Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Situação de Trabalho e Saúde de Professores de Ensino Superior Público
Ana Cláudia Leal Vasconcelos

Última alteração: 2018-01-26

Resumo


Com o objetivo analisar a situação de trabalho docente em unidades de instituição pública de ensino superior, colocando em discussão os valores, as normas, as regulações e suas implicações na atividade de trabalho e na vida dos professores, realizamos uma pesquisa-intervenção tendo a Ergologia, a Psicodinâmica do Trabalho e a Ergonomia da Atividade como aportes teórico-metodológicos. A pesquisa teve início com uma análise global a partir de vinte e sete entrevistas individuais, análise de documentos e de observações da atividade de trabalho docente em uma universidade pública. A partir daí, foi possível organizar o material que mobilizou a discussão coletiva em seis Encontros sobre o Trabalho em uma unidade acadêmica. Esses encontros – inspirados em Durrive (2010) – buscaram possibilitar a construção de uma “comunidade dialógica”, em que cada participante pudesse apresentar/discutir/trocar com os demais, a maneira como veem suas atividades e a dos outros. Os diálogos empreendidos com os professores possibilitaram reflexões sobre vários aspectos da atividade docente em universidades públicas, dentre os quais, permitiram compreender como esses professores realizam a atividade e fazem escolhas coletivas, diante das exigências e pressões dos sistemas avaliativos e de financiamento; e, ampliar a reflexão sobre como essas escolhas coletivas têm afetado a saúde e a vida desses professores. A discussão sobre os constrangimentos sistêmicos ao trabalho docente no ensino superior – avaliação quantitativa, limites à autonomia, condições de trabalho, financiamento etc. – dá indícios de intensificadores do sofrimento que têm afetado os professores. Entre as exigências do trabalho e as escolhas para executá-las, vivencia-se a sobrecarga de trabalho. A autonomia sofre duras restrições pelas múltiplas exigências e pressões, que têm constrangido no sentido de produção, excelência e desempenho. Esse excesso de atividade tem conduzido alguns dos professores a sentirem que não dão conta de realizar as tarefas prescritas; ou que, para darem conta, têm que trabalhar mais, aumentar o tempo no local de trabalho (chegar mais cedo e/ou sair mais tarde) e ampliar, também, o tempo de realização de tarefas desenvolvidas no espaço doméstico. Colocou-se em discussão o sofrimento intensificado pela sobrecarga de trabalho. A partir das reflexões oriundas dessa discussão, identificou-se que, diante das pressões e constrangimentos, a sobrecarga de trabalho foi apontada pelos professores como intensificadora do sofrimento vivenciado como: (a) ansiedade (aflição); (b) esgotamento físico e mental; (c) culpa; (d) ressentimento ou frustração diante da injustiça e (e) frustração por fazer um trabalho aquém do que poderiam. A ansiedade, diante das pressões por produção e do tempo limitado para a realização de complexas tarefas, foi mencionada com “aflição”. Mas, além da ansiedade, os professores revelaram preocupação com a possibilidade de esgotamento físico e mental, dada a sobrecarga de trabalho. A “culpa” foi sinalizada, especialmente, em relação ao tempo “subtraído” do trabalho para dar conta dos cuidados com os filhos e, vice-versa, do tempo que se deixa de cuidar dos filhos para trabalhar. O trabalho complexo e invisível – no âmbito do qual você sempre pode fazer algo mais – continua existindo, mesmo quando você não está mais na Universidade. E manter-se produtivo, sem deixar atender às demandas familiares, é tarefa árdua e, nesse caso, implica sofrimento, vivenciado como “culpa”. Ao dividir o tempo entre trabalho e família, a culpa aparece como vivência de sofrimento, pois, quando se dedica a um dos polos, esses professores sentem-se como privando o outro polo de seu tempo e de sua dedicação. Em relação à injustiça, ela apareceu, na discussão sobre a divisão sexual do trabalho, em que as professoras sinalizaram para a insatisfação diante das desvantagens em relação aos homens e foi mencionado o ressentimento diante dessa injustiça. A frustração diante da injustiça também foi mencionada em relação às avaliações e quando da rejeição de artigos. Dejours (2011d) alerta que, dada a intensificação do sofrimento, o trabalho pode implicar desestabilização do equilíbrio psicossomático e resultar em inúmeras doenças. A esse respeito, os professores fizeram referência a situações em que a intensificação do trabalho tem implicado alguns sinais ou formas de adoecimento, diante dos quais, têm desenvolvido algumas estratégias individuais. Por outro lado, Dejours (2011d) sinaliza para o potencial estruturante da identidade e da subjetividade, que o trabalho comporta, podendo o trabalho ser promotor de prazer, sentido e saúde. A aposta desse autor é que o equilíbrio psicossomático é dinâmico e a saúde configura-se como processo de luta, capacidade de enfrentar, criativamente, imprevistos, obstáculos e constrangimentos da realidade. Diante dos riscos à saúde e reflexões sobre como lidar com a sobrecarga de trabalho, alguns professores listam algumas estratégias individuais que têm implementado, dentre as quais: (a) gestão do tempo, no sentido de limitar o trabalho a 40 horas semanais; (b) fazer atividades físicas e de lazer; (c) desligar celular, ao sair do trabalho, e não checar e-mails nos finais de semana. Enfim, algumas estratégias têm sido construídas, individualmente, no sentido de limitar a sobrecarga de trabalho, minimizar os riscos de adoecimento na luta no sentido da saúde. O relato de cada uma dessas estratégias individuais, durante os Encontros, despertava o interesse e a curiosidade dos demais. A discussão sobre sofrimento e estratégias de enfrentamento em relação à sobrecarga de trabalho abriu espaço para conhecer as formas de trabalhar e fazer a gestão das infidelidades dessa situação de trabalho. Mas, sobretudo, permitiu a fala e a escuta acerca do sofrimento, das singularidades e dos limites do outro; o que iniciou um processo de cuidado, também, com a saúde do outro. Em alguns momentos, os professores sinalizaram para a possibilidade de dividir algumas tarefas, inclusive, oferecendo-se para ajudar. Um momento emblemático deu-se, quando um dos professores fala do sofrimento e de suas dificuldades em lidar com as demandas e ansiedade em atendê-las; e alguns colegas chegaram a um consenso em limitar essas demandas, no sentido de minimizar a ansiedade do professor em questão e acordaram de evitar, quando possível, demandas de última hora para este professor. Sobre como os aspectos relacionados às singularidades desses professores têm contribuído para a manutenção da mobilização em relação à atividade, a aposta é que esse trabalho também tem sido propulsor de sentido, prazer e, consequentemente, saúde. Dentre os aspectos mencionados como os que atribuem sentido e prazer ao trabalho docente no Ensino Superior Público, os professores fizeram referência: (a) à autonomia para gerir as tarefas e o tempo de trabalho; (b) às próprias atividades-fim da Universidade: pesquisa, ensino e extensão; (c) à cooperação e ao “sentir-se pertencente a um coletivo de trabalho”. Além da flexibilidade em gerir o tempo dedicado ao trabalho, os professores falaram sobre a oportunidade que tiveram em escolher o trabalho e as atividades a privilegiar.  A cooperação e o “sentir-se pertencente a um coletivo de trabalho” também foram relatados como promotores de prazer. Colocar em discussão, a forma como esses professores vivenciam, defendem-se e enfrentam as relações entre saúde, gênero e trabalho, permitiu abrir espaço para conhecer, reconhecer o trabalho do outro; e contribuiu para algumas primeiras reflexões no sentido da criação de estratégias mais coletivas diante da sobrecarga de trabalho.