Associação da Rede Unida, 13º Congresso Internacional Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O que os médicos de família e comunidade pensam sobre saúde mental na Atenção Primária?
Nayra da Silva Freitas, Sônia Maria Lemos, Luiz Otávio de Araújo Bastos

Última alteração: 2017-12-28

Resumo


Apresentação: No Brasil, a Atenção Primária Saúde (APS) é a principal porta de entrada, e deve ser o contato preferencial dos usuários com o Sistema Único de Saúde (SUS). A APS tem na Estratégia da Saúde da Família (ESF) sua forma prioritária de organização e é capaz de ampliar a resolutividade e o impacto no que diz respeito à saúde das pessoas e às coletividades, de acordo com os preceitos do SUS. Os médicos da APS têm em sua rotina de atendimento cerca de um terço da demanda envolvendo transtornos psiquiátricos e cerca de dois terços ou mais dos pacientes com depressão e outros transtornos mentais comuns fazem acompanhamento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), evidenciando a importância que o médico de família e comunidade (mfc) tem na prestação de cuidados de saúde mental. As demandas de saúde mental ficam por vezes subentendidas em muitas queixas relatadas pelos usuários quando procuram por atendimento médico, o que ressalta a importância de formação adequada para desenvolver habilidades no manejo da saúde mental. As ações voltadas para a saúde mental podem ser realizadas pela equipe dentro do próprio território e o apoio matricial pode auxiliar no cuidado das pessoas a partir da corresponsabilidade. Pelo fato de não se conhecer como a temática de saúde mental tem sido introduzida nos programas de residência médica de Manaus, Amazonas, nem como os mfc têm contribuído para a formação dos jovens médicos ou buscado seu próprio aprimoramento, este trabalho foi pensado, não só para compreender a habilidade clínica, mas o trabalho em equipe e a utilização de outros recursos disponíveis quando necessário para atender as demandas de saúde mental. Este trabalho tem com objetivo geral analisar a percepção que os mfc têm sobre a sua formação e conduta com relação à demanda de saúde mental na APS. Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um estudo exploratório descritivo, de abordagem qualitativa. A pesquisa se desenvolvendo por meio de entrevistas semiestruturadas com residentes, egressos, médicos com título em Medicina de Família e Comunidade (MFC) e preceptores da residência em MFC do Amazonas. As entrevistas são realizadas nas instituições com as quais os médicos têm vínculo e são gravadas para posterior análise pelo método de análise do conteúdo. Resultados e/ou impactos: Até o presente momento da pesquisa, identificou-se que os mfc têm dificuldade em definir saúde mental e os que conseguem tendem a resumi-la ao bem-estar emocional do ser humano. Todos concordam que a demanda de saúde mental na APS é grande e que em sua maioria está associada a problemas sociais como violência, abuso de álcool e drogas, desemprego. Apesar de comumente não se apresentar como uma demanda mental, mas sim por meio de queixas orgânicas e sintomas inespecíficos, todas as consultas devem ter a abordagem de saúde mental, pois faz parte do cuidado centrado na pessoa que é uma prerrogativa da MFC e considerada pelos entrevistados a principal intervenção no cuidado de saúde mental. Além dela, os mfc se utilizam da abordagem familiar, visita domiciliar, ferramentas da psicologia como abordagens piscoterápicas breves, técnicas complementares como orientações sobre meditação e higiene do sono e, ainda, da terapia medicamentosa, quando necessário. As intervenções comunitárias ainda são minoria e o apoio matricial se mostra deficiente. Quanto aos casos que precisam ser encaminhados, mais uma vez, é observado um consenso entre os mfc que encaminham ao psiquiatra, principalmente, ideação suicida, depressão de difícil controle e surtos psicóticos, mas todos afirmam que mesmo após o encaminhamento continuam acompanhando o paciente, primeiramente pela competência da longitudinalidade, segundo pelas dificuldades de marcação de consulta no setor secundário. A maioria dos (as) entrevistados(as) se sentem aptos(as) para atender as demandas mentais que surgem, sempre com a ressalva de que ainda se tem muito a aprender, e essa aptidão foi adquirida em momentos diferentes no processo de formação de cada um. O profissional médico ainda detém todo o cuidado desses pacientes, pois dentro da equipe da ESF a enfermagem não tem representatividade na condução desses casos e o trabalho do ACS se detém à identificação dos casos na comunidade e verificação do tratamento medicamentoso. O tempo é visto por todos como a maior particularidade nos atendimentos de saúde mental, os mfc têm metas diárias de atendimentos exigidas pela gestão e como trabalham com agenda aberta precisam se adaptar quando se deparam com atendimentos que precisam um pouco mais de tempo, como os que trazem alguma demanda psiquiátrica. As alternativas encontradas são agendar esses pacientes para os últimos horários, marcar mais consultas para a mesma pessoa ou ainda, contrariar  as normas e agendar menos pacientes para conseguir mais tempo nas consultas. Os mfc não souberam identificar muitos lugares na comunidade que promovam saúde mental, além da UBS em que atuam, esses espaços ainda são poucos, alguns citaram os Alcoólicos Anônimos (AA), atividades promovidas pela associação de moradores e também as igrejas como espaço de promoção de saúde. Grande parte das UBS´s conhecidas até o momento não tem relação com o NASF, acreditam que poderia ser de grande contribuição para o cuidado dentro do território, mas não dispõem desse apoio. Para os que passaram por residência médica, nenhum tinha expectativa sobre como seria o ensino da abordagem de saúde mental na APS, mas todos concordam que foram surpreendidos e ressaltaram a importância desse módulo para o desenvolvimento da aptidão na prática clínica. Sobre as melhorias feitas na abordagem de saúde mental, os preceptores mais antigos de programas diferentes destacam a convivência do residente com os especialistas focais. Com relação aos avanços que precisam ser dados, foi citado um matriciamento efetivo, melhoria do trabalho multidisciplinar, incentivo à pesquisa em saúde mental, aprimoramento do rodízio nos CAPS e policlínicas e até o retorno da residência de psiquiatria que foi fechada em 2015. Considerações finais: É possível destacar a interrelação entre as demandas de saúde mental e os determinantes sociais em saúde na prática do mfc. Todos os médicos entrevistados são preceptores da residência em MFC de Manaus, e nenhum conseguiu definir com clareza o que é saúde mental, o principal tipo de demanda que possuem na APS, e também não falam com certeza sobre avanços no ensino. As lacunas na formação durante a graduação e residência médica refletem-se na inabilidade ao lidar com essas demandas e na dissociação da saúde mental com a do restante do corpo. A escassez de artigos nessa temática demonstra a falta de atenção das políticas públicas de saúde mental na APS e revela que as questões relacionadas ao cuidado em saúde mental precisam ser detalhadas e intensificadas na formação do médico residente em MFC. As práticas em saúde mental na APS devem contemplar a relação dialógica e interdisciplinar com os demais membros da equipe de saúde, além de espaços comunitários de acolhimento e promoção de autonomia do indivíduo na comunidade.


Palavras-chave


saúde mental; atenção primária; médico de família e comunidade