Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A carne mais barata no mercado é a carne negra: Intervenção teatral acerca das relações raciais no Brasil
Andreza Cristina da Costa Silva, Claúdia Regina Brandão Sampaio

Última alteração: 2018-01-25

Resumo


“A carne mais barata no mercado é a carne negra” letra interpretada por uma ícone da música brasileira: Elza Soares, artista, mulher e negra. Tal frase carregada de sentido e denúncia é disparadora para a construção de um olhar acerca das práticas voltadas para as demandas desses sujeitos. É importante ressaltar que esse projeto é um desdobramento da pesquisa de mestrado que está em construção e que possui o objetivo de retratar sobre o processo da identidade da mulher negra. Construiremos essa montagem cênica escancarando o racismo e as formas violentas em que o povo negro no Brasil é submetido, sobretudo fazendo um recorte de gênero, onde a mulher negra vivencia uma dupla vulnerabilidade em ser e viver em um país marcado pelo patriarcado e o preconceito racial. O Brasil através de suas particularidades, construiu um processo histórico diferente de outros países no que tange aos direitos do povo negro. Nesse sentido é necessário que localizemos a nossa história e voltemos à ela a fim de resgatar formas de superação como também devolver à população, hoje, um presente para além desse histórico opressor, através da potencialização e positivação do ser negro“A carne” conta a história de várias mulheres negras no Brasil, grita e sussurra uma vivência marcada por estereótipos, ideologias dominantes como o machismo e o racismo que forjam e penetram nesses corpos marginalizados e inferiorizados pela sociedade. A montagem será representada por uma única personagem em cena que embora singular, projeta a dor, sofrimento, resistência, conquista, liberdade e autonomia compartilhada por todas as mulheres negras no Brasil. É um retrato, um reflexo do cotidiano de lutas e conquistas, de perdas e ganhos dessas heroínas brasileiras. Revela não só a existência de mundos diferentes em um mesmo contexto social, mas como ele é silenciado e invisível aos olhos dos Outros. Como ela suporta? Sua pele, cabelo, boca, corpo são negados, inferiorizados, depreciados. Como ela resiste? Seu intelecto, suas relações afetivas e amorosas são apagadas e tolhidas pelo padrão branco, e mesmo assim, ela permanece. “A carne” tem por intuito possibilitar um olhar crítico sobre a vivência da mulher negra, rompendo com as amarras sociais e com os estereótipos que limitam essa identidade. Para isso, o espetáculo transitará entre o riso sarcástico e o riso libertário, entre o horror conivente e o espanto inicial. O público atuará ora como sociedade silenciando essa identidade, ora como o próprio reflexo subjetivo dessa mulher. A disposição dos lugares do público será realizada num espaço de semi-arena, possibilitando uma aproximação espacial e subjetiva com a personagem. “A carne” é uma produção que em seu título já expressa os sentidos de uma vivência em torno de um rótulo, um pedaço de carne atravessada por uma história de subserviência, de solidão, de anormalidade, de invisibilidade social. Em um país que desde o seu processo histórico vem silenciando e oprimindo identidades distantes do padrão eurocêntrico e americanizado, coaduna para que violências das mais diversas ocorram com os “destoantes”. Falar, mostrar, expressar a vivência de uma mulher negra na sociedade em qual estamos inseridos é um ato político, urgente e sobretudo libertador, pois fala de um lugar marginalizado, estereotipado e invisibilizado por uma classe elitista e brancocêntrica. Colocar em cena uma mulher negra como personagem principal, revelando e protagonizando suas angústias, temores, alegrias é subverter o sistema, é desvelar, tirar os véus de uma sociedade adoecida. Com isso, pretende-se possibilitar o reconhecimento da diferença, e desta feita, respeitá-la como tal. Embora carregada de sentidos catárticos, a montagem contará também com o banalizado, o lugar comum, o conhecido, tendo em vista que as cenas fazem parte da realidade brasileira, resultando num arsenal de significados. A relevância da montagem “A carne” está situada em todo o corpo do texto, porém é salutar acrescentar que sua produção é uma ferramenta necessária em tempos de relações de poder tão violentas e ditadoras, onde ser diferente é denotado de sentido negativo, subjugado, inferior, não considerado como um ser legítimo na relação com o outro. A mulher negra é uma figura de resistência, pois mesmo num cenário histórico e cultural onde o seu passado, presente e futuro são negados, ela está ali presente, pulsante, segurando o que lhe resta,ressignificando, transformando e resistindo na carne. Cabe pontuar que neste projeto de intervenção, há o interesse de realizar o workshop “Negritude + Teatro: pistas para criação” que acontecerá durante três dias, com o intuito de se debater e refletir com a sociedade as questões raciais no Brasil e colocá-las em cena. Para isso, o workshop será dividido da seguinte forma: No primeiro dia, será realizado uma conversa acerca das relações raciais no Brasil com os participantes, onde os mesmos poderão compartilhar um pouco de suas experiências, respeitando sempre o lugar de fala dos sujeitos tematizados no trabalho. Vale evidenciar que esse momento será de extrema importância no workshop, pois será a partir dele que iremos construir narrativas de vida que propiciará no prosseguimento do trabalho. Para o segundo dia, o foco do workshop será a criação dentro do espaço urbano, contribuindo com as formas que nosso processo utilizou para a criação cênica. A apropriação da cidade e o diálogo que o corpo tem com a mesma serão um dos pontos a serem experimentados neste segundo dia. Além disso, a partir das histórias compartilhadas no dia anterior, será realizado um experimento dentro da sala de ensaio. O terceiro e último dia, os participantes do workshop levarão seus experimentos, que até então estavam na sala de ensaio, para o espaço urbano, buscando sempre dialogar o corpo com a cidade. É importante pontuar que embora o workshop tenha como proposta evidenciar a vivência da população negra, entendemos que essa identidade não é construída de forma isolada e descolada de seu tecido social. Neste sentido percebemos que todos os sujeitos sociais fazem parte desse processo: negros, não-negros, indígenas entre outros. Logo, a intervenção é aberta para o público em geral, e pode ser aplicada em qualquer espaço, na escola, no trabalho, universidade e na rua. Conclui-se que é dessa maneira que contribuiremos para um diálogo transformador acerca das relações raciais no Brasil.

Palavras-chave


relações raciais, teatro, intervenção teatral