Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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FORJANDO O TERRITÓRIO: A EXPERIÊNCIA DA COMUNIDADE DE CAJAZEIRAS NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO HOSPITAL MUNICIPAL
Jéssica Oliveira de Almeida, Jamille Santos de Araújo, Magali Silva Miranda, Ida Oliveira de Almeida

Última alteração: 2018-02-06

Resumo


Apresentação:

O objetivo do presente artigo é registrar a experiência da comunidade de Cajazeiras, que a partir da notícia de construção do primeiro hospital municipal de Salvador, na área de proteção rigorosa do Rio Ipitanga, se organizaram Politicamente. Bem como partilhar as estratégias criadas para organização popular, assim como promover a visibilidade das atuais problemáticas e despertar novos atores para o envolvimento na causa socioambiental. Pois se tornou ponto comum das pessoas pensarem em estratégias de realocação da obra e de alerta aos demais moradores sobre as riquezas naturais do local, bem como da relação entre preservação e qualidade de vida, uma vez que vivenciam o racionamento de água.

Desenvolvimento do trabalho:

A experiência de participação popular da comunidade de cajazeiras, periferia da cidade de Salvador, capital baiana, tem como base a análise histórica do processo de organização política dos sujeitos e do seu entendimento sobre os impactos socioambientais do empreendimento hospitalar a médio e longo prazo na comunidade. Percebe-se uma demanda cada vez maior de água em virtude da poluição dos rios. Trata-se da única bacia hidrográfica ativa da cidade e que contribui com 40% da água consumida em Salvador.

 

Resultados e/ou impactos

Organização no coletivo Acordar, que ocupou espaços importantes de decisão, tal como audiências do Plano diretor de desenvolvimento urbano (PDDU) de 2016, reuniões com o movimento ambientalista da Bahia,  gestores da Area de Proteção Ambiental (APA) Joanes Ipitanga e organizações locais: povo de terreiro que vivem nas margens do rio Ipitanga I, diálogo com diferentes associações de moradores e Organizações Não Governamentais (as quais participaram das audiências públicas discutindo mobilidade e preservação ambiental).

Além de construir uma atividade discutindo a desigualdade socioespacial em Salvador, face do racismo ambiental. Uma das ações socioeducativas locais foram às trilhas ecológicas, pois através de pesquisas orais nas escolas foi percebido que a maior parte dos estudantes não sabiam da existência do rio. Houve ainda um manifesto poético na principal praça que existe na região. A intervenção contou com poetas locais, performance, músicos de Simões Filho (onde localiza-se a nascente do Rio Ipitanga), representantes de organizações do terreiro de candomblé de Salvador, além da sociedade civil.

Durante a jornada pedagógica de 2017 do Colégio Edvaldo Brandão Correia o coletivo apresentou o Projeto Por Água Abaixo que teve uma proposta de sensibilização com os professores em relação às problemáticas socioambientais locais. A política de Educação Ambiental Lei Nº 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999determina que as escolas devem trabalhar em seu calendário pedagógico conteúdos de forma permanente, visando competências voltadas para a conservação do meio ambiente, devendo estar presente de forma articulada  em todos os níveis e modalidades do processo educativo.

A política educacional com os Temas Transversais do Meio Ambiente inspirou a construção do projeto de intervenção, pois, abarca um caráter multidisciplinar ao fazer uso de uma gama diversificada de áreas do conhecimento, articulando assim acesso à água potável, saúde, direito ambiental, racismo, cultura, dentre outras transversalidades necessárias à formação no ensino.

Os eixos de discussão foram: empreendimentos locais; saneamento básico; história ambiental e local; mata ciliar; histórico da barragem; fauna flora e formas de subsistência. Os alunos pesquisaram e visitaram o campo (como foi e está a comunidade) e ao final do ano realizaram apresentações teatrais, musicais e em forma de banner sobre o conteúdo apreendido, além de praticar o ativismo em praça da comunidade e em uma escola.

Por fim, foi realizada ainda uma articulação Universitária, através da Pesquisa-Ação em Ecologia Social. O projeto intitulado ‘‘águas vivas’’ surge como uma proposta metodológica de coleta de dados que interage de forma intencional com seu objeto de pesquisa de forma que contribua com a comunidade. É um meio de produzir conhecimento teórico sem negligenciar a práxis.

Foram envolvidos estudantes de nutrição, tecnologia da informação, direito e serviço social a fim de garantir um debate interdisciplinar e ampliar a capacidade crítica a partir das contribuições das diversas áreas do conhecimento. Foram realizadas etapas formativas, além de coleta e análise de dados, bem como intervenções propositivas na comunidade. Com isso foi possível obter dados mais concretos sobre quem vive próximo ao rio. Em que predomina um perfil de pessoas que se autodeclaram negras, de baixa renda, com educação fundamental e que tem o rio como forma de lazer, inclusive, moram naquele local devido a sua existência.

Entender o processo de implementação do hospital como racismo ambiental requer uma reflexão sobre o lugar e os modos de vida onde estão inseridos os sujeitos, e que foram desrespeitados. Na coleta de dados via entrevista semiestruturada, foi possível comprovar ainda que as pessoas que vivem no local souberam da construção do hospital quando os tapumes foram colocados, ou seja, se quer foram avisadas ou consultadas na fase de planejamento.

Considerações finais

A constituição federal de 1988 determina que o uso e ocupação do solo seja democrático; enfatiza que o povo tem o direito de participar e decidir de forma autônoma como querem o território em que vivem. Porém, sem a base educacional e condições básicas de saúde garantidas (principalmente alimentar) é inviável essa participação.

Se tratando do rio Ipitanga e a construção do hospital municipal a menos de 50 metros do local de captação da água, o direito à cidade não foi garantido, pois apesar da mobilização da população, as alternativas apontadas não foram consideradas, assim como o Estudo de Impacto de Vizinhança não foi realizado.

A prefeitura tem o domínio da legislação e das formas de burlá-la, com isso manipular os grupos minoritários. O Racismo ambiental se caracteriza principalmente pela dificuldade da população em se organizar politicamente (a tempo de dar respostas ao poder municipal), uma vez que as lideranças não estavam mobilizadas.

Por isso a ênfase foi de instrumentalizar os/ as jovens em fase escolar para que possam estipular metas para a comunidade em que vivem e pressionar o Estado. A escola tem a responsabilidade de abrir-se para as demandas do seu território, que perpassam por reconectar cultura, educação, meio ambiente e saúde, como forma de garantir qualidade de vida (não pela saúde como ausência de doença, mas, como as possibilidades de ação perante os desafios vivenciados).

A opção em discutir e problematizar o aparelho estatal se dá por duas razões: a primeira porque o Estado está sempre organizado para defender a classe dominante, mas isso foi disfarçado com a ideia de estado de bem estar social. A segunda porque ao mostrar as suas contradições diante da sociedade (que o EIVI não é aplicado), desmascara-se a ideia de garantias constitucionais e devolve-se ao sujeito a necessidade utilizar da autoconsciência, crítica e auto-organização para educar, construir o lugar e melhorar sua condição de vida.

Apesar das ações do coletivo não terem conseguido alcançar em tempo hábil o objetivo de realocação da obra, e, hoje (dois anos após a luta ter sido iniciada) o empreendimento está na fase de finalização, foram alcançados resultados mais abrangentes com as intervenções propostas. Um exemplo disso é o crescimento de pessoas que buscam informações com o coletivo e se articulam para pautar o parque municipal do Ipitanga em espaços de gestão, defendendo a única bacia hidrográfica ativa da cidade. Ademais, percebe-se a auto-organização de estudantes para realizar visita ao rio, entrevistar moradores, organizar manifestação e realizar panfletagem sobre os problemas enfrentados.

 

 


Palavras-chave


Participação Popular; Racismo Ambiental; Hospital Municipal; Direito à cidade; territorialização