujeito do próprio território.
O programa de Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará (RIS-ESP-CE) propõe a territorialização como meio de inserção nos territórios, permitindo que os profissionais residentes possam compreender a dinâmica do cenário de prática, voltando-se para os múltiplos fluxos que os constituem e os diversos atores que dão vida e mobilidade às práticas de saúde. Mais do que uma simples visita ou imersão imediata, a proposta da territorialização aponta para uma inserção gradual no cenário de prática. Dessa forma, este estudo teve como objetivo relatar a experiência e os resultados do processo de territorialização de residentes interprofissionais de um hospital pediátrico de referência do Ceará.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
A territorialização foi realizada entre 09 a 30 de junho de 2014, período destinado pelo programa de residência para esta atividade, no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS). Um cronograma foi organizado pela coordenadora e residentes para que se realizasse o percurso por todos os setores do hospital: unidade de urgência e emergência, ambulatório, unidades de internamento (cirurgia, neonatologia, neurologia, clínica médica, especialidades, unidades de terapia intensivas), centro pediátrico do câncer, coordenações das categorias profissionais e outros (raio X, banco de sangue, banco de leite, SAME, ouvidoria, transplante de órgãos, biblioteca, serviços gerais).
As 18 residentes se distribuíram em 6 trios e, em sistema de rodízio, conheceram todos os setores citados acima em período integral. Através de observação e visitas aos setores/serviços e diálogo com os profissionais, usuários e familiares foi possível colher informações sobre relações de poder, determinantes sociais e assistência nos cenários de práticas e a partir disso, identificar fortalezas, fragilidades, oportunidades e ameaças na instituição.
RESULTADOS
O HIAS é um hospital infantil terciário de referência no Ceará que acolhe a demanda sanitária relacionada a doenças graves, raras e de alta complexidade de todos os municípios do estado e de estados vizinhos da região Nordeste e, em casos excepcionais, da região Norte do país. Em 2014, o HIAS aderiu ao programa de Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará-RIS- ESP-CE, iniciando a primeira turma da ênfase em Pediatria, contemplando 18 residentes de 8 categorias profissionais da saúde, a saber: enfermagem, farmácia, fisioterapia, nutrição, odontologia, psicologia, terapia ocupacional e serviço social. Atualmente, o hospital possui 360 leitos, dos quais 53 são de internação domiciliar, uma iniciativa pioneira de acompanhamento das crianças e do adolescente em sua residência, dando todo o suporte técnico e assistencial. Ainda, realiza anualmente cerca de 300 mil atendimentos a pacientes de 0 a 18 anos em 28 especialidades médicas e 38 serviços de apoio assistencial, dos quais se destacam as especialidades de cirurgia cardíaca, neurológica, ortopédica, deformidades (lábio leporino e fissura palatal) e oncologia.
Por ter um perfil generalista, o HIAS se subdivide em espaços geográficos bem distintos, onde cada setor demonstra a especificidade do seu espaço físico e da organização da rotina e dos procedimentos a serem executados por cada profissional, assim como das relações interpessoais construídas no cotidiano do serviço. Essa variedade de espaços contribui para que o HIAS participe da Rede de Atenção à Saúde em várias frentes, a saber: Urgência e Emergência, Materno-Infantil e Doenças Crônicas, além de ter parcerias com os demais hospitais de nível secundário e terciário.
A partir das observações e diálogos com os profissionais, pacientes e familiares, percebeu-se que há um acolhimento diferenciado e humanizado dos usuários, atitude justificada pelos profissionais por se tratar de um hospital infantil. Também há uma resolutividade das demandas e uma boa imagem do hospital pelos pais, que às vezes peregrinam por diversos serviços da rede de assistência à saúde. Além disso, o HIAS tem parcerias com ONGs e casas de apoio para pacientes e familiares dos interiores. No entanto, há um nó crítico no serviço de urgência e emergência, que acolhe uma demanda que não faz parte do perfil de atendimento, devido às fragilidades da rede, e que acaba superlotando o setor.
Percebeu-se também que há uma carência de determinadas profissões no hospital, a exemplo da psicologia e fonoaudiologia, além de uma redução de profissionais no quadro geral, consequência da deficiência no plano de cargos e carreiras no serviço público, por conseguinte, não há uma renovação e/ou aumento do número de profissionais, mas sim um aumento de profissionais organizados em cooperativas.
Dentre as fragilidades observadas, a que chamou atenção foi a falta de equipes multiprofissionais na maioria dos setores e, quando elas estão presentes, há uma dificuldade de atuação interdisciplinar, reforçado pelo modelo biomédico ainda fortemente presente na instituição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da territorialização foi possível identificar fortalezas, fragilidades e ameaças, assim como prioridades nos cenários de práticas. Isso possibilitou uma reflexão sobre os processos vivenciados e sobre os espaços nos quais a residência poderia atuar de forma eficaz, resultando na implementação de atividades, como: grupos de cuidado ao cuidador, educação em saúde para acompanhantes e pacientes (salas de espera, grupos temáticos, atendimentos compartilhados), orientações de alta hospitalar, além de grupos de estudos para a formação das residentes e dos profissionais interessados.
Esse modo de imersão no território não passou despercebido por alguns profissionais que não estavam envolvidos com a residência, pois eles relataram a dificuldade de iniciar um trabalho sem conhecer as especificidades do setor. Um aspecto facilitador dessa imersão foi a participação efetiva da coordenadora e das preceptoras e de outras pessoas de referência do HIAS no processo de territorialização, pois as mesmas acompanharam e apresentaram as residentes nos serviços visitados como forma de promover um elo entre os profissionais e as residentes.
A territorialização, enquanto processo de aproximação e observação do campo de trabalho, possibilitou adentrar no hospital de um modo diferenciado dos demais profissionais, residentes de medicina e estudantes universitários, visto que, nos possibilitou exercer um olhar crítico sobre os fatores concernentes a rotina, procedimentos e relações interprofissionais e interpessoais dos diversos setores do hospital como daqueles relacionados aos determinantes sociais e epidemiológicos.