Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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JUVENTUDE, ATIVIDADE TEATRAL E REDUÇÃO DE VULNERABILIDADE
Adriana Soares Caetano, Claudia Regina Brandão Sampaio

Última alteração: 2017-12-21

Resumo


APRESENTAÇÃO:

A juventude tem sido associada à vulnerabilidade, figurando  nos estudos científicos e nas pautas das políticas públicas junto a fatos e indicadores que apontam os riscos variados aos quais estão expostos.  Vulnerabilidade pode ser definida enquanto um potencial negativo resultante da exposição a fatores de risco de diversas naturezas (sociais, econômicas, políticas, culturais, entre outras. É um resultado complexo de um conjunto de fatores e não meramente uma relação direta com os riscos presentes. São reportadas questões como DSTs, gravidez não planejada, abuso de substâncias, violência sexual, a situação de rua, precarização ou não acesso ao trabalho, abandono escolar ou frágil escolarização, a falta de garantias de direito, vitimização (violência e morte por causas externas), e envolvimento com o crime/ato infracional.

As vulnerabilidades citadas permitem problematizar acerca dos modos de vida que a sociedade contemporânea tem produzido como possibilidade aos sujeitos compreendidos neste momento significado como a juventude. Uma vez que as relações predispõem de modo distinto os diversos segmentos de sujeitos que compõem o tecido social, faz-se necessário ter um olhar diferenciado sobre o ser jovem, os processos que os vulnerabilizam e os que tornam possível o enfrentamento de tais adversidades.

Desafios tem sido colocados no sentido da produção de conhecimentos que permitam subsidiar intervenções que impactem na qualidade de vida de adolescentes e jovens face às vulnerabilidades que vivenciam. Intervenções junto a este segmento envolvendo artes em geral – e atividade teatral especificamente - não são raras. Contudo, faz-se necessário aprofundar o conhecimento sobre estas práticas.

A atividade teatral como uma das formas de expressão artística, é um modo de relação entre indivíduo e a sociedade. Como todo fazer humano integra a identidade de quem a executa e impacta na subjetividade. As atividades artísticas em geral têm se tornado alvo de interesse de pesquisas em áreas como a Psicologia, Educação e Saúde, no tocante ao potencial interventivo que estas podem possuir. A utilização da prática teatral tem se dado enquanto intervenção predominantemente como estratégia terapêutica ou educacional/transformadora em especial junto a pessoas com algum tipo de vulnerabilidade. A Psicologia de base histórico-cultural em Psicologia compreende que a atividade artístico-cultural humana abriga sentidos e é mediadora das relações entre sujeito e realidade social.

A atividade teatral é uma das formas de arte que privilegia a linguagem corporal e falada, bem como o desenvolvimento da imaginação, consistindo em uma mediação indivíduo-individuo, indivíduo-mundo, podendo ser associada a processos redutores de vulnerabilidade.   Esta atividade pode ter, portanto, sentidos mediadores e ser facilitadora da emergência de processos de proteção,  enquanto um produto vinculado à história de vida do sujeito na sua relação com a sociedade, mas também pode ser uma ferramenta para se trabalhar com produção de novos sentidos.

Outro conceito que surge em estudos sobre vulnerabilidade é o de resiliência. A despeito das variações conceituais, é definida de modo geral enquanto a capacidade para enfrentar a adversidade, não somente resistindo a esta, mas ultrapassando a mesma, de modo a não ter as resultantes negativas subsequentes possíveis nestes contextos. A juventude na contemporaneidade tem tido seus modos de vida associados a riscos diversos, expressando então a condição de vulnerabilidade. Ser adolescente e jovem em nossa sociedade implica em ter a vida permeada por vários riscos, como violência no âmbito familiar, violência no bairro em que vivem, uso de drogas, agressões na escola, desemprego, dentre outras.

Pesquisadores vem destacando a importância de enfatizar os estudos sobre o potencial de enfrentamento às adversidades, ao invés de pensar estritamente como os riscos afetam a vida dos jovens. Deste modo, preocupam-se em identificar e ativar processos protetivos que integrem essa equação e passem a operar na vida desses sujeitos. A partir da literatura revisada, ponderou-se que a promoção de novos modos de inserção de adolescentes e jovens na realidade social pode ocorrer tendo como um dos veículos a atividade teatral, pois enquanto atividade e expressão artística, favorece transformações que podem auxiliar os jovens a assumir papel mais determinante e menos limitador de suas capacidades. A pertinência de pensar a arte como produção humana e atividades artísticas como mediadoras da construção social e subjetiva, torna-se mais evidente. Acessar as experiências concretas de jovens participantes de grupos de teatro seria, pois, uma das formas de trazer à cena novas contribuições em torno da temática.

DESENVOLVIMENTO:

Problematizou-se se a atividade teatral teria potencial de promover recursos que funcionassem como transformadores do quadro de vulnerabilidade junto a jovens. Postulou-se como objetivos do presente estudo: conhecer a partir das vivências de um grupo de teatro de adolescentes/jovens da cidade de Manaus, o potencial promotor de transformações no quadro de vulnerabilidade e incremento de resiliência relacionadas às atividades artísticas inerentes à prática teatral; identificar indicadores de vulnerabilidade dos participantes; identificar os recursos indicadores de resiliência dos sujeitos e verificar em que dimensões a atividade teatral relaciona-se à modificação das vulnerabilidades apontadas pelos jovens como presentes em seu cotidiano. Foi feito um estudo exploratório de cunho qualitativo junto 11 participantes de um grupo teatral amador da cidade de Manaus, com idades entre 16 e 21. A estratégia de geração de dados se deu através da realização de oficinas de jogos teatrais segundo a proposta de Viola Spolin, tendo como temática a vulnerabilidade, o teatro e seus recursos. Pesquisou-se sobre teatro fazendo teatro. Os dados foram analisados segundo a Grounded Theory.

RESULTADOS:

Como resultados, verificou-se que a atividade teatral possui recursos que potencializam a resiliência e o enfrentamento das adversidades, sobretudo na dimensão individual (autoconhecimento, aprender a lidar com as próprias questões emocionais, desenvolvimento da criatividade, reflexividade) e alguns aspectos afetivo-relacionais (espaço para fortalecimento de vínculos, construção de novos modos relacionais e novos modos de lidar com conflitos). Todavia, fazer a atividade teatral em um contexto sócio-cultural que estigmatiza tal prática e rotula negativamente seus participantes, constitui um elemento que instaura novas vulnerabilidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os jovens demonstraram capacidade de superação, reinventando seu cotidiano, contudo encontram muitas dificuldades, como não disporem das condições adequadas para a prática artística. Apesar de estarem fortemente vinculados à atividade, acabam tendo que responder a outras situações tidas como prioritárias  em suas vidas. Os jovens participantes, mesmo vivenciando contextos de vulnerabilidade demonstram enfrentamento positivo, analisam suas dificuldades de modo crítico, apontam alternativas de maneira criativa, o que, segundo os mesmos, pessoas que não fazem teatro tem mais dificuldade em realizar. É na dimensão individual que o teatro potencializa mais recursos. Na esfera afetivo-relacional disponibiliza alguns, mas é também nesta esfera, aliado à sócio-estrutral (valores, conceitos), que surgem as maiores dificuldades.

O teatro é uma atividade que confere voz e espaço aos seus participantes. Contudo, é também rechaçada, estigmatizada socialmente, levando a travar embates diários com suas famílias, conhecidos e outros que desqualificam suas escolhas. Estes espaços precisam ser construídos nas relações sociais, sobretudo a partir do reconhecimento do valor da atividade teatral como produto humano, pleno de significado e produtor de sentido. Concluiu-se que o potencial da atividade teatral fortalece recursos de enfrentamento das adversidades, inclusive relativo às próprias dificuldades que encontram em realizar e ser aceitos e reconhecidos através de sua prática teatral, podendo ser meio significativo de produção subjetiva, de exercício da cidadania e promoção da saúde.


Palavras-chave


Juventude; Atividade Teatral; Vulnerabilidade