Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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APOIO INSTITUCIONAL NA GESTÃO FEDERAL DA ATENÇÃO BÁSICA: estudo sobre democratização e gestão pública
Francini Lube Guizardi, Leonardo Passeri de Souza, Ana Silvia Pavani Lemos, Felipe Rangel de Souza Machado

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


A partir do ano de 2011 a função apoio institucional foi incorporada de modo amplo como uma estratégia relevante para implementação de políticas de saúde prioritárias, direcionadas à qualificação de redes de atenção à saúde no SUS (QualiSUS- rede). Essa inserção tem como contexto político-institucional o enfrentamento de alguns problemas históricos deste sistema, em particular sua elevada fragmentação e os problemas de comunicação e ação coordenada entre entes federativos.  O recurso à função apoio institucional é desta forma justificado como uma alternativa aos modos hegemônicos de gestão em saúde, que se revelaram ineficientes na resolução de um conjunto de questões centrais à consolidação do SUS.

Esta inserção do apoio institucional na qualificação de redes de atenção apresentou características diferentes do movimento inicial em torno à metodologia, na medida em que os apoiadores passaram a ser diretamente contratados pelo poder executivo federal, exercendo o mandato de articulação e suporte aos demais entes federados, em relação a um determinado conjunto de objetivos específicos da política de saúde. Com isto houve ampliação em âmbito nacional do recurso ao apoio institucional como uma função específica de gestão.

Tendo em vista estes fatores, a pesquisa em tela teve como objetivo produzir dados qualitativos a fim acompanhar e problematizar o processo político de inserção do apoio institucional na atenção básica em saúde (AB). Tal delimitação do objeto de pesquisa se justificou pela relevância e capilaridade dessa política, responsável pela principal porta de entrada do SUS, pela maior oferta de serviços e, formalmente, pela função ordenadora do sistema. Desta forma, a pesquisa buscou identificar potencialidades e limites da função apoio institucional como estratégia para democratizar a gestão de políticas de saúde, a partir do campo de ação da Política de Atenção Básica em Saúde, conduzida pelo Departamento de Atenção Básica, do Ministério da Saúde (DAB/MS). Buscou-se, especificamente, analisar os principais efeitos que a função apoio institucional produziu no contexto da atenção básica, no período 2011-2015, em relação aos problemas históricos de fragmentação institucional e concentração normativa da política de saúde.

O desenho do estudo inscreve-se no campo da epistemologia qualitativa. Os dados foram produzidos entre outubro de 2015 e julho de 2017, por meio de três grupos focais, 23 entrevistas semi estruturadas, realizadas com dirigentes do DAB/MS (2), técnicos da Coordenação Geral de Gestão da Atenção Básica (17) e Apoiadores descentralizados (4). Realizamos também observação participante do VI e VII Fóruns Nacionais de Gestão da Atenção Básica. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em junho de 2014, aprovado e registrado sob o  CAAE: 34349314.4.0000.5650.

O material produzido no trabalho de campo foi integralmente transcrito e codificado com a utilização do software Atlas.ti. Recorremos a quatro categorias operacionais prévias (perfil dos apoiadores; trajetória profissional; formação/qualificação profissional; experiência do apoio institucional na CGGAB; apoio integrado do MS), que se desdobraram em outras 29 subcategorias. A análise baseou-se nos referenciais teóricos da Ergologia, particularmente a obra de Yves Schwartz e Louis Durrive.

Os resultados indicam que o apoio institucional foi adotado como ferramenta de gestão: um recurso/estratégia adicional, que embora incidisse nas práticas e relações federativas da gestão praticada pelo departamento, com a perspectiva de apoiar os estados e municípios a partir de uma relação de cooperação e não de supervisão, não alcançou a condição de modelo de gestão. Este dado é expresso na dupla função dos trabalhadores da CGGAB, que tanto atuavam como apoiadores institucionais centralizados, como também desempenham a atribuição de ser referência técnica de uma ou mais frentes de ação programática do departamento.

Encontramos três diferentes arranjos organizativos do apoio institucional da CGGAB no período em análise. O primeiro se caracterizava por duplas e trios de apoiadores responsáveis por um determinado conjunto de estados (em torno de 2 a 4). Na segunda configuração cada apoiador centralizado passou a apoiar individualmente um estado, ou quando necessário, mais de um. Neste contexto houve a implementação do apoio descentralizado, como parte do movimento mais geral de estruturação do Apoio Integrado, articulado pelo projeto qualiSUS redes. Com isso, o apoio centralizado (AC) atuava conjuntamente com o apoio descentralizado (AD) naqueles estados em que a estratégia estava implantada. E, por fim, uma terceira composição, resultante do entendimento de que não haveria necessidade de duas referências de apoio para um mesmo estado.

Identificamos que tanto o AC quanto o AD tinham caráter generalista, ou seja, o apoio ofertado aos estados e municípios era relacionado às principais frentes da Política de Atenção Básica, mas também às políticas transversais do SUS.  O apoio integrado foi avaliado como uma estratégia pouco efetiva, cuja implementação/operacionalização não avançou, apesar de o DAB/MS ter participado de alguns movimentos institucionais nos territórios e na gestão interna da proposta. De modo geral o apoio institucional conformado pelo DAB/MS desenvolveu-se paralelamente a estes movimentos.

Mapeamos os seguintes atores como interlocutores das relações de apoio construídas: Secretarias estaduais e municipais de saúde, principalmente departamentos/ coordenações estaduais e municipais de atenção básica; Técnicos de outras coordenações do DAB e de outros setores do MS; Apoiadores institucionais vinculados à estratégia do apoio integrado nos territórios; Conselhos de secretários de saúde, principalmente o COSEMS; Comissões intergestores (tripartite, bipartite e regional);  Conselhos de saúde (estaduais, municipais e locais); e Universidades e instituições de pesquisa.

As atividades realizadas incluíam suporte/contato remoto (via e-mail, telefone, mensagem de texto e videoconferência); compartilhamento de materiais e informações técnico-operacionais; realização e participação de reuniões; realização de oficinas, capacitações e encontros de alinhamento; participação em grupos de trabalho e câmaras técnicas; visitas técnicas e participação em eventos institucionais e acadêmicos.

Concluímos que o acesso e uso de informações estratégicas da gestão pública federal revelou-se um componente nuclear do apoio institucional realizado, que intervém em sua legitimação, sendo muitas vezes manejado como um recurso de construção do vínculo. Os resultados indicam que o apoio institucional ampliou a acesso de seus interlocutores às informações técnicas da política de Atenção Básica, mas incidiu apenas indiretamente na construção de maior transparência destas informações, na medida em que qualificou a construção de instrumentos normativos e outras ações institucionais.

Nesse sentido, a estratégia engendrou e fortaleceu redes sócio técnicas, articuladas em função da PNAB, como dispositivo de mobilização e ação no Estado. Importante observar que este efeito revela-se condicionado à constituição de relações pessoais, limitadamente transferíveis. Tal aspecto não consiste numa especificidade do apoio, porém, como a efetividade da estratégia depende da qualidade deste vínculo, inferimos que seu manejo tenha sido qualificado e institucionalizado pelo apoio como recurso de gestão. Quanto a isto, o apoio institucional demonstra operar com mais eficácia instituições historicamente arraigadas no Estado Brasileiro sem, contudo, necessariamente incidir em sua transformação.

O apoio institucional na gestão federal, como modo de ação política por dentro da malha do Estado, implica uma ética de solidariedade no acesso a recursos e compartilhamento do processo decisório da política pública, logo, de sua democratização. Contudo, a necessidade de implementação do “cardápio” que constitui a prioridade política da gestão demonstrou resultar em um tensionamento entre esta ética e as finalidades esperadas do apoio, em alguma medida mutuamente limitante.


Palavras-chave


Atenção Básica;Democracia; Políticas de Saúde; Gestão em Saúde