Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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LUTA POR JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL: REFLEXÕES A PARTIR DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA COMUNIDADE DE BOLSO, EM SÃO GONÇALO DO AMARANTE/CE
Wanessa Maria Costa Cavalcante Brandão, Iara Vanessa Fraga de Santana

Última alteração: 2017-12-21

Resumo


As reflexões que propomos buscam evidenciar o conflito socioambiental causado pela expansão do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP) à comunidade do Bolso, a partir da vivência junto à Estratégia Saúde da Família. O CIPP está situado no município de São Gonçalo do Amarante, litoral oeste cearense e começou a ser desenvolvimento pelo governo do Estado em 1996 com a construção do Porto do Pecém. A partir dos anos 2000, mais precisamente em 2007, diversas indústrias primário-exportadoras e mais recentemente uma termelétrica que funciona a carvão mineral e uma siderúrgica, também passaram a compor o complexo. O CIPP é responsável pelas principais exportações de pescado e fruticultura irrigada advindas do agronegócio estadual. Os impactos causados pelo complexo se apresentaram durante o processo de territorialização proposto pela Escola de Saúde Pública do Ceará como parte inicial da atuação na Residência Integrada em Saúde, e, especialmente pela inserção no serviço como Assistente Social Residente na UBS de Acende Candeia, a qual tem um Ponto de Apoio[1] na localidade de Bolso. As atividades no Bolso evidenciaram contradições e conflitos entre o CIPP e o modo de vida comunitário. Dentre eles destacamos a falta de acesso a serviços de água e esgoto regular, exposição das pessoas a metais pesados, poluição sonora (explosões de pedreiras), advindos da termelétrica; desapropriações e a instalação de variadas empresas de beneficiamento de materiais diversos. A comunidade de Bolso e tantas outras comunidades camponesas viviam outrora do trabalho com/na terra, principalmente. Os impactos causados pelo CIPP ás comunidades tem expulsado e/ou ameaçado a continuidade do seu modo de vida. Esse conflito vem exigindo da Estratégia de Saúde da Família ações refletidas na busca pela garantia da Integralidade, a Universalidade e Equidade do serviço dentro desse contexto adverso e multifacetado. O distrito de Bolso teve sua rotina modificada, saltando nas últimas décadas de uma comunidade de artesãs, pescadores, marisqueiras e especialmente agricultores (as) e remanescente indígenas, para ser cenário da implantação de diversas indústrias. A poluição ambiental marca o cotidiano das comunidades residentes e adjacentes. Várias desapropriações foram realizadas para a construção dos empreendimentos, e, a especulação imobiliária segregou as populações nativas. Apesar disso, a memória da população indígena Anacé se manifesta nas diversas relações sociais, mesmo diante do etnocídio. As comunidades Amarantinas outrora Anacetabas também resistem lutando pelos seus territórios. Os subsídios do processo de Territorialização e a revisão de literatura mostraram diversas resistências populacionais ameaçadas pela nova dinâmica social e econômica. Desejamos aqui problematizar a expansão do Complexo Industrial e Portuário do Pecém como vetor de mudanças e impactos à dinâmica da comunidade, sobretudo pelas relações de produção levadas a cabo pelo empresariado transnacional com o amparo do Estado cearense. Segundo Bezerra (2010) desde 2007 as desapropriações impactam as populações tradicionais do Bolso advindas da instalação e ampliação do CIPP (BEZERRA, 2010). Os conflitos socioambientais impactam a saúde e os modos de vida da população em questão. O acesso às políticas públicas como transporte, cultura, lazer, habitação, saúde e trabalho são estritamente limitados. As famílias ali residentes contam com o acesso dos serviços de saúde no Ponto de Apoio no Bolso apenas dois dias na semana. Reforçamos que a Estratégia Saúde da Família se organiza no Sistema Único de Saúde a partir dos territórios, levando em consideração os determinantes em saúde ancorados nos princípios da Reforma Sanitária, nos quais a Soberania Alimentar e a Reforma Agrária foram pautas exigidas pelo povo brasileiro. A relação entre saúde e território se articulará neste trabalho na tentativa de compreender os processos de resistências e luta socioterritorial, ancorando-se no debate sobre produção de saúde e “questão ambiental”, percebendo a indissociabilidade entre essas categorias e as intervenções junto a ESF. Acreditamos que esse estudo subsidiou reflexões aos profissionais Residentes, no que se refere à assistência, prevenção e promoção de saúde junto à população adscrita na comunidade de Bolso. Durante o levantamento bibliográfico, percebemos uma vasta produção acadêmica sobre o CIPP ao longo do seu processo de expansão, porém, na atualidade, diante do modelo de exceção imposto a nação desde 2016, torna-se urgente discutir as condições de vida dessa população frente à “questão ambiental”. A luta pela terra e por território está diretamente associada ao que compreendemos aqui como questão Urbana, Agrária e Ambiental, uma tríade indissociável. A partir das pesquisas desenvolvidas no Grupo de Temático de Pesquisa da ABEPSS – Questão Agrária, Urbana, Ambiental e Serviço Social – o Serviço Social busca através da instrumentalização teórica e metodológica sobre esta temática, apreender as contradições dessas categorias de forma dialética, ou seja, apreendendo as mediações que perpassam a totalidade social como parte de uma intervenção profissional ancorada na realidade macrossocial, nacional e regional. Para o GTP existem quatro determinações históricas e estruturais que engendram a questão agrária, urbana e ambiental. Desse modo, pautamos que os “territórios” são considerados locais de disputas, onde os conflitos entre as classes sociais se expressam de forma mais evidente dependendo da correlação de força entre a população e o Estado/Mercado de determinada área real delimitada e caracterizada por suas particularidades de produção e cultural. O conceito “território” merece algumas problematizações, por sua relação categorial envolver muitos elementos que são reificados, fato que garante a naturalização das relações de exploração e expropriação de terras, perpetuando a criminalização dos movimentos sociais populares que disputam por territórios no Brasil, desconsiderando as bases da problemática, e as mobilizações em busca de direitos sociais e políticos. Essa disputa começa pela terra (casa), pelo trabalho (seja na terra ou fora), no acesso a serviços de saúde, educação, etc. Levando em consideração esses elementos, buscaremos realizar uma pesquisa participante de cunho qualitativo, através da revisão de literatura, observação participante e entrevista semiestruturada, especificamente com os/as moradores/as que ainda residem na comunidade de Bolso. Além de denunciar e evidenciar as contradições e impactos causados pelo CIPP, esse trabalho também mostrará o modo de vida da comunidade Bolso, suas resistências, derrotas e vitórias frente ao complexo, expressão do capital internacional e de um Estado que cumpre com as suas exigências.

 

 



Palavras-chave


Conflito Socioambiental; Questão Ambiental; Resistências.