Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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“ACENDE CANDEIA, CANDEIA ACENDE LÁ, O MATO, A TERRA E O MAR”: REFLEXÕES SOBRE AS RESISTÊNCIAS COMUNITÁRIAS A PARTIR DO PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DA RESIDÊNCIA INTEGRADA EM SAÚDE EM SÃO GONÇALO DO AMARANTE – CE
Wanessa Maria Costa Cavalcante Brandão, Beatriz de Sousa Pinho, José Edmilson Silva Gomes, Marcela Maria Araújo Braga, Raphaelle Santos Monteiro, Victor Brunno Moreira Gomes, Iara Vanessa Fraga de Santana

Última alteração: 2017-12-21

Resumo


Esse estudo surge a partir das reflexões advindas da inserção no cenário de prática enquanto equipe da IV Turma da Residência Integrada em Saúde (RIS/ESP). A experiência pioneira de Educação Permanente no município de São Gonçalo do Amarante, situado no litoral oeste cearense, ocorre no período de 2017-2019, através da ênfase – Saúde da Família e Comunidade. O processo de territorialização evidenciou uma série de protagonismos no que se refere à mobilização, inclusão produtiva, arte e produção de cuidado na comunidade Amarantina. Diante disso, buscamos aqui, identificar algumas resistências comunitárias no município de São Gonçalo do Amarante a partir do processo de Territorialização da RIS/ESP. Para isso, procuramos descrever algumas experiências de mobilização, inclusão produtiva, arte e produção de cuidado no cenário de prática e apontar as principais possibilidades e desafios de intervenção em saúde junto aos protagonistas locais. O cenário local enfrenta um processo de expansão industrial acelerado, sobretudo, pela ampliação do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), fato que desde a década de 1990, acarreta mudanças nos processos de trabalho, saúde e doença da comunidade. A instalação do Porto, dos Parques Eólicos, da Termelétrica, da Siderúrgica e da recém-aprovada Refinaria coloca em cheque os modos de vida da população ali residente. Apesar do cenário, as comunidades continuam resistindo aos impactos do CIPP de diversas formas. Ao definirmos o território a partir de seu conceito ampliado utilizado na saúde, compreendemos este, não só pela limitação de espaço ou demografia, mas também, como espaço material e imaterial, que comporta relações sociais, espaço de disputas (políticas, econômicas e culturais), modos de vida, de produção (trabalho), especificidades ambientais e regionais, particularidades nas formas de organização e identidade da comunidade que ali habitam ou que compõem a rotina da população flutuante. O cotidiano no território aparece como resultado das relações entre os diversos aspectos que o compõem, concebendo nesse contexto, relações de disputas entre os modos de vida das populações tradicionais e os grupos que detém o poder hegemônico. A Territorialização fomentada pela Escola de Saúde Pública do Ceará para a IV Turma RIS/ESP e a revisão de literatura subsidiou metodologicamente este trabalho. A partir de Rigotto; Santos (2011) a territorialização é ferramenta primordial na organização dos processos de trabalho-produção e no reconhecimento da relação entre saúde-ambiente na Atenção Básica, devendo aquela, ocorrer de forma permanente e intersetorial. O intuito do processo não foi o mapeamento geográfico das áreas de abrangência, mas sim, a apreensão da dinâmica social que impacta as relações de produção da tríade saúde-doença-intervenção. As particularidades da questão regional do Nordeste, por exemplo, demandam uma atenção especial no que se refere à territorialização como ferramenta de operacionalização do SUS. Ao reconhecermos a conformação sócio-histórica dessa região, a partir da trajetória de emigrações, mendicância e enfrentamento ao semiárido, percebemos as singularidades expressas nas formas tradicionais de produção da saúde, assim como, as determinações do adoecimento dos diversos grupos populacionais. Pudemos identificar algumas experiências de mobilização, inclusão produtiva, arte e produção de cuidado. Com destaque para a Associação de Moradores de Acende Candeia, que desenvolve atividades de produção agrícola e inclusão produtiva, mesmo diante de um cenário de crise hídrica, assim como, a Associação de Mulheres Anacetaba no bairro da Lagoinha, que transformam as cabaças em peças de decoração, como tentativa de superação das diversas vulnerabilidades; Os mestres do Coco e do Reisado que protagonizam um movimento intergeracional de arte e cultura, e, que lutam cotidianamente contra a invisibilidade e desvalorização, diante do novo cenário econômico e social no Pecém; A organicidade da população Anacé que tem sido potencializada na atualidade, a partir dos processos de mobilizações e resistências frente às obras de perfusão de poços no Aquífero do Cumbuco, Barra do Cauípe, Jenipapeiro (Silpé), Taíba e Pecém, com destaque, para uma Ação Popular junto ao Ministério Público da União, o que nos últimos dias trouxe a revogação das obras em prol do abastecimento hídrico do CIPP. As rezadeiras e curandeiros locais, que têm produzido processos de cuidado em saúde, fomentando o saber popular em saúde historicamente construídos no município. Diante do exposto, podemos apontar que a aproximação desses protagonistas comunitários tem sido fundamental para as intervenções junto as Estratégias de Saúde da Família, ancoradas nos potenciais existentes no município, nos seus modos de fazer saúde, cultura e arte, e, ainda geração de renda. As assessorias junto a Farmácia Viva, a Rádio Escola CUCA, as oficinas de produtos naturais, ambas, ativadas pela Educação Popular em Saúde tem sido um dos mecanismos da equipe de fomentar os saberes e potenciais comunitários. A valorização desses potenciais comunitários tem possibilitado ações em saúde ancoradas na realidade social, fomentando no cotidiano dos serviços a necessidade de valorização e protagonismo desses sujeitos. Já no que se refere aos desafios, percebemos que a própria lógica de expansão Industrial tem modificado a sociabilidade das comunidades, as desapropriações e acentuação da população flutuante fazem com que os níveis de organicidade da população sejam impactados. Por reconhecermos o Território no Sistema Único de Saúde (SUS) como matriz e matéria prima de trabalho, especialmente a partir da estruturação da regionalização, hierarquização e descentralização como diretrizes do sistema e a Estratégia de Saúde da Família (ESF) como ordenadora do serviço, pautamos que as equipes de referência definam a organização dos processos de trabalho a partir do território, vinculado a adscrição de clientela por microáreas, mas, sobretudo, a partir da conformação sócio-histórica da comunidade. Segundo Oliveira e Furlan (2008) os “olhares” para o conceito de território impactam nos processos de saúde-doença-intervenção, demandando além de competência técnica, compromisso ético-político no sentido de intervir de forma comprometida com a população, nas correlações de forças existentes nos territórios/serviços. Ao considerarmos as determinações sociais da saúde existentes no território como “fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população” Buss; Filho (2007), faz-se necessária a observância das relações de poder, da organização dos serviços e do modo de vida da comunidade, para o reconhecimento dos territórios a partir da territorialização como metodologia de diagnóstico e reconhecimento situacional da Rede de Atenção à Saúde. Como síntese, percebemos que a população local não tem sido favorecida com as ofertas de emprego e os movimentos populares se deparam com a devastação dos recursos naturais e desvalorização dos seus saberes. Nos territórios em disputa estão os mestres do Samba de Coco e Reisado, as (os) artesãs (os), os jangadeiros, as marisqueiras, as rezadeiras, curandeiras e população indígena Anacé, que têm promovido saúde e trabalho intergeracional junto às comunidades locais. Reconhecemos que a Residência Integrada em Saúde Comunitária tem diversos desafios para desenvolver intervenções em saúde junto a comunidade, especialmente frente à poluição ambiental, desapropriações, deslocamento logístico e cenário do desmonte do SUS, porém ações pautadas no resgate dos saberes tradicionais em saúde, recorrente no cotidiano da população local têm sido incorporados no cenário de prática como forma de enfrentamento ao cenário crítico e multifacetado.

 

 


Palavras-chave


Terrotorialização; Resistências Comunitárias; Cultura.